Ricardo Leitão: 'Muita calma nessa hora'

Ricardo Leitão analisa o impacto das investigações da PF sobre possível trama golpista e os riscos ao futuro da democracia

Ricardo Leitão | Publicado em 25/11/2024, às 07h34

Ricardo Leitão sobre investigação da PF vinculada com suposta tentativa de golpe - Marcelo Camargo/ Agência Brasil
Ricardo Leitão sobre investigação da PF vinculada com suposta tentativa de golpe - Marcelo Camargo/ Agência Brasil

Por Ricardo Leitão, especial para o site Jamildo.com

As investigações de dois anos da Polícia Federal sobre um plano golpista armado no final do desgoverno de Jair Bolsonaro enumeram 25 militares entre os 37 indiciados pelos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa e golpe de Estado.

O ex-presidente abre a lista, seguido de três ex-ministros generais do Exército, um ex-comandante da Marinha, um general quatro estrelas da reserva e o tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro.

O plano previa os assassinatos do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, do vice eleito Geraldo Alckmin e do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes. O objetivo do plano golpista era manter o ex-presidente no poder por tempo indeterminado.

Em 857 páginas, o relatório da PF traz provas e sólidos indícios da participação direta de Bolsonaro na trama.

Além do ajudante de ordens Mauro Cid, dois de seus auxiliares mais próximos – o general Walter Braga Netto, ministro da Defesa, e o general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional se envolveram ativamente na articulação golpista.

Os dois trabalhavam no Palácio do Planalto, ao lado do ex-presidente. Braga Netto chegou a realizar reunião, em seu apartamento funcional, em Brasília, com outros militares golpistas.

Bolsonaro, por sua vez, tratou diretamente com os comandantes do Exército, da Aeronáutica e da Marinha. O general Freire Gomes, do Exército, chegou a ameaçá-lo de prisão; o brigadeiro Carlos Baptista Junior, da Aeronáutica, repeliu a proposta; o comandante da Marinha, Almirante Garnier Santos, aderiu ao plano do golpe. Garnier está agora entre os indiciados pela Polícia Federal.

Depois de passar pelo STF, o relatório final das investigações seguirá para a Procuradoria Geral da República, que tem a atribuição de denunciar os 37 indiciados.

Caso seja considerado culpado pelos três crimes apontados pela PF, Bolsonaro poderá ser sentenciado até a 30 anos de prisão, em decisão do Supremo Tribunal Federal. De princípio, sua carreira política terminaria na cadeia.

Tal possibilidade desde já convulsiona a sucessão presidencial de 2026. No momento, o ex-presidente é o líder mais popular da direita no País, capaz de reunir milhares de pessoas para ouvi-lo, como tem demonstrado.

Uma condenação o enfraqueceria e, ao mesmo tempo, abriria espaço para outras candidaturas conservadoras – como a do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas.

O ex-presidente vai tentar retardar, ao máximo, a inviabilidade de sua postulação em 2026. Empenha-se no Congresso para reverter a decisão da Justiça Eleitoral que o tornou inelegível até 2030 e reitera que é candidato à sucessão de Lula.

Com isso, tenta manter sua liderança no processo eleitoral na direita e impedir o surgimento de outros nomes nesse campo. Foi o que fez Lula em 2018, quando estava preso.

Suas possibilidades de ser o candidato da esquerda – já então contra Bolsonaro – eram mínimas. No entanto, ele resistiu às pressões, manteve nas mãos a condução do processo e só em agosto escolheu Fernando Haddad candidato da aliança de centro-esquerda.

As consequências políticas das investigações da Polícia Federal obrigam as forças progressistas a refletir: é melhor derrotar o bolsonarismo nas urnas, em 2026, ou enfrentar uma campanha em que a “vitimização” de Bolsonaro – que poderá estar nos palanques – se transforme em ponto central dos debates? A direita terá condições de impor a versão de que foi a esquerda que conspirou para prender o ex-presidente, macomunada com o Supremo Tribunal Federal?

Estima-se que Paulo Gonet, o Procurador- Geral da República, precisará de três meses para analisar o relatório da Polícia Federal. Haveria tempo, portanto, para reflexões acerca das dúvidas levantadas acima. Ainda assim, é necessária muita calma nessa hora, em que as costuras com linha fina requerem mãos de grande habilidade.

Mais afeito aos grossos cordões dos coturnos, Jair Bolsonaro sempre soube costurar as brechas conjunturais e avançar com os seus planos golpistas.

No período de dois anos, que vai da eleição presidencial de 2022 até o momento, a extrema-direita bolsonarista planejou ou executou atos terroristas, principalmente em Brasília. Em dezembro de 2022 foi colocada uma bomba em um caminhão de combustível para explodir perto do aeroporto internacional da capital federal. 

Durante os primeiros dias de 2023, milhares de pessoas foram convidadas por redes sociais para a “Festa da Selma”, que resultou na depredação do Supremo Tribunal Federal, do Congresso e do Palácio do Planalto, em 8 de janeiro.

A “festa” foi organizada no acampamento bolsonarista em frente ao quartel general do Exército, em Brasília. Em 12 de dezembro, dia da diplomação de Lula como presidente eleito, hordas bolsonaristas tentaram invadir a sede da Polícia Federal e incendiaram ônibus e carros no centro da capital.

No início do segundo semestre deste ano, milhares de incêndios de matas pipocaram em diversas regiões, principalmente na Amazônia e no Centro-Oeste.

A Polícia Federal abriu 85 inquéritos, na suspeita de que eram ações criminosas. Mais recentemente, em 13 de novembro passado, Francisco Wanderley Luiz, militante bolsonarista de 59 anos, lançou duas bombas caseiras contra a sede do STF. Cercado por seguranças, se explodiu com uma terceira. Por fim, a Operação Punhal Verde e Amarelo, assim denominada pelos golpistas que pretendiam assassinar Lula, Alckmin e Moraes e manter Bolsonaro no poder.

À série de atos violentos se somam os ataques pessoais do ex-presidente à democracia: tentou minar a credibilidade das eleições e das urnas eletrônicas; usou as comemorações do 7 de Setembro para atacar adversários políticos; ameaçou ministros do STF e jornalistas; recusou-se a reconhecer sua derrota eleitoral e a passar a faixa presidencial para o vencedor, Lula.

Em seus depoimentos na PF e no STF, o tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro, afirmou que o ex-presidente tinha conhecimento do plano do golpe de 2022 e dos atos violentos planejados pela extrema-direita.

Bolsonaro nega e agora se apresenta em nova persona: em 11 de novembro passado, sem qualquer pejo, publicou na Folha de S.Paulo artigo intitulado “Aceitem a democracia”.

Nele ataca a esquerda e se exibe como o verdadeiro defensor do povo, da liberdade econômica, da liberdade de expressão, da ordem, do progresso, da família, da religião e da Pátria. Certamente em comemoração ao cinismo do texto de seu líder, 48 horas depois da publicação, Francisco Wanderlei Luiz lançou duas bombas caseiras contra a sede do STF.

Nos céus tensos de Brasília se avoluma uma questão: o atentado citado acima foi um ato isolado ou um sinal da existência de uma rede da extrema direita, articulada e com comando, disposta a tumultuar ainda mais a conjuntura? Há ligações das invasões das sedes dos três Poderes, em janeiro de 2023, com o plano dos assassinatos de Lula, Alckmin e Moraes em 2022?

É preciso investigar profundamente. Houve momentos, na vida política do Brasil, em que foi legítimo reagir à repressão da ditadura com bombas. Não é isso que motiva hoje os atentados da extrema-direita, que explodem pela volta da ditadura. Jair Bolsonaro quer implodir a democracia. Ele continua sendo, no momento, o inimigo a ser derrotado.

@blogdojamildo