Os 30 anos do Estatuto da Cidadania

Atividade da advocacia, garantida pela OAB, garante cidadania e estado democrático de direito, contra barbárie

Jamildo Melo

por Jamildo Melo

Publicado em 04/07/2024, às 22h31

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“Na advocacia, a coragem é a primeira das qualidades humanas, porque é a qualidade que garante todas as outras.” (Aristóteles)

Por Gustavo Freire, em artigo para o Jamildo.com

Neste 4 de julho, não apenas a numerosa classe dos advogados, com seus quase 1,5 milhão de inscritos, como a comunidade jurídica em peso, e, por desbordo natural, o conjunto da sociedade, refletem sobre o trigésimo aniversário do Estatuto da Cidadania, fruto da Carta de 1988, que é a Lei Federal nº 8.906, a bússola maior reitora dos destinos, abarcando deveres e direitos, dos advogados do País.

Não é raro na história da humanidade encontrar figuras poderosas que enxergaram na advocacia uma pedra em seu sapato, um fator de apurrinhação, um óbice, dificilmente uma força colaborativa por justiça, ideal universal.

Napoleão Bonaparte, por exemplo, fechou o Barreau, a Ordem dos Advogados francesa, e mandou cortar a língua dos advogados que lhe faziam oposição. As atrocidades nas masmorras de Paris se tornaram tão escandalosas que o megalômano regente, assustado, voltou atrás. Reabriu o Barreau e determinou que a Coroa pagasse advogados dativos para os presos.

Em solo pátrio brasileiro, talvez os aquinhoados com memória curta não se dêem conta, ou prefiram ignorar, o quanto a advocacia foi à frente, resistiu à ditadura imposta a partir de 1964 e denunciou os seus diversos crimes, muitos deles praticados nos porões de tortura das suas casas dos horrores, como em Petrópolis, na serra fluminense, mesmo havendo um apoio inicial, sim, da OAB à autodenominada “revolução”, apoio que cobre de vergonha as gerações futuras, mas que igualmente teve curta duração.

Todo esse passado de dor, sangue e cicatrizes profundas na alma, e a reação heróica liderada pelos advogados, que, a um custo altíssimo, inclusive às suas famílias, se atreveram a não silenciar, guiou a Nação à reabertura, a uma anistia no mínimo imoral aos agentes da repressão, anistia endossada pelo STF, depois à eleição indireta de Tancredo para Presidente da República no pós-generalato e à constituinte de 1987, no governo Sarney, que assumira na morte do titular da faixa.

O Brasil clamava por voltar à cena internacional como uma terra que abraçava em plenitude a democracia enquanto cânone universal e o regime das liberdades, reintegrando-se e ressignificando a si mesmo, virando a página dos vinte e um anos de trevas, que não nos poderiam jamais aprisionar para sempre.

Nesse sentido, os advogados, na pessoa, entre outros, do relator da constituinte, o jurista amazonense Bernardo Cabral (ex-bastonário geral da OAB), foram determinantes, cruciais realmente, para tornar a Constituição de 1988 aquilo que ela é em termos de valores e de princípios, um documento de libertação e de redenção, do que é eixo pivotal o seu artigo 133. Afinal, se não há justiça sem a advocacia, não há democracia sem justiça, como não há futuro longe da democracia.

Personagens consequenciais, símbolos de coragem e desassombro, como José Cavalcanti Neves (pernambucano) e Raymundo Faoro, liderando a OAB, fizeram o povo despertar da apatia, embalada na falsa desculpa de apear Jango do poder e evitar a ameaça comunista.

Doutor Neves em 1972 com a Carta de Curitiba, ocasião em que fez contundente discurso ao final do VI Encontro da Diretoria do Conselho Federal com os presidentes das Seccionais em favor do Estado de Democrático de Direito e das garantias fundamentais como elementos indispensáveis para o desenvolvimento socioeconômico do País.

Era a resposta oficial da Ordem às teses do governo Médici, que buscava a tudo justificar sob o pretexto do denominado “milagre brasileiro”. Faoro em 1977 em artigo para o jornal O Globo no qual denunciava as torturas ao então ex-Presidente da UNE Aldo Arantes.

Alguns anos depois da Constituição promulgada sob o tom grave de voz, mas com o embargo inevitável da emoção que tomava as ruas e os corações, ecoado da garganta do Deputado Ulysses Guimarães, e como resultante de longas discussões, o que impunha uma normativa analítica e não sintética, surgiu a Lei 8.906, em 4 de julho de 1994, mais um símbolo do compromisso inegociável da brava gente brasileira com o Estado Democrático de Direito.

Coube ao então Presidente Itamar Franco a sanção, sendo presidente da Seccional de Pernambuco da OAB naquele tempo o amigo Jorge Neves, herdeiro do DNA altivo de seu velho pai, único pernambucano até hoje a alcançar tão importante cargo de liderança classista em nível nacional.

O Estatuto da OAB de 1994 revogou o de 1963, a Lei nº 4.215, oferecendo regras muito mais condizentes ao papel superlativo da advocacia nas sociedades livres. Trouxe consigo, na sua corrente sanguínea, o compromisso firme da entidade e de cada inscrito seu com a democracia e a sua defesa, palavra aquela primeira, aliás, que ultimamente tanto se faz necessário repetir, para que se compreenda o transcendente o simbolismo que arrasta.

No trigésimo aniversário dos seus primeiros sons, a Lei 8.906 merece o reconhecimento pelo texto audacioso e de enraizados preceitos éticos, que situa a OAB como muito mais do que um cartório expedidor de habilitações profissionais.

Eu que tive a oportunidade, mais de uma vez, de escrever comentários a esta Lei, e que me devoto a aplicá-la julgando os mais diversos temas no âmbito do Sistema OAB, saúdo a efeméride, confiante e esperançoso das muitas virtudes de sua redação, e que outros trinta anos a divisem, por uma Justiça efetiva e não utópica. Que assim seja.

Gustavo Freire é advogado e conselheiro da OAB

@blogdojamildo