Brasil perdeu R$ 5,5 bi com sonegação até maio; PE, referência no combate, também é alvo do crime organizado, aponta Instituto Combustível Legal
por Ana Luiza Melo
Publicado em 03/06/2025, às 09h55 - Atualizado às 14h02
Pernambuco tem 11 postos de combustíveis sob suspeita de ligação com organizações criminosas, segundo levantamento do Instituto Combustível Legal (ICL). A informação faz parte de um panorama alarmante: só até maio deste ano, o Brasil já perdeu R$5,5 bilhões em arrecadação tributária devido a fraudes no setor.
Dados do instituto apontam um prejuízo total de R$29 bilhões só em 2024, considerando tanto a sonegação fiscal quanto as fraudes operacionais.
Para o presidente do ICL, Emerson Kapaz, esse cenário é reflexo de um sistema permissivo com sonegadores reincidentes. Ele explica que, embora seja difícil estimar o rombo por estado, o problema atinge o país como um todo.
"É difícil fazer um mapeamento exato estado por estado, mas temos um cálculo geral do setor. A estimativa anual de sonegação chega a R$14 bilhões, e já acumulamos R$5,5 bilhões até maio", lamenta Kapaz.
Além da sonegação, há outros R$15 bilhões em fraudes operacionais, incluindo adulteração de combustíveis, pirataria e bombas manipuladas.
Em levantamento do ICL, Pernambuco aparece com uma dívida estadual ativa de R$ 1.447.071.600,79, o que representa R$ 1,4 bilhão no total e corresponde a 1,23% da dívida ativa total dos estados brasileiros. Apesar de não figurar entre os maiores devedores, o estado tem uma participação significativa entre os valores intermediários.
No ranking nacional, Pernambuco está à frente de estados como Alagoas, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul. A dívida total acumulada por todos os estados soma R$ 117,3 bilhões, com destaque para os grandes devedores como Rio de Janeiro (R$ 44,8 bilhões – 38,21%) e São Paulo (R$ 40,5 bilhões – 34,57%), que juntos concentram mais de 70% da dívida ativa estadual do país.
Dois projetos de lei em tramitação no Senado Federal podem mudar o cenário. Segundo Kapaz, os PLs 164/2022 e 125/2022 têm potencial para estancar a dívida ativa e coibir a atuação de empresas criadas para fraudar o sistema.
O primeiro trata especificamente do devedor contumaz, enquanto o segundo é mais abrangente e inclui esse tema dentro da relação entre contribuinte e fisco. Kapaz detalha como funcionaria:
"São essas empresas sonegadoras, inadimplentes, que criam CNPJ para sonegar. Elas vão ser caracterizadas como devedores contumazes e aí não conseguem operar sem que a Receita crie um regime especial para a operação delas. [...] Não tem como faturar se não recolher o tributo."
Já Carlo Faccio, diretor do ICL, ressalta que o pacote de medidas também propõe a criminalização da prática.
"O fato de você ser caracterizado, tipificado como um devedor contumaz, caracterizaria um crime." Segundo ele, a manobra comum hoje — em que empresas acumulam débitos e depois desaparecem — deixaria de ser possível.
"O índice de recuperação desse tipo de sonegação e inadimplência beira na ordem de 1% hoje em dia, ou seja, é uma alegria para quem pratica essa irregularidade. O ICL é totalmente favorável a qualquer ação que possibilita mais controle, ao mesmo tempo que consiga garantir a recuperação desses ativos", reforça Faccio.
Apesar das dificuldades, Pernambuco se destaca como um dos estados mais ativos no combate à sonegação. De acordo com os representantes do Instituto, a Secretaria da Fazenda de Pernambuco atua de forma articulada com a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e a Receita Federal, integrando um grupo de 15 estados que compartilham dados para cruzamento de informações fiscais e operacionais. Além de Pernambuco, colaboram com os Órgãos Federais Acre, Bahia, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Pará, Piaui, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Roraima, Rondônia, Sergipe, Tocantins e Distrito Federal.
Faccio valoriza a atuação pernambucana. "Pernambuco é um estado motivador de mudanças do ponto de vista de ação junto à Secretaria da Fazenda. [...] A ponto, inclusive, de fazer propostas e análises que são feitas dentro da Secretaria da Fazenda, motivando outros estados."
Ao mesmo tempo, o estado está na mira de práticas fraudulentas, como a entrada de nafta pelo Porto do Recife — revendida como gasolina — e o uso de distribuidoras de fachada que emitem notas fiscais sem recolher impostos.
Os representantes do ICL alertam ainda para uma nova estratégia usada por fraudadores que é a instalação de mini refinarias, que operam com menor custo e pouca fiscalização. Carlo Faccio explica:
"Essas alternativas criativas, inicialmente, eram formuladoras que partiam do pressuposto de produzir gasolina e diesel para vendê-los como produtos normais. [...] Entretanto, essas formuladoras tinham um propósito muito claro: comprar o produto e não pagar o tributo. Então isso é uma preocupação que agora nos acende uma luz vermelha, porque nós não estamos mais falando de um problema que afeta e prejudica o consumidor na ponta assim de forma direta. Nós estamos falando de uma coisa que afeta toda a sociedade”.
De acordo com o Instituto, recentemente, uma dessas refinarias foi autorizada na Bahia, e outras estão sendo estudadas no Rio Grande do Norte e Espírito Santo — todas com potencial de afetar Pernambuco. A empresa por trás da refinaria baiana já deve R$ 25 bilhões aos estados de São Paulo e Rio de Janeiro.
Embora estados como Bahia e Rio Grande do Norte apresentem maior infiltração de grupos criminosos no setor, de acordo com Faccio, Pernambuco tem uma presença menos expressiva de crime organizado em comparação a outras regiões brasileiras.
"O crime organizado não é tão forte no setor de combustíveis em Pernambuco. São poucos os postos classificados nessa categoria, com 11 sob suspeita. Na Bahia, esse número sobe para 103, e no Rio Grande do Norte, para 88", afirma.
As fraudes também atingem diretamente o bolso do consumidor. Segundo o ICL, bombas com chips adulterados são hoje mais comuns do que a própria adulteração de combustível. Kapaz alerta:
"Existem bombas fraudadas, equipadas com um chip que manipula a medição. Em vez dos 40 litros que deveriam ser abastecidos, o registro pode mostrar valores como 35, 34 ou 38 litros."
Há ainda casos de gasolina adulterada com etanol acima do permitido — em alguns testes, o índice chegou a 80%. Quando o carro é flex, muitos motoristas nem percebem.
"O maior risco, porém, está na adição de metanol: ela pode causar um grande prejuízo, chegando ao ponto de exigir a troca do motor. Se houver metanol misturado à gasolina, a deterioração do motor será severa", explica.
Diante de tantas armadilhas, o instituto recomenda atenção redobrada. "Não entrar em ofertas miraculosas. Não é possível encontrar um posto com uma diferença de R$ 1 em relação à média dos preços que as pessoas têm em mente sobre o custo da gasolina. [...] No setor, não há margem para isso, especialmente para aqueles que recolhem seus tributos", diz Kapaz.
Carlo Faccio também destaca que existem canais de denúncia para reividicar direitos. "O cupom fiscal com informações do CNPJ do posto de combustíveis é essencial para que, em caso de prejuízo com o veículo, seja possível comprovar o abastecimento no local".
Pernambuco, por sua forte presença no setor sucroalcooleiro, desempenha um papel fundamental na discussão da monofasia do etanol, sistema que visa facilitar o controle fiscal e evitar fraudes ao concentrar o recolhimento de impostos na origem.
Esse modelo de tributação garante que tributos como PIS/Cofins sejam pagos diretamente pelos produtores ou importadores, eliminando a necessidade de cobrança em cada etapa da distribuição.
"O estado de Pernambuco tem sido um aliado importante na questão da monofasia do etanol. Tem defendido ao nosso lado a questão da alíquota e a implementação da monofasia no etanol.", afirma Kapaz.
Além de simplificar a tributação, a monofasia do etanol tem potencial para reduzir a evasão fiscal e tornar o setor mais competitivo em relação a outros combustíveis. O modelo também dificulta práticas fraudulentas e a criação de CNPJs destinados apenas à sonegação, garantindo maior transparência no mercado.