Ricardo Leitão: "O Golpe da Anistia de Bolsonaro"

Ricardo Leitão chama de "golpe" o projeto de anistia articulado pelos bolsonaristas para livrar Jair Bolsonaro da inelegibilidade; confira artigo

Ricardo Leitão | Publicado em 30/04/2025, às 14h30

Bolsonaro está inelegível até 2030 - Foto: Yan Lucca / Jamildo.com
Bolsonaro está inelegível até 2030 - Foto: Yan Lucca / Jamildo.com

Uma pesquisa da assessoria técnica do Congresso mostrou que a anistia foi concedida 80 vezes no período que vai da proclamação da Independência, em 1822, ao fim do Estado Novo, em 1946.

A anistia de 1979, a derradeira em tempos mais recentes, serviu para fechar feridas da ditadura de 1964, libertando os últimos presos políticos e trazendo de volta para o País centenas de exilados.

No pacto então aprovado pelo Congresso, o perdão se estendeu a militares que torturaram e assassinaram adversários do regime autoritário – que até hoje não foram punidos.

Cresce agora, na Câmara dos Deputados, articulação da direita para anistiar os militantes bolsonaristas que vandalizaram o Palácio do Planalto, o Senado, a Câmara dos Deputados e o Supremo Tribunal Federal, na tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2023.

Dos 1.604 presos, 546 réus fecharam acordos de não persecução penal; 500 foram condenados a penas de mais de 14 anos e 231 a um ano de prisão. O restante ainda aguarda o julgamento do Supremo Tribunal Federal.

O novo projeto de anistia já tramita na Câmara dos Deputados, apresentado pela bancada bolsonarista. De princípio, tem por objetivo beneficiar os vândalos do 8 de janeiro; no entanto também pode beneficiar o ex-presidente, inspirador-mor das hordas bolsonaristas.

Relatório anexado ao projeto de lei, de autoria do deputado federal Rodrigo Valadares, sustenta que: “fica também concedida anistia a todos que participaram de eventos subsequentes ou eventos anteriores aos fatos acontecidos em 8 de janeiro de 2023”. E continua o relatório: “Ficam assegurados os direitos políticos e ainda a extensão de todos os efeitos decorrentes das condutas a si imputadas, sejam cíveis ou penais, para as pessoas que se beneficiem da presente lei”.

Por tal entendimento, Bolsonaro pode ser uma dessas pessoas.

Cabe ao presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, a decisão de colocar em votação no plenário o projeto da nova anistia. É grande a pressão da bancada da direita nesse sentido, principalmente depois que apresentou proposta para tramitação do projeto em regime de urgência.

Em sentido contrário pressiona a bancada do governo, liderada pelo PT. Motta tenta se equilibrar em um muro estreito, porém não pode adiar indefinidamente sua decisão.

A possibilidade de Bolsonaro ser anistiado e ter, então, o direito de se candidatar à Presidência da República no próximo ano, divide opiniões.

Há os que defendem ser necessário um projeto de lei de anistia específica para o ex-presidente; outros argumentam que, pela amplitude do projeto em tramitação, Bolsonaro poderia também ser desde logo beneficiado e disputar a sucessão de Luiz Inácio Lula da Silva.

As alternativas na mesa antecipam um longo debate jurídico. Na hipótese de o projeto ser aprovado na Câmara dos Deputados, por maioria simples, seguirá para o Senado, onde precisa da aprovação de 41 senadores. Daí vai à sanção do presidente Lula, que pode vetá-lo no todo ou em parte.

Transformada em lei, a nova anistia poderia ser questionada no Supremo Tribunal Federal, que avaliaria se a nova legislação está de acordo, ou não, com a Constituição. Um caminho longo, no qual todas as etapas serão marcadas por confronto na mídia, nas tribunas e nas ruas.

O ex-presidente deu os primeiros passos, escolhendo as ruas. Em atos que promoveu no Rio de Janeiro e em São Paulo, esperando em cada um reunir 1 milhão de pessoas, foi aplaudido por cerca de 30 mil militantes.

Pouco para quem pretende transformar a anistia de 2025 em uma bandeira nacional; muitíssimo pouco em comparação com as multidões que em todo o País se mobilizaram pela anistia de 1979, encurralando a ditadura.

No entanto, a direita não vai recuar. Ameaçando com um bloqueio das votações no Congresso – e tem voto para tanto –, articula um acordo entre o Legislativo, o Executivo e o Judiciário para se chegar a um meio termo entre condenações e impunidades. Tudo, evidentemente, em nome de uma sempre louvada pacificação nacional.

Não se sabe onde vai dar esse acordo. Pode resultar na redução das penas dos vândalos do 8 de janeiro, o que é admitido por ministros do Supremo. Contudo, por enquanto, não há perspectivas positivas para Bolsonaro em tais entendimentos.

O golpe da anistia, portanto, continua sendo a saída imediata para o ex-presidente. Ele recuperaria prontamente a elegibilidade e poderia escapar dos processos a que responde, como réu, no Supremo Tribunal Federal.

Superados esses grandes obstáculos e continuando como líder da direita, passaria a enfrentar seu maior desafio: vencer Lula em 2026. Não é fácil.

Segundo a última pesquisa de intenção de votos do Datafolha, no final de março, o petista venceria a eleição em 6 dos 7 cenários avaliados; Bolsonaro só venceria se Lula fosse substituído por Fernando Haddad.

Por limitações de saúde do presidente e do ex-presidente, não se pode asseverar se os dois repetirão o confronto final de 2022.

O jogo está aberto. Lula aposta na recuperação de sua popularidade e força eleitoral; Bolsonaro, na fidelidade de sua militância e no golpe da anistia.

Aos 75 anos e fisicamente enfraquecido por sucessivas cirurgias, o ex-presidente não indicou candidato – embora estimule a circulação dos nomes de seus filhos Flávio e Eduardo e da mulher Michelle.

À medida que se enrola em processos criminais, diminui o seu peso político, enquanto cresce o de seus “fidelíssimos” aliados do passado. Caso exemplar é o do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, ex-ministro de seu desgoverno, que já entrou naquele modo “vamos esperar o momento certo”.

Aprovado como gestor do mais importante estado do País, Freitas é o candidato da chamada direita civilizada, municiada pelo dinheiro grosso interno e internacional.

Discretamente, já conversa com nomes que podem sucedê-lo no estado. E não demonstra empenho especial na aprovação da anistia de Jair Bolsonaro.