STF media impasse entre Congresso e Planalto sobre aumento do IOF, revelando fragilidade do diálogo político e a polarização: dá tempo de melhorar?
Ricardo Leitão | Publicado em 08/07/2025, às 14h25 - Atualizado às 14h38
Por Ricardo Leitão, em texto especial para o site Jamildo.com
A crise entre o Governo e o Congresso, provocada pela elevação do Imposto sobre Transações Financeiras (IOF), conta agora com a participação de um poder moderador – o Supremo Tribunal Federal (STF). A Constituição, ressalte-se, não prevê tal atribuição para a maior Corte do país.
Sexta-feira passada (4), o ministro Alexandre de Moraes designou uma audiência de conciliação, no próximo dia 15, quando os presidentes da República, do Senado e da Câmara dos Deputados, junto com o Procurador-Geral da República e o Advogado -Geral da União, irão buscar uma solução para um impasse que se arrasta há mais de um mês: é ou não atribuição exclusiva do Governo aumentar as alíquotas do IOF?
Senado e Câmara dos Deputados, por larga maioria de votos, decidiram que não e derrubaram o decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que fixava o aumento. O Governo recorreu ao STF, arguindo a constitucionalidade da decisão de Lula e alegando uma frustração de receita de R$ 12 bilhões, sem o aumento do IOF. Como ninguém cedia em suas posições, o ministro Moraes incorporou “o poder moderador.”
O ingresso do STF na crise evidencia dois pontos. O primeiro é o fracasso da política em situações relativamente simples, em comparação com outras, muito mais graves, quando interveio com sucesso. São exemplos a posse de José Sarney depois da morte de Tancredo Neves; os embates da Assembleia Constituinte e os impeachments presidenciais. A política soube então exercer a sua atividade fim, construindo consensos em meio a dissensos.
O segundo ponto evidenciado é a antecipação das articulações da disputa presidencial, que passou a comandar o que se decide em Brasília, do aumento do IOF à nomeação de um chefe de distrito sanitário. A dita indesejável polarização entre a direita e a esquerda finca raízes mais profundas, a 15 meses das urnas presidenciais de 2026, e não se vêem sinais que arrefecerá. E é nessas fontes radicalizadas que as crises – do IOF e outras que virão – se alimentam.
Ninguém de bom senso dirá que isso é bom para o Brasil, que precisa ser pacificado, como insistem todos os discursos provenientes de todas as correntes políticas. Mas também ninguém recua do confronto, quando os adversários avançam em qualquer território, nos debates, no Congresso, nas ruas e na insanidade das redes sociais.
As pesquisas de opinião mostram que a sucessão presidencial ainda não é uma pauta prioritária dos eleitores. Prioridades são emprego, segurança, saúde, educação e alimentos mais baratos. No entanto, esse mundo real não é prioridade na pauta política, cada vez mais de olhos escancarados para o embate do próximo ano.
Não há exceções. Pela direita, marcham Bolsonaro e suas tropas. Inelegível até 2030, por sentença do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ex-presidente tem como primeira aposta a aprovação, pelo Congresso, de projeto de lei que o anistiaria, junto com outros condenados pela tentativa de golpe de Estado em 2023. Os bolsonaristas são força expressiva no Congresso e desde já trabalham pela aprovação do projeto.
Pela esquerda, Lula também se mobiliza.
Com queda nas pesquisas de opinião sobre o desempenho do Governo, o presidente passou a adotar o discurso dos “pobres contra os ricos”, que já usara com sucesso em gestões anteriores. Porém é o inverso da pacificação política e social antes proposta, com o agravante de talvez afastar a classe média – que lhe deu preciosos votos na renhida disputa presidencial de 2022.
Enfrentando seus obstáculos, o fato é que os dois maiores líderes populares do Brasil serão decisivos na disputa presidencial do próximo ano, sendo ou não candidatos. Nenhum nome da direita vai se consolidar sem o apoio de Bolsonaro; nenhum candidato da esquerda vai se lançar sem o endosso de Lula.
Pela direita, é o caso, por exemplo, do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. Para se candidatar, ele precisa se desincompatibilizar do cargo até 4 de abril de 2026. E se, até lá, Bolsonaro não decidir apoiá-lo? Freitas terá coragem de renunciar ao governo de São Paulo, um dos postos mais importantes e poderosos da República, para arriscar uma disputa presidencial?
Pela esquerda, movimenta-se Lula com uma vantagem sobre Bolsonaro: disputar a presidência em 2026 depende exclusivamente dele. No entanto, há uma desvantagem: não tem, por enquanto, uma alternativa como a do ex-presidente no governador de São Paulo. Lula sabe que este não é o seu único obstáculo. O principal é retomar e acelerar o desempenho de seu governo, orientando-o para atender os pobres e setores da classe média, sua base eleitoral histórica.
Dá-se, portanto, um quadro sucessório no qual os adversários de 2022, mesmo não sendo novamente candidatos, mostram-se agora imprescindíveis para os postulantes à direita e à esquerda. É impossível prever o resultado do confronto de forças desse porte. Sendo assim, a providência é se municiar para o enfrentamento.
Apesar do prazo curto até as urnas de 2026, o governo Lula e seus aliados acreditam que dá tempo. O patamar de aprovação média de 40% das ações administrativas da gestão alavancam sua aprovação, com repercussões políticas e eleitorais. E há bons fatos a divulgar: novo consignado para trabalhadores celetistas; elevação da tabela de isenção de imposto de renda de pessoas físicas; aumento do benefício do Bolsa Família; ampliação da isenção da conta de luz para 60 milhões de brasileiros de baixa renda. A boa safra tem segurado a inflação e é positiva a balança comercial, o que ajuda a estabilizar o câmbio. Se não ocorrerem solavancos excepcionais, o País chegará ao final deste ano com um crescimento econômico na casa dos 2%. O desemprego vem caindo mês a mês, embora continue elevado o número de trabalhadores informais. De forma geral, os grandes números seguem favoráveis, à exceção da crise fiscal, que compromete o equilíbrio da economia. Ainda assim, não dá para cravar uma vitória de Lula no próximo ano.
Uma provável condenação e prisão de Jair Bolsonaro, por tentativa de golpe de Estado, adicionariam um poderoso componente nessa equação. O ex-presidente iria se vitimizar, denunciando “perseguição política” e, sendo impossível se candidatar, tentaria transferir para o seu substituto o mesmo discurso. Pode ser ele o governador de São Paulo; sua mulher Michelle ou algum dos filhos. Qual seria a reação da esquerda ao discurso de vitimização que Bolsonaro já ensaia?
Nunca esquecer: o ex-presidente está no jogo e tem cartas para lançar na mesa, a começar por ele mesmo, no caso da aprovação da anistia. Também está no jogo o presidente Lula, entretanto, no momento, só ele é carta da esquerda. Não ficará assim, afirmam os magos das previsões. Contudo, se as posições se consolidarem e não surgir no horizonte a misteriosa “terceira via”, termina se repetindo o clássico direita contra a esquerda de 2022.