Inácio Feitosa, do Instituto Confraria da Educação, diz que escola precisa assumir papel como promotora da justiça social e respeito à diversidade
Inácio Feitosa | Publicado em 26/03/2025, às 09h24 - Atualizado às 09h49
Por Inácio Feitosa, em artigo para o site Jamildo.com
A escola brasileira é um dos principais espaços de disputa social, cultural e política. Muito além do ensino de disciplinas tradicionais, o ambiente escolar deve promover a construção da cidadania, o respeito à diversidade e o reconhecimento das diferentes identidades que compõem a sociedade.
Apesar dos avanços legislativos, como a Lei 11.645/2008, que alterou o artigo 26-A da LDB para tornar obrigatória a inclusão da história e cultura afro-brasileira e indígena no currículo, a prática educacional ainda está longe de refletir esses compromissos.
A Lei 11.645/2008 representa uma importante conquista na luta por uma educação mais inclusiva e antirracista. Ao lado da anterior Lei 10.639/2003, ela visa corrigir séculos de apagamento e invisibilidade dos povos indígenas e afrodescendentes na narrativa histórica do Brasil.
No entanto, o cumprimento dessa legislação esbarra em inúmeros obstáculos: falta de formação adequada para docentes, ausência de materiais didáticos específicos, resistência por parte de gestores escolares e omissão dos órgãos públicos responsáveis pela fiscalização e implementação.
A professora Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, uma das principais vozes na formulação das diretrizes dessa política, já alertava que o cumprimento da lei depende, na maioria das vezes, da iniciativa individual de professores e não de um planejamento institucional coerente.
Em entrevista, ela destacou a raridade de se ver esses conteúdos nos planos político-pedagógicos das escolas, o que demonstra a fragilidade da política pública voltada à diversidade.
Sem o preparo adequado, professores e coordenadores pedagógicos não conseguem integrar efetivamente os conteúdos da diversidade nos currículos. É urgente investir em formação continuada que trate de temas como racismo estrutural, cultura indígena e afro-brasileira, práticas antidiscriminatórias e direitos humanos.
Além disso, os projetos pedagógicos das escolas devem ser revisados para garantir que esses conteúdos não apareçam apenas em datas comemorativas, mas sejam trabalhados de forma transversal e contínua.
O filósofo italiano Antonio Gramsci defendia que a educação é instrumento para a formação de uma consciência crítica e para a superação da dominação cultural.
Sua ideia de 'intelectual orgânico' coloca o professor como sujeito político, capaz de mediar o saber com a realidade vivida pelos estudantes. Isso é essencial para uma educação que reconheça e valorize as identidades diversas.
Já Edgar Morin propõe uma educação baseada na complexidade, que conecte saberes e enfrente as incertezas do mundo moderno. Para Morin, a fragmentação do conhecimento afasta o estudante da compreensão da realidade. A educação, portanto, precisa integrar cultura, ética e responsabilidade planetária, articulando unidade e diversidade.
Pesquisas como a realizada pela Universidade Estadual do Ceará revelam que, mesmo com o marco legal, a efetivação da educação para a diversidade é limitada.
Faltam políticas públicas que enfrentem as assimetrias de poder e promovam uma abordagem pedagógica contextualizada. O Censo Escolar e o Observatório da Educação revelam que menos de 30% das escolas públicas abordam regularmente conteúdos sobre cultura afro-brasileira e indígena em seu currículo formal.
O Ministério da Educação, em articulação com estados e municípios, deve promover formações contínuas, atualizar os materiais didáticos e garantir fiscalização efetiva. A sociedade civil, movimentos sociais e entidades educacionais também têm um papel decisivo no monitoramento e cobrança da aplicação das leis. A escola precisa assumir seu papel como promotora da justiça social e do respeito à diversidade.
A inclusão da história e cultura afro-brasileira e indígena, bem como de outras dimensões da diversidade humana, não é apenas uma questão de currículo. É um projeto de formação de sujeitos críticos, conscientes e preparados para conviver em uma sociedade plural. Gramsci e Morin nos ensinam que a educação transforma — mas só se ela mesma estiver disposta a se transformar. Que o Brasil não perca mais tempo entre a lei e a omissão.
Inácio Feitosa é advogado, presidente do Instituto Confraria da Educação (ICE) e Diretor-Geral da Editora da OAB