Ricardo Leitão: O massacre dos invisíveis

Articulista Ricardo Leitão diz que vítimas das guerras em Gaza e Ucrânia, crianças, mulheres e homens reais, não são pessoas invisíveis

Ricardo Leitão | Publicado em 20/08/2025, às 14h05 - Atualizado às 15h00

Maioria dos mortos em Gaza são civis - Divulgação
Maioria dos mortos em Gaza são civis - Divulgação

Por Ricardo Leitão, em artigo especial para o site Jamildo.com

Em dois dias, 15 e 18 deste mês, lideranças mundiais se reuniram nos Estados Unidos para discutir a paz na Ucrânia, invadida há três anos e meio pela Rússia.

A mais importante decisão do encontro é que será necessária uma terceira reunião, com a provável participação dos presidentes da Ucrânia, da Rússia e dos Estados Unidos, para se propor ações concretas e prazos que deem fim à guerra.

Estima-se que 250 mil soldados russos e 150 mil ucranianos já morreram nos combates, os mais sangrentos na Europa desde o fim da Segunda Guerra Mundial.

Dezenas de cidades foram destruídas e há 5 milhões de refugiados ucranianos nos países vizinhos.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o presidente da Rússia, Vladimir Putin, são parceiros nessa tragédia.

Putin exige que 20% do território ucraniano, invadido e controlado pelas tropas russas, seja incorporado imediatamente ao território de seu país.

E que a Ucrânia desista de se integrar à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), que reúne países do leste europeu, aliados contra o expansionismo russo.

Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia, não admite a cessão de nenhuma parte do território invadido e quer garantias de proteção da Otan contra novas investidas de Putin.

Trump pressiona Zelensky para que ceda porque há perspectivas de bons negócios: no território que passaria à Rússia existem grandes reservas de carvão e de minerais estratégicos, que poderiam ser exploradas pelos Estados Unidos mediante acordos pós-guerra com Putin.

Temerosos com os combates em seus quintais, os países europeus tendem a aceitar essa saída.

Em compensação, investiriam pesadamente na reconstrução da Ucrânia destruída pelos bombardeios russos e ofereceriam segurança militar, mesmo à parte da Otan.

Zelesnky ainda não se pronunciou publicamente sobre a proposta. Sabe, porém, que sem as armas e as munições que recebe dos Estados Unidos e dos países europeus não tem condições de resistir por mais tempo a Putin, até ser forçado a tomar uma posição definitiva, talvez na terceira reunião, em data ainda não marcada.

Uma semana antes dos dois encontros de líderes nos Estados Unidos, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, anunciou que as Forças Armadas israelenses irão ocupar militarmente a cidade de Gaza, o maior ajuntamento urbano da homônima Faixa de Gaza.

O objetivo é tomar totalmente o controle da cidade, onde vivem 750 mil palestinos, sob o comando do grupo terrorista Hamas desde 2007.

Na prática, o território já está dominado pelas Forças Armadas de Israel, que operam um bloqueio marítimo, são soberanas no espaço aéreo e filtram tudo que passa pelos postos de fronteira.

No entanto, mesmo desestruturado, o Hamas ainda resiste com focos de guerrilha.

Todo o território, milenarmente sob a posse dos palestinos, tem 365 mil quilômetros quadrados, um quarto da área do município de São Paulo. Sua população é estimada em 2,2 milhões de habitantes, dos quais 1,9 milhão já foram deslocados por ordens de Israel.

O território é bombardeado há 23 meses, em retaliação do governo israelense ao ataque terrorista do Hamas ao kibutz de Nir Oz. Cerca de 1.250 israelenses foram massacrados e um número não confirmado, sequestrado. É possível que haja 50 deles, ou seus corpos, em esconderijos do Hamas em Gaza.

A intensidade e letalidade da retaliação não tem precedentes na longa e sangrenta guerra de Israel contra os palestinos.

Desde 7 de outubro de 2023 – dia do ataque ao kibutz de Nir Oz – morreram em Gaza 61 mil palestinos, entre os quais 50 mil crianças. Outras 320 mil, com menos de 5 anos, correm o risco de desnutrição severa. Em média, 28 delas morrem de inanição a cada dia.

Mais de mil adultos foram assassinados a bala nos tumultos ocorridos na distribuição de comida, em postos gerenciados por Israel. Imagens de mães esquálidas, tentando alimentar filhos com grãos catados no chão, correm o mundo.

Chacina de civis?

Crimes de guerra?

Genocídio?

É um debate que não terá fim, balizado por ideologia, história, cultura, religião e herança social.

Israel argumenta que tem o pleno direito de sobreviver às ameaças do terrorismo do Hamas e outras organizações que desejam sua extinção. Tem força militar e apoio internacional para expulsar os palestinos de Gaza e ocupar o território.

Fará isso quando for conveniente à sua estratégia de segurança, com o apoio – como sempre – dos Estados Unidos. Disso ninguém duvida, muito menos o governo de Netanyahu, subordinado a uma maioria de extrema direita ultrarreligiosa e militarista.

A Guerra de Gaza e suas dezenas de milhares de cadáveres de civis passaram ao largo dos debates das potências nos Estados Unidos. É como se as crianças desnutridas, tentando mamar no peito de mães famintas, fossem invisíveis.

Quando os donos da riqueza do mundo irão se sentar em torno de uma mesa para salvar os palestinos do extermínio? Alguns poderão até comentar que Gaza fica longe de seus olhos, não é a Ucrânia, nos seus quintais. Quantos palestinos morrerão em acampamentos miseráveis ou bombardeados, fuzilados e fugitivos?

Afinal, no trilionário jogo de poder do Oriente Médio, para que servem os palestinos, que nem petróleo têm? Pela mídia, o mundo testemunha, todos os dias, chacina, crimes de guerra e genocídio. A escolha é de cada um. Porém, no fundo, se testemunha também uma absurda desumanidade. Pense no que pode ser feito. Não são pessoas invisíveis; são crianças, mulheres e homens reais.