Ricardo Leitão: Um dia para ficar na História

Segundo a PF, os oito réus planejaram o assassinato do presidente Lula, do vice Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes, do STF

Plantão Jamildo.com

por Plantão Jamildo.com

Publicado em 02/09/2025, às 10h07

Julgamento de Jair Bolsonaro no STF - DIVULGAÇÃO/ STF/ Tom Molina
Julgamento de Jair Bolsonaro no STF - DIVULGAÇÃO/ STF/ Tom Molina

Por Ricardo Leitão, em artigo especial para o site Jamildo.com

Hoje, 2 de setembro de 2025, um ex-presidente da República, ex-ministros e generais de quatro estrelas começam a ser julgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por cinco crimes, entre eles tentativa de golpe de Estado. Nunca houve nada igual na história política do Brasil, desde o golpe da Proclamação da República, em 1889, que derrubou e exilou o imperador Pedro II. O julgamento deve se estender até o próximo dia 12. Ao fim, o ex-presidente Jair Bolsonaro – líder da trama golpista – e sete outros réus poderão ser condenados a mais de 40 anos de prisão, algo também inédito nos 136 anos de experiência republicana no País.

Do início da República até o fim da ditadura militar, em 1985, a história do Brasil foi a história de golpes, contragolpes, intervenções militares, rupturas ou tentativas de rupturas da legalidade constitucional. Um corte cronológico dos últimos 100 anos é bem demonstrativo: tentativas de golpes do movimento tenentista em 1922 e 1924; a revolução de 30; a revolução constitucionalista de São Paulo em 1932; a Intentona Comunista de 1935; o golpe do Estado Novo em 1937 e a destituição de Getúlio Vargas em 1945.

A lista continua e inclui o contragolpe do marechal Henrique Lott para assegurar a posse de Juscelino Kubitschek, em 1955, duas rebeliões militares contra JK, em 1956 e1959; o veto dos ministros militares à posse do vice Pedro Aleixo, após a renúncia de Jânio Quadros, em 1961, e o golpe militar de 1964, com a sucessão de atos institucionais; fechamento do Congresso; aposentadoria compulsória de ministros do STF;  censura; prisão, tortura, exílio e assassinato de adversários políticos.

Segundo a Polícia Federal, os oito réus que começam a ser julgados hoje planejaram o assassinato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do vice Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes, do STF. Foram também articuladores da invasão e depredação por bolsonaristas radicais das sedes do Congresso, do Supremo e do Palácio do Planalto, em 3 de janeiro de 2023. E fraudaram um arcabouço jurídico para Bolsonaro retornar ao poder, quando já estava empossado o presidente Lula. Essas acusações da Polícia Federal estão baseadas em provas, documentos, arquivos digitais, depoimentos e cruzamentos de dados.

Jair Bolsonaro e os demais réus pela trama de 2022/2023 podem ser até inocentados na decisão irrecorrível do Supremo Tribunal Federal, embora essa possibilidade seja remota – na avaliação de criminalistas. No entanto, admitindo-se que assim seja, terão  valido os dois anos e meio de investigações, a tensão na política e nas Forças Armadas, a radicalização crescente entre a esquerda e a direita e a descrença da população em uma saída democrática para o Brasil? Como iremos contemplar Bolsonaro, depois de inocentado, se vitimizar em praça pública e se dizer perseguido por seus adversários?

Sim, terá valido. Porque estarão no banco dos réus, expostos à opinião pública, não apenas o ex-presidente, seus ex-ministros e generais de quatro estrelas acusados de atentar contra a democracia. Com eles estarão também sob julgamento os líderes da extrema direita que, mesmo formalmente inocentados pela Justiça, não mais teriam condições de tramar um novo golpe. Bolsonaro continuaria inelegível até 2030, por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e o bolsonarismo rebaixado a movimento eleitoral secundário na campanha presidencial de 2026.

Nesse cenário apostam candidatos da direita não radicais, que constroem pontes com o centro, embora continuem a entoar loas a Jair Bolsonaro e a dizer que se empenham por sua anistia. Disso é exemplo maior o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, que clama não ser candidato à reeleição. Ninguém acredita.

Na reabertura dos trabalhos jurídicos, no fim do mês passado, disse o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF: “Estamos encerrando um ciclo, em que se considerava legítimo e aceitável a quebra da legalidade constitucional por não se gostar de um resultado eleitoral. O que estamos por presenciar (o julgamento) reveste-se de grandeza histórica, numa cultura sempre inclinada às acomodações, ao favoritismo violento e oportunista das elites, à ambiguidade no tratamento das leis, às tergiversações com a defesa de direitos e aos casuísmos que solapam as instituições.

Quem ganha as eleições leva. Quem perde pode tentar ganhar nas eleições seguintes. E quem quer que ganhe precisa respeitar as regras do jogo e os direitos fundamentais de todos. Isso é que é democracia constitucional. Essa é a nossa causa, a nossa fé racional, sinceramente cultivada, que não pode ser negociada”.

Jair Bolsonaro, o bolsonarismo e a extrema direita nunca cultivaram fé nenhuma na democracia. São golpistas, não por terem sido eventualmente assim julgados. Mas por ser o golpismo o princípio de suas ações políticas. Inocentados no julgamento que começa hoje, continuarão golpistas. Para eles, a democracia é apenas um meio de se chegar ao poder e lá permanecer indefinidamente – se necessário, com censura, prisão, exílio e assassinato de adversários.