Da deposição de D. Pedro II, por militares, em 1889, à tentativa golpista liderada por Bolsonaro, em 2023, foram 15 golpes e contragolpes
por Plantão Jamildo.com
Publicado em 20/09/2025, às 11h07
A condenação de Jair Bolsonaro e seus cúmplices pelo crime de tentativa de golpe de Estado acendeu uma lamparina no caminho, ainda penumbroso, da democracia no Brasil. Uma lamparina – não um holofote a iluminar estrada segura e larga rumo ao futuro. A direita na Câmara dos Deputados não demorou em deixar isso evidente.
Em 48 horas, liderada pela bancada bolsonarista, derrotou por ampla margem de votos a coligação governista de esquerda, aprovando dois projetos que afrontam a democracia: o impedimento de parlamentares serem processados sem o aval antecipado do Congresso e a urgência para a votação de projeto de anistia aos condenados pelo golpe.
Os dois projetos são tidos como inconstitucionais. O Senado, por meio de lideranças, já afirmou que vai barrá-los. O Supremo Tribunal Federal (STF), em declarações de ministros, reforçou que ferem artigos da Constituição.
Mesmo assim, o debate parlamentar avança e, com ele, o impasse. Manejando o regimento, o Senado pode estender a apreciação do aval prévio – a chamada PEC (Proposta de Emenda Constitucional) da Blindagem – até o fim do ano. E a “anistia ampla geral e irrestrita” como querem os bolsonaristas, livrando o ex-presidente da cadeia, não passa sequer na Câmara dos Deputados.
Convoquem-se as felpudas raposas políticas, portanto. A PEC da Blindagem, também chamada de PEC da Impunidade, de tão escandalosa é dada como morta. O projeto da anistia, entretanto, continua vivo, com potencial para interferir na eleição presidencial do próximo ano.
A direita mais radical não recua de sua natureza “ampla, geral e irrestrita”, o que possibilitaria até a candidatura presidencial de Bolsonaro. Isso é inadmissível para a base governista e ministros do STF. O centro e uma “direita moderada” admitem alguma anistia para o ex-presidente – mas não o querem como candidato, o que, na visão deles, representaria uma derrota certa.
A solução que se desenha para superar o impasse não é mais uma anistia, porém redução das penas dos golpistas condenados, entre eles Bolsonaro e seus cúmplices fardados e civis. O projeto, denominado de nova dosimetria, deve ser apreciado pelos deputados federais a partir desta semana (22 a 26). Teria condições de ser aprovado, mesmo sob forte oposição dos bolsonaristas.
A reação pode travar a tramitação de projetos de grande interesse do governo de Luiz Inácio Lula da Silva: isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil reais mensais; ampliação do fornecimento gratuito de energia elétrica para 16 milhões de pessoas; e a PEC sobre integração do Sistema Nacional de Segurança Pública.
Todas as iniciativas são justificáveis e necessárias para os brasileiros, principalmente os mais pobres. Porém, ao mesmo tempo, carrearão milhões de votos para o governo Lula, em um período pré-eleitoral. O debate e a votação desses projetos podem levar a graves confrontos entre a direita e a esquerda no Congresso. Dias turbulentos virão, efervescidos agora pelos dois objetivos políticos principais da direita: a anistia de Bolsonaro e a paralisação do governo, neste caso com a contribuição de Donald Trump.
As crises enfrentadas pelo Brasil, algumas de origem externa, serão creditadas – como estão sendo – à “incompetência de Lula”; para a concessão da anistia vai se recorrer ao sovado argumento da “pacificação nacional”. Melhor dizendo: recorre-se ao esquecimento, não à obrigatória punição dos golpistas.
Com 70 anos, problemas constantes de saúde, Bolsonaro arrisca o que lhe resta para influir na disputa pelo poder.
Anistias políticas não são raras na história republicana do Brasil. Da deposição de D. Pedro II, por militares, em 1889, à tentativa golpista liderada por Bolsonaro, em 2023, foram 15 golpes e contragolpes. Todos que fracassaram tiveram seus líderes anistiados, principalmente os militares, a grande maioria. Alerta o historiador Carlos Fico, estudioso de regimes ditatoriais no País: “Em determinadas contingências, a anistia é aceitável.
Todavia o perdão reiterado só gerou impunidade e autorizou as mesmas pessoas a praticarem novos golpes”. Carlos Fico cita, entre outros exemplos, a anistia dada, em 1956, pelo presidente Juscelino Kubistchek a oficiais da Aeronáutica que tentaram derrubá-lo. Quatro anos depois, já então anistiados, os mesmos oficiais tentaram novamente derrubá-lo. Jair Bolsonaro seria outro exemplo. Defensor do golpe de 1964, planejou outro golpe em 2023.
Não há, nos horizontes de hoje, sinais de volta aos porões, embora seja neste meio ambiente infecto onde se cevam muitos que gravitam em torno do ex-presidente. A impossibilidade de um novo golpe, da aprovação da anistia “ampla geral e irrestrita” e do enfraquecimento de Bolsonaro pode levar a uma saída de conciliação, que contaria com o apoio dos bolsonaristas a uma candidatura de direita, desde que apadrinhada pelo ex-presidente.
É nessa brecha que tenta se infiltrar o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, militar, ex-ministro de Bolsonaro, administrador bem avaliado, com bons contatos com o empresariado. Freitas tem um grande problema pela frente: decidir, até abril de 2026, prazo final de sua desincompatibilização do governo, se fica ou sai para disputar a Presidência da República.
E se, até lá, Bolsonaro não tiver tomado a decisão de apoiá-lo? E qual seria a reação dos influentes filhos do ex-presidente que chamaram até de “ratos” os governadores – Freitas inclusive - que se articulam para a sucessão presidencial enquanto o pai do clã amarga prisão domiciliar?
Dias turbulentos virão no Congresso, no governo, na oposição, na universidade, no trabalho, nas ruas e nas famílias. Sempre foi assim, desde que os homens aprenderam a debater e a reconhecer vencedores e vencidos. Aprenderam também que, nas disputas políticas os vencedores governam e os vencidos esperam a próxima eleição para tentar vencer e governar. Não planejam golpes e até mesmo assassinar os vencedores, como o fez a quadrilha de Jair Bolsonaro.
Aliás, dê-se o ex-presidente como um homem de sorte. Se sua condenação a 27 anos e três meses tivesse acontecido nos Estados Unidos, sua punição seria a prisão perpétua. É assim que os vassalos do imperador Donald Trump tratam os golpistas.