Concessão do Metrô do Recife: audiência pública em Brasília debate privatização e futuro do sistema metroviário

Plantão Jamildo.com | Publicado em 21/09/2025, às 11h15 - Atualizado às 11h31

Metrô do Recife - DIVULGAÇÃO
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Os metroviários de Pernambuco, organizados pelo Sindmetro-PE e Fenametro prepara uma nova manifestação contra a concessão do Metrô do Recife à iniciativa privada. O ato central será uma audiência pública marcada para o dia 23 de setembro, na Câmara dos Deputados, em Brasília. Caravanas de trabalhadores e apoiadores da causa são esperadas para reforçar a mobilização.

A audiência foi articulada com apoio da deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL-RS) e deve reunir parlamentares, sindicatos, especialistas, movimentos sociais e representantes da sociedade civil. O objetivo é debater os impactos da desestatização da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU-PE) e da Trensurb, do Rio Grande do Sul, além de cobrar maior clareza do governo federal sobre os rumos do setor.

Esperamos uma das maiores audiências públicas do ano. Teremos caravana de metroviários indo para Brasília e ampla mobilização da classe trabalhadora de Brasília e do entorno. Vamos lotar o plenário 8 da Câmara dos Deputados e mostrar o repúdio popular contra as propostas neoliberalistas de privatização do sistema metroviário”, afirmou o historiador Jones Manoel, que participará do encontro.

Para ele, a mobilização popular pode alterar o curso das negociações. “A pressão popular contra as privatizações está crescendo. As categorias estão mobilizadas, a opinião pública está sendo cada vez mais tocada pela campanha e temos claro que a privatização não é solução para os problemas do metrô ou trens urbanos. A perspectiva é acumular cada vez mais força para arrancar uma vitória”, disse.

Situação do Metrô do Recife

O sistema metroviário da Região Metropolitana do Recife, operado pela CBTU-PE, atravessa um período de deterioração estrutural e financeira. O relatório elaborado para a audiência pública aponta que o sucateamento é resultado de subfinanciamento crônico e de gestão considerada insuficiente, somados a tentativas anteriores de privatização.

A queda de demanda é um dos indicadores da crise. Em 2015, o metrô transportava em média 9,3 milhões de passageiros por mês. Em 2022, o número caiu para 4,3 milhões. O declínio começou antes mesmo da pandemia de Covid-19, acentuado por tarifas consideradas altas e pela redução da qualidade do serviço.

Do ponto de vista operacional, o sistema conta atualmente com apenas 16 trens em funcionamento, de um total de 40 disponíveis. O intervalo entre viagens, que já foi de 5 minutos, passou para 10 minutos, aumentando riscos de falhas devido à falta de peças de reposição. O relatório também descreve estações degradadas, falhas de segurança e manutenção realizada de forma emergencial.

Os investimentos federais caíram de R$ 26,5 milhões em 2016 para R$ 500 mil em 2020. Em 2019, apenas 33,4% dos recursos solicitados foram efetivamente executados. A estimativa apresentada é de que seriam necessários R$ 1,2 bilhão em aportes para recuperação mínima da rede.

Propostas alternativas à concessão

O documento que será discutido na audiência pública apresenta alternativas para manter a CBTU-PE e a Trensurb como estatais. A primeira medida defendida é a retirada imediata das duas empresas do Programa Nacional de Desestatização.

Outra proposta é o aporte de recursos federais emergenciais de R$ 1,2 bilhão, destinados à reabilitação do sistema do Recife, com recuperação da infraestrutura, compra de novas composições, reforço na segurança e manutenção.

O relatório também sugere a criação de uma tarifa social de R$ 2,00, subsidiada com recursos públicos e complementada por medidas como redução de ICMS, exploração comercial das estações e parcerias institucionais.

A expansão da rede metroviária também é considerada essencial. Os projetos incluem extensão da Linha Norte até Paulista, projetada em 2017, além de uma nova ligação entre Afogados e o centro do Recife, além de ramais para Suape e São Lourenço da Mata. O plano prevê ainda a ampliação dos Veículos Leves sobre Trilhos (VLTs).

Demandas da categoria

As entidades que organizam a mobilização reivindicam a retirada definitiva da CBTU-PE e da Trensurb do PND, a garantia de investimentos federais para recuperação e expansão dos sistemas e a criação de um grupo interministerial para discutir uma política nacional de transporte metroferroviário.

O grupo defenderá que o processo seja conduzido com transparência e diálogo com trabalhadores, usuários e especialistas. “A CBTU-PE e a Trensurb não são problemas, são soluções. O Estado brasileiro precisa recuperar sua capacidade de investir em mobilidade urbana com equidade, segurança e planejamento”, conclui o relatório.

Governo federal e o projeto de concessão

O governo federal sinaliza que a concessão do Metrô do Recife já está definida. Em agosto, o ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT), afirmou que o controle do sistema seria transferido ao governo de Pernambuco, responsável por conduzir o leilão à iniciativa privada. Segundo ele, o investimento de aproximadamente R$ 3 bilhões seria realizado após o repasse, por meio de uma Parceria Público-Privada (PPP).

A contrapartida estadual, inicialmente estimada em R$ 700 milhões, foi reduzida para cerca de R$ 150 milhões. O modelo prevê pagamento de contraprestações financeiras à futura concessionária.

Em 2024, a CBTU registrou prejuízo de R$ 1,1 bilhão, quase cinco vezes maior do que no ano anterior. A cifra inclui operações deficitárias em João Pessoa, Natal e Maceió, mas, entre as quatro capitais, apenas o Recife é considerado viável para concessão no momento.

O leilão está previsto para ocorrer no fim de 2026, com início da operação privada em 2027. Até lá, o Tribunal de Contas da União deve analisar os estudos elaborados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), reavaliados em 2024 no âmbito do Novo PAC.

O serviço atende atualmente aos municípios do Recife, Jaboatão dos Guararapes, Camaragibe e Cabo de Santo Agostinho. São três linhas em funcionamento, com 36 estações e 71,5 km de extensão, dos quais 37,8 km são eletrificados e 33,7 km operam a diesel.

Discurso de unidade entre os ministros

A fala de Rui Costa sobre a concessão à iniciativa privada é reiterada por outros dois colegas de Esplanada. O ministro de Cidades Jader Filho defendeu a concessão do Metrô do Recife, há um mês. "Vamos dar a qualidade de serviço que você vê em Belo Horizonte e Salvador", defendeu. O Metrô de BH está sob administração privada desde 2023, enquanto o de Salvador, desde 2013, onde o contrato de concessão é válido por 30 anos.

"Dentro do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), temos mais de 136 milhões de reais para obras de reparos emergenciais. mas precisamos tratar a questão do metrô do Recife de uma maneira um pouco mais profunda e melhorar a qualidade do transporte público na Região Metropolitana do Recife", afirmou o ministro.

O Metrô do Recife é administrado desde 1985 pela Superintendência de Trens Urbanos do Recife (Metrorec) entidade vinculada à Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), empresa estatal federal ligada ao Ministério das Cidades.

No PodJá - o podcast do site Jamildo.com, o ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho (Republicanos), também defendeu a transferência do Metrô para a iniciativa privada. Segundo ele, o estado deve priorizar áreas como saúde, educação e segurança pública, enquanto setores como portos, aeroportos e transporte metroviários devem ficar sob responsabilidade da iniciativa privada.

Raquel Lyra avalia aporte de R$ 1 bi

A governadora Raquel Lyra (PSD) defende que o Estado invista R$ 1 bilhão no Metrô do Recife antes da concessão à iniciativa privada, para garantir melhorias imediatas. Segundo ela, as negociações em andamento buscam viabilizar até R$ 4 bilhões em investimentos no sistema.

O governo federal colocou R$ 50 milhões, trocando dormentes e trilhos, mas a necessidade do metrô é de R$ 3 a 4 bilhões. Nem eu [governo de Pernambuco] nem o governo federal temos esse recurso hoje. Minha proposta é que o Estado antecipe até R$ 1 bilhão para melhorias imediatas, como novos vagões e reforma dos terminais, mas que a União garanta os outros R$ 2 ou 3 bilhões necessários”, disse em entrevista à Rádio Jornal, no último dia 16.

Raquel destacou que, desde a campanha, assumiu o compromisso de “ser parte da solução” para o transporte. Ela afirmou que um desenho já está em análise, incluindo a possibilidade de subsídio estadual à operação.

Estou negociando com o ministro das Cidades, Jader Filho, com a CBTU e com o governo federal. A sinalização é positiva. O que a gente sonha é que as pessoas tenham o direito de andar no metrô de forma decente, com segurança, com escada rolante funcionando. Pernambuco não tem investimentos importantes há décadas, e eu estou lutando para mudar essa realidade”, afirmou.

Privatizações em outras capitais

A inclusão da CBTU-PE e da Trensurb no Programa Nacional de Desestatização (PND), ainda durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), gerou debates entre técnicos e trabalhadores. O relatório alerta que experiências recentes em outras capitais levantam dúvidas sobre o modelo.

Em Belo Horizonte, o sistema foi concedido por R$ 25,7 milhões, valor inferior ao de um único Veículo Leve sobre Trilhos (VLT). A operação ficou com o grupo Comporte. No Rio de Janeiro, a SuperVia, operada pela Mitsui, enfrenta dificuldades financeiras e já cogitou devolver a concessão. 

Em São Paulo, linhas concedidas da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) registraram 123 falhas em um ano de operação. O Ministério Público entrou com ação pedindo rescisão contratual. Também houve aumento de tarifas e redução da qualidade percebida pelos usuários. A conclusão apresentada no relatório é de que concessões em sistemas antigos, como o do Recife, não garantem investimentos, nem tarifas compatíveis ou manutenção adequada.

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