Com o artigo Segura que o filho é teu, Ricardo Leitão explica risco de Lula naufragar na diplomacia e como China avança na América Latina
por Jamildo Melo
Publicado em 08/08/2024, às 07h43
Por Ricardo Leitão, em artigo especial para o Blog do Jamildo
No dia 1 passado, baseados em projeções estatísticas, os Estados Unidos reconheceram o diplomata Edmundo Gonzáles vencedor da “eleição” presidencial na Venezuela. Candidato da oposição, ele teria derrotado, na votação de 28 de julho, o ditador Nicolás Maduro, há dez anos no poder e candidato a se enraizar por lá indefinidamente.
Com a decisão, os EUA quebraram a unidade de um grupo de países – do qual fazem parte, junto com o México, a Colômbia e o Brasil – que exigem de Maduro a apresentação das atas de votação, o que não foi feito até agora.
Após a nota, o governo de Joe Biden se recolheu a um conveniente retiro diplomático, no que foi seguido pela União Europeia e a Organização dos Estados Americanos (OEA), inicialmente críticas de Maduro, diante da evidente fraude em que se transformou a disputa eleitoral venezuelana.
Reduzida a pressão, o ditador se empenhou em massacrar e prender os oposicionistas nas ruas e em suas residências, sem obrigação de prestar contas a ninguém, como se a Venezuela, com seu histórico de golpes e quarteladas, fosse um caso perdido.
Os Estados Unidos, aparentemente, não pensam assim, embora Maduro esteja no fim da lista de prioridades do país. Nela, ocupa a primeira posição a disputa entre Donald Trump e Kamala Harris, tendo na cola a invasão da Ucrânia pela Rússia e o massacre dos palestinos pelos israelenses na Faixa de Gaza, que pode ser o estopim de uma nova guerra no Oriente Médio.
Maduro só ascenderá na lista de Biden caso vença a crise em curso, consolide a ditadura e estreite a aliança estratégica com a China. A depender da China, a aliança, mais do que atada, será soldada.
Em setembro de 2023, Maduro assinou com os chineses o Tratado de Parceria Sob Todas as Condições, um mix gigantesco de projetos comuns que inclui até a participação da Venezuela no programa espacial chinês.
O país asiático já é o segundo maior importador do petróleo venezuelano, atrás apenas dos Estados Unidos, que deverão perder a liderança com as novas restrições comerciais contra Maduro.
Os chineses emprestaram 50 bilhões de dólares aos venezuelanos, a serem suavemente amortizados com barris de petróleo. Nunca houve uma operação comercial dessa dimensão com os Estados Unidos, nem com o Brasil, parceiro de poucos milhões de dólares com a Venezuela.
Dessa forma, o avanço da China, no esforço de buscar mais espaço na América do Sul, acende uma luz de alerta: nos Estados Unidos, para a presença, em sua vizinhança, de um oponente global; no Brasil, com o risco de o país perder força política na América Latina pela poderosa entrada da China no jogo dos interesses regionais.
Entre as grandes potências, a China foi a primeira a reconhecer a vitória de Nicolás Maduro, independentemente da contagem dos votos e do número crescente de vítimas da repressão.
Pelos últimos levantamentos, já são 25 mortos, mais de 2 mil prisioneiros e cerca de uma centena de asilados em embaixadas.
Edmundo Gonzáles e a líder da oposição Maria Corina Machado, permanecem escondidos, depois de ameaçados de morte pelas gangues paramilitares do ditador. Maduro controla os simulacros de Legislativo e de Judiciário; as Forças Armadas e o Conselho Nacional Eleitoral; e censura os meios de comunicação.
Nos governos dos estados, na direção das empresas estatais e na burocracia não há o mínimo espaço para a oposição. Mesmo diante da fraude, dos ataques aos direitos humanos e da violência desmedida, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não detectou “nada de anormal”.
A miopia dividiu a sua base e a esquerda. Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, nome do primeiro escalão mais respeitado no exterior, disse publicamente que “não há democracia na Venezuela”. Foi acompanhada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), legenda do vice-presidente Geraldo Alckmin.
No Congresso, criticaram Maduro o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, o líder do governo Randolfe Rodrigues, o vice-líder Reginaldo Lopes e os senadores Paulo Paim e Fabiano Contarato, dois dos nomes mais respeitados no legislativo brasileiro.
Entre os aliados de Lula, apenas o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) reconheceu a vitória de Maduro, posição também assumida pelo Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST).
Coube à Comissão Executiva do PT o arremate, definindo o pleito venezuelano como “pacífico, democrático e soberano”. Duelos de opiniões e notas oficiais não vão resgatar a Venezuela da grande crise em que foi afundada por Nicolás Maduro. Contudo, é preciso agir rápido.
A ditadura não vai apresentar as atas da votação e manterá a repressão aos oposicionistas, alheia aos protestos internacionais. Procedeu assim em outros episódios, quando entendeu que as manifestações tinham passado dos limites que determinara. Saídas? É quando os olhares se voltam para Lula.
O presidente mantém abertas as portas de diálogo com Maduro. Seu assessor, Celso Amorim, foi o único a ser recebido pelo ditador, após a “eleição”. A questão é definir o que prioritariamente deve ser feito, na tentativa de se chegar a um acordo entre Maduro e a oposição.
O ditador não abrirá mão de sua “terceira vitória sucessiva” e se vale do apoio sólido das Forças Armadas para impor seu arbítrio. A oposição tenta controlar as ruas, porém não tem armas nem condições de enfrentar os tanques do Exército. Sua esperança ainda está no Brasil e nas boas relações que Lula sempre cultivou com Maduro e seu antecessor, Hugo Chávez.
Talvez seja esse o maior desafio enfrentado pelo presidente brasileiro em suas incursões diplomáticas, depois das tentativas frustradas na guerra de Israel contra a Palestina e na invasão da Ucrânia pela Rússia. Um novo fracasso na Venezuela pode significar perda de prestígio internacional e de peso político na América Latina, uma região na qual o Brasil pretende manter sua liderança.
No entanto, como ensinam os pajés dos Andes, nada é tão ruim que não possa piorar. No caso, seria Maduro se fechar a qualquer tipo de diálogo, arrasar a oposição e invadir a vizinha Guiana – como já disse que faria. Mesmo assim, apesar dos vaticínios dos pajés, sejamos otimistas: no limite do risco de uma conflagração tropical, Nicolás Maduro pediria tempo para consultas.
Convocaria então seu antecessor, Hugo Chaves, morto em 2013, que mais uma vez compareceria travestido de passarinho. Saltitante, pousaria no ombro do ditador e, aos murmúrios, o orientaria quanto a medidas estratégicas. Maduro sustenta que os conselhos do Chávez- passarinho sempre funcionam. Assim como os de Tango, o cachorro interlocutor de Javier “El loco” Milei, em momentos cruciais da conturbada Argentina.
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