Rosa Freitas | Publicado em 27/11/2024, às 12h19
*Por Rosa Freitas, doutora em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e professora universitária
As emendas ao orçamento enfrentaram uma saga até serem reconhecidas como modelos legais e viáveis de atuação parlamentar. Inicialmente, eram práticas não aceitas e viveram na escuridão, destacando, em parte, uma das atividades do que se denominou mensalão.
Com o tempo, passaram a ser aceitas sugestões de deputados, bancadas e mesas das casas legislativas sobre a alocação de alguns recursos em projetos e investimentos de seus interesses.
Mais adiante, como prática consistente e reiterada, chegou-se até à indigesta da situação do orçamento secreto, que ia de encontro aos deveres de publicidade e transparência.
Mais recentemente, aquilo que dependia da relação cordial e amistosa entre os parlamentares e o Executivo se ampliou para mecanismos mais impositivos; os parlamentares passaram a ter uma cota por representante, mesa e bancada.
No primeiro semestre de 2024, o Congresso chegou a derrubar o veto presidencial a emenda ao orçamento que impunha ao Executivo não somente o dever de aceitar a emenda, mas também de cumpri-la dentro do ano fiscal.
Vale lembrar que as práticas de emendas parlamentares ao orçamento também foram replicadas pelos legislativos estaduais e municipais.
Esclareço ainda aos leigos que tudo aquilo que os governos federal, estadual e municipal pretendem gastar no ano fiscal deve ser previsto na LOA - Lei Orçamentária Anual.
O orçamento é de competência exclusiva da Chefia do Poder Executivo, devendo os poderes independentes, autarquias e fundações públicas indicar seus gastos, que serão anexados e votados como um único conjunto de despesas, apesar das independências entre as estruturas financeiras.
O embate entre o governo e os parlamentares sobre as Emendas ao Orçamento culminaram em 2024 na sua judicializaçäo perante o STF.
O relator designado para o caso foi Flávio Dino que concedeu a liminar proibindo o repasse das emendas sem que houve maior controle sobre a realização das destinações previstas.
Confirmada a decisão por seus pares, Dino adotou uma posição moderada e começou-se a negociação entre o Congresso e o Poder Executivo.
Para quem acompanha a dinâmica entre os Poderes sabe que o Presidente da Câmara dos Deputados Arthur Lira chegou mesmo a ressuscitar projetos com a finalidade de restringir os poderes do STF justamente para pressionar o Judiciário pela liberação das emendas.
Considero adequada, oportuna e juridicamente correta a decisão de Flávio Dino, pois entendo que não pode haver transferência de vultosos recursos sem correspondente controle e fiscalização. No âmbito federal a fiscalização das emendas compete ao Tribunal de Contas da União; nos Estados e municípios caberá aos respectivos Tribunais de Contas Estaduais.
Com a aprovação a edição da Lei Complementar n.°210/2024 finalmente teremos parâmetros para que as emendas ao orçamento sejam feitas com critérios e mecanismos de controle.
A partir da lei teremos algumas medidas:
1. As bancadas estaduais podem aprovar até 8 emendas e até 3 adicionais para conclusão de obras, sendo prioritários os investimentos em saúde, saneamento e habitação;
2. As emendas individuais e as emendas Pix serão rastreáveis já que agora serão realizadas pelo sistema transferegov.br, devem ainda ser comunicadas ao TCU e priorizam casos de urgência;
3. As emendas de comissão serão ao menos 50% para o SUS e devem atender projetos de impacto nacional ou regional;
4. A LC n.°210/2024 ainda prevê um conjunto de situações impeditivas relacionadas a questões técnicas e fiscais, inclusive com o objetivo de cumprir as metas financeiras e de gastos.
A edição da LC n.°210 pôs fiz a saga de debates sobre prática, trouxe parâmetros claros para a realização das emendas e colocou um ponto final no choque entre os Poderes. Pelo menos é isso que se espera.
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