Sem incentivos fiscais, o que será feito do Porto Digital?

A Reforma Tributária acaba com ICMS e ISS e cria Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), mudando a forma como as empresas do Porto Digital são tributadas

Jamildo Melo

por Jamildo Melo

Publicado em 17/06/2025, às 08h02 - Atualizado às 08h33

Especialista explica que empresas do Porto Digital pode ser bastante afetado pela reforma tributária - Internet
Especialista explica que empresas do Porto Digital pode ser bastante afetado pela reforma tributária - Internet

Em um artigo exclusivo para o site Jamildo.com, a professora Rosa Freitas, especialista em tributos, explica que o Porto Digital vai passar por um grande desafio com o fim dos incentivos fiscais sobre o ISS. As empresas de tecnologia terão que pagar impostos mais altos e buscar novas formas de se manterem competitivas.

Apesar disso, há alternativas que podem ajudar o parque tecnológico a continuar crescendo, como incentivos em infraestrutura e outros impostos municipais. Veja os termos abaixo

Porto Digital, Incentivos Fiscais e os Desafios da Reforma Tributária: Breve Análise da LC n.º 214/2025

1. Origem

O Porto Digital foi idealizado entre 1999 e 2000, resultado de uma articulação entre o Governo de Pernambuco, universidades (principalmente a UFPE) e o setor empresarial. O objetivo era criar um polo de tecnologia e inovação para promover o desenvolvimento econômico, a geração de emprego e renda.

O modelo de gestão ficou a cargo do Núcleo de Gestão do Porto Digital (NGPD), uma organização social criada para gerir o parque tecnológico. Lançado oficialmente em 2000, no bairro do Recife Antigo, o projeto inicialmente contou com investimentos públicos e privados, com apoio da Finep, do governo estadual e da iniciativa privada. A primeira fase incluiu a recuperação de prédios históricos e a implantação de infraestrutura de telecomunicações (fibra ótica e rede de dutos).

2. As leis municipais e estaduais de incentivo

A primeira legislação de incentivo foi a Lei n.º 16.731/2001, que concedeu apoio financeiro a pequenas empresas de TI que se estabelecessem no Recife Antigo, fomentando a recuperação de imóveis históricos. Em 2004, foi aprovada a Lei n.º 17.050/2004, que instituiu a redução da alíquota do ISS para 2% para empresas de tecnologia da informação (TI) no Recife Antigo. A Lei n.º 17.244/2006 consolidou os incentivos fiscais para empresas de TI e manteve a redução do ISS para 2%.

A Lei n.º 17.762/2011 expandiu o benefício fiscal para o bairro de Santo Amaro e incluiu atividades da Economia Criativa. Ao longo dos anos, outras leis consolidaram e expandiram esses incentivos, como a Lei n.º 17.942/2013, que ampliou ainda mais a área de abrangência e reforçou o apoio à Economia Criativa.

Com o tempo, a área legal do Porto Digital se expandiu e passou a incluir também os bairros da Boa Vista, Santo Antônio e São José no perímetro de incentivos, mantendo o ISS em 2%. O Decreto Municipal n.º 35.290/2022 regulamentou os benefícios e criou o Comitê Municipal de Apoio ao Porto Digital, responsável por analisar as habilitações das empresas.

Além das leis municipais, o Governo de Pernambuco apoiou o Porto Digital com investimentos diretos (como os R$ 33 milhões iniciais) e com parcerias com instituições como a Finep e a Sudene. O Estado também facilitou o acesso a linhas de crédito e participou da articulação com programas federais, como a Lei de Informática Federal, que oferece incentivos fiscais a empresas de tecnologia.

3. Como fica a partir da Reforma Tributária?

As mudanças promovidas pela Emenda Constitucional n.º 132/2023 introduziram uma nova sistemática de tributação sobre o consumo no Brasil. Com a criação do Art. 156-A na Constituição Federal, o ICMS e o ISS estão em processo de extinção, dando lugar a um novo tributo: o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Essa nova modalidade de tributação representa uma mudança profunda para os segmentos de comércio e serviço.

A primeira questão é que, em homenagem ao princípio da neutralidade tributária e supostamente com a finalidade de acabar com a guerra fiscal, introduziu-se o proibitivo de que os estados e municípios adotassem políticas de incentivo através do IBS, aceitando somente os redutores de alíquotas contemplados pela LC n.º 214/2025.

Somente terão redução de alíquotas os casos previstos na LC n.º 214/2025, que estabelece as hipóteses de isenção e os redutores de alíquotas (que podem ser de 100%, 80%, 70%, 60%, 40% e 30%). É importante frisar que apenas os benefícios contemplados nos casos previstos na referida lei complementar serão válidos. Outro ponto relevante é que a nova sistemática de tributação contempla a tributação no destino, não mais na origem, como ocorre atualmente.

Além do IBS, que substituirá o ICMS e o ISS, ainda teremos a Contribuição de Bens e Serviços (CBS), que substituirá o PIS/COFINS. O Brasil, conforme a transição que se inicia em 2026, será um dos poucos países do mundo com o IVA Dual.

Com a proibição de estados e municípios concederem incentivos fiscais por renúncia de receita de ICMS e ISS, os projetos de desenvolvimento regionais deverão passar necessariamente pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR), como macropolítica econômica.

Os benefícios fiscais centrados nos impostos sobre o consumo deixarão de existir. Para as empresas que tenham benefícios fiscais relativos ao ICMS que ultrapassem o ano calendário de 2033, será possível habilitar seus créditos junto ao Fundo de Compensação dos Benefícios Fiscais, criado pela EC n.º 132/2023. Já os benefícios do ISS têm data marcada para se despedir: 31 de dezembro de 2032, sem que haja qualquer hipótese de compensação.

4. Como se dará a tributação das atividades de informática?

Os serviços de informática são contemplados unicamente nas seguintes hipóteses, conforme a LC n.º 214/2025:

Art. 142. Ficam reduzidas em 60% (sessenta por cento) as alíquotas do IBS e da CBS sobre: I - fornecimento à administração pública direta, autarquias e fundações públicas dos serviços e dos bens relativos à soberania e à segurança nacional, à segurança da informação e à segurança cibernética relacionados no Anexo XI desta Lei Complementar, com a especificação das respectivas classificações da NBS e da NCM/SH; e II - operações e prestações de serviços de segurança da informação e segurança cibernética desenvolvidos por sociedade que tenha sócio brasileiro com o mínimo de 20% (vinte por cento) do seu capital social, relacionados no Anexo XI desta Lei Complementar, com a especificação das respectivas classificações da NBS e da NCM/SH.

Deve-se observar que a Nomenclatura Brasileira de Serviços (NBS) prevista no Anexo XI da LC n.º 214/2025 contempla as atividades do Capítulo XV da Nomenclatura Brasileira de Serviços, Intangíveis e Outras Operações que Produzam Variações no Patrimônio (NBS) Versão 2.0. Esses serviços terão o redutor de alíquota, mas é crucial notar que não são todos os serviços de informática, e sim apenas aqueles contemplados na referida norma. Mesmo assim, os valores serão muito mais altos do que os atuais 2% de tributação.

A meta da Secretaria Extraordinária para a Reforma Tributária é que a alíquota fique em torno de 28%. Se aplicarmos o redutor de 60% sobre esse percentual, ainda teremos uma alíquota de 11,2%. A vantagem comparativa que teremos na LC n.º 214/2025 é que todos os bens e serviços adquiridos na cadeia de suprimentos e fornecedores podem ser abatidos do valor final dos tributos, em homenagem ao princípio da não cumulatividade.

Outro ponto alto da Reforma Tributária é a possibilidade de que os programas de TICs desenvolvidos sob medida para as empresas tenham o IBS/CBS pagos abatidos no imposto final do adquirente. Nesses casos, poderá haver um incentivo para que os serviços hoje tributados pela LC n.º 116/2003, que não aceitam qualquer tipo de abatimento, possam ser beneficiados com a reforma. O ponto negativo é que a Reforma favorece o processo de "pejotização", que já é uma realidade no segmento volátil dos trabalhadores da área.

Outra hipótese que pode ser utilizada na área legal do Porto Digital são os benefícios para áreas históricas de recuperação urbanística, previstos nos arts. 158 e seguintes da LC n.º 214/2025.

Conclui-se que:

• A dinâmica de serviços hoje existente no Porto Digital deverá se reorganizar para a Reforma Tributária, compreendendo que será impossível manter o valor de 2% da alíquota atual.

• Estados e municípios precisarão desenvolver outros meios de incentivos locais, não mais atrelados à sistemática de tributação sobre o consumo, como infraestrutura, transporte e serviços públicos.

• Os benefícios fiscais poderão se dar em outros tributos, como IPTU e ITBI, além de taxas, como a TLP.

• Poderá ser esperada uma alíquota superior a 11% no somatório da alíquota do IBS – Estadual, IBS – Municipal e CBS, aplicando-se a redutora de 60%;

• Os impostos incidentes ao longo da cadeia poderão ser reduzidos ao final.

• As empresas poderão abater o IBS/CBS das aquisições de bens e serviços de informática, o que favorecerá o desenvolvimento de modelos personalizados.

• Infelizmente, os profissionais de TI verão suas atividades ainda mais empurradas para a informalidade.

Rosa Freitas é Doutora em Direito, advogada, sertaneja, poetisa e autora de artigos e livros jurídicos, dentre eles "A reforma tributária e seus impactos nos Municípios" e "Gestão Municipal de Resíduos Sólidos" pela Editora Igeduc.