Insegurança jurídica pela relativização da coisa julgada

Especialista em tributação explica que contribuintes são punidos por mudanças no entendimento do pagamento de impostos pela justiça em coisa julgada

Breno Guimarães | Publicado em 07/12/2024, às 05h45

O plenário do STF decidiu que os juízos definitivos possuem a capacidade para fazer cessar os efeitos da coisa julgada - Valter Campanato / Agência Brasil
O plenário do STF decidiu que os juízos definitivos possuem a capacidade para fazer cessar os efeitos da coisa julgada - Valter Campanato / Agência Brasil

Por Breno Guimarães

Braskem S/A e TBM (Têxtil Bezerra de Menezes S/A) obtiveram em 1992 o direito de não recolher a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), com decisão transitada em julgado, sob argumento de que a contribuição seria inconstitucional. Em 2007, no entanto, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a CSLL constitucional, em julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 15.

Dois recursos extraordinários – 949.927/CE e 955.227/BA – discutiram no último ano se as decisões judiciais definitivas, que até então favoreciam os contribuintes, perderiam o efeito de forma imediata e automática devido à mudança de jurisprudência no STF. No caso concreto, se a constitucionalidade da CSLL reconhecida em 2007 poderia anular automaticamente as decisões anteriores que isentavam empresas de seu pagamento.

O plenário do STF decidiu que os juízos definitivos possuem, sim, a capacidade para fazer cessar os efeitos da coisa julgada. E estas decisões, que relativizam a coisa julgada, contradizem o princípio da segurança jurídica.

O princípio da segurança jurídica é essencial no ordenamento jurídico brasileiro, orientando-o de modo a garantir estabilidade e previsibilidade de suas normas e protegendo os contribuintes contra “surpresas” inoportunas que possam decorrer durante o curso de suas ações. A segurança jurídica tem a função de proteger os direitos decorrentes das expectativas de confiança legítima na criação ou aplicação das normas jurídicas.

Apesar de não haver expressamente “segurança jurídica” nos artigos do ordenamento jurídico pátrio, o exemplo clássico deste princípio se dá no art. 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal, in verbis:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada

Nota-se assim, desde logo, que o instituto da coisa julgada é um dos pilares da segurança jurídica. Protegido constitucionalmente, este regimento está atrelado à imutabilidade e indiscutibilidade das decisões de mérito proferidas pelos juizados municipais, estaduais e federais, conferindo estabilidade às relações jurídicas.

No âmbito tributário, a manutenção da segurança jurídica é ainda mais essencial, uma vez que o contribuinte depende de um cenário estável para o cumprimento de suas obrigações fiscais de maneira adequada e eficiente. E nesse sentido, não é segredo que a legislação tributária passa longe de promover segurança aos contribuintes brasileiros.

Uma legislação tributária complexa gera, por si só, um sentimento generalizado de insegurança jurídica. A dificuldade de compreensão acarreta grande volume de processos judiciais e administrativos, frequentemente incentivados pelo próprio Poder Público que, igualmente desorientado pela vasta quantidade de normas e regras tributárias, não consegue atender às demandas de forma eficaz.

Trazidas estas discussões acerca do princípio da segurança jurídica, torna-se ainda mais claro o problema ocasionado pelo processo de relativização da coisa julgada em julgamentos como dos Recursos Extraordinários 949.927/CE e 955.227/BA.

O próprio conflito de princípios foi expresso nos votos dos ministros, quando se aventou que o contribuinte que não pagou tributo com base na decisão que declarou inconstitucionalidade inicialmente obteve uma vantagem sobre o contribuinte que não obteve decisão semelhante posteriormente, o que fere os princípios da isonomia tributária e da livre concorrência.

Neste contexto, a decisão foi determinar a retroatividade da cobrança da CSLL até o ano de 2007. Em outras palavras, os contribuintes que se basearam em uma sentença favorável, transitada em julgado com a consequente formação da coisa julgada, além de perderem o direito já obtido, serão obrigados a pagar o tributo desde a data do acórdão do STF que tornou o imposto constitucional.

Algo um tanto incompreensível, se consideramos que, quando adquirido o direito ao não-recolhimento pelo contribuinte, a Suprema Corte sequer adotava a automaticidade da extinção da coisa julgada quando mudado o entendimento.

Como resultado prático, o contribuinte terá de arcar com a ineficiência e as constantes reformas de entendimento dos Tribunais Superiores, como se fosse atribuída a ele a “culpa” em confiar na coisa julgada, quando o papel principal do instituto jurídico deveria ser, justamente, tornar a sentença indiscutível a imutável.

A relativização da coisa julgada nestes julgamentos empreendeu, portanto, uma profunda insegurança jurídica para os contribuintes. A isonomia é um princípio reconhecido, mas sua aplicação deveria ser equilibrada com o princípio da segurança jurídica, porque este também é previsto constitucionalmente.

Breno Guimarães é advogado da área de Direito Tributário do Barcellos Tucunduva Advogados

@blogdojamildo