Otávio de Oliveira | Publicado em 17/11/2025, às 05h30 - Atualizado às 05h52
Por Otávio de Oliveira, em artigo especial para o site Jamildo.com
Há um equívoco silencioso, mas muito difundido, sobre o trabalho do advogado: a crença de que a técnica basta. Como se bastasse dominar o código, as teorias, os precedentes, as minúcias procedimentais. Como se o Direito fosse um edifício de fórmulas e não um organismo vivo.
A experiência demonstra, entretanto, com rigor e constância, que a maturidade emocional e intelectual é tão decisiva quanto qualquer fundamento técnico. Talvez mais.
A advocacia lida com pessoas antes de lidar com processos. Antes de qualquer peça jurídica, existe uma história. Antes do litígio, há um conflito humano. Antes da tese, há um problema - às vezes silencioso, às vezes ruidoso, mas sempre real.
O advogado que não o percebe transforma o Direito em mecanismo frio e se reduz, sem perceber, a burocrata da angústia alheia. A técnica, sem maturidade, torna-se instrumento cego.
No Direito Empresarial, essa verdade assume outra forma, menos explícita, porém igualmente exigente. Nenhum contrato social nasce do acaso; nenhuma ruptura societária decorre apenas de divergência numérica.
Há expectativas, decepções, lealdades implícitas e explícitas, erros de cálculo e, sobretudo, a profunda fragilidade das relações humanas quando submetidas ao mercado.
A maturidade se revela na capacidade de enxergar o que está escrito e o que não está; de distinguir o que é jurídico do que é humano e de compreender onde ambos se tocam.
No Direito de Família, essa exigência se intensifica. Não há cláusula contratual que explique o cansaço de um casamento; não há dispositivo legal que traduza a ruptura de uma esperança.
A guarda, o divórcio, a partilha de bens, todos os institutos carregam, por trás da forma jurídica, o peso da biografia das pessoas.
A maturidade emocional é o que impede o advogado de reduzir histórias inteiras a petições corretas, porém estéreis. É ela que permite escrever com firmeza sem ferir e a defender sem desumanizar.
Essa mesma maturidade exige algo ainda mais difícil: a capacidade de ouvir. O advogado é quem primeiro ouve: o cliente, o conflito, e até o silêncio. É necessário discernir, nesse universo particular, o que é relevante juridicamente, o que é psicológico, o que é espiritual.
Sem esse filtro interno - que não se ensina em manuais - o advogado corre o risco de transformar o processo em extensão das emoções do cliente; ou pior: das suas próprias emoções!
A dimensão espiritual também tem lugar aqui. Não no sentido religioso, mas no sentido humano: a consciência de que cada caso é uma vida em travessia. E, como toda travessia, exige guia seguro.
O advogado que não amadureceu moralmente é incapaz de transmitir essa segurança. Falta-lhe densidade, falta-lhe chão. A técnica, sem enraizamento ético, dispersa-se na primeira turbulência.
“Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra” (Mt 5,5). A mansidão, nesse contexto, não é passividade. Trato como força disciplinada. É a maturidade interior que sustenta o advogado na tomada de decisões difíceis, na escrita cuidadosa e na responsabilidade moral de orientar o outro.
Cuida-se da capacidade de manter o espírito íntegro enquanto o processo desafia, provoca e pressiona.
A maturidade intelectual, portanto, não é somente acúmulo de leituras, mas a capacidade de compreender o sentido delas. É o hábito de pensar antes de agir. É o exercício contínuo de interpretar os fatos e as pessoas, não apenas os textos legais.
É o que permite ao advogado perceber que o mesmo texto se aplica de modos diversos conforme a textura concreta e a nuances da vida. É o que distingue o profissional que repete fórmulas daquele que compreende a realidade.
Em algum momento, todo advogado descobre que o seu verdadeiro instrumento de trabalho não é a caneta, nem o computador, nem a jurisprudência: é sua própria consciência. É ela que organiza o raciocínio, modera a linguagem, tempera a argumentação e orienta a ação.
A técnica é necessária, mas não é suficiente. O que sustenta a advocacia - o que lhe dá nobreza - é a combinação rara de lucidez intelectual e maturidade emocional.
A história da literatura lembra que “o que somos capazes de sentir é o que somos capazes de compreender”.
O Direito, por mais técnico que seja, não escapa dessa verdade. Advogar é compreender. Identificar o essencial por trás do aparente. Traduzir o sofrimento em forma, a dúvida em clareza, o conflito em solução.
A maturidade não substitui a técnica. Ela a eleva. É o que transforma o conhecimento jurídico em sabedoria prática; e a prática, em instrumento de justiça.
Sem maturidade, o advogado até cumpre sua função. Com maturidade, ele dignifica o ofício.
Otávio Oliveira: Advocacia, linguagem, técnica e compreensão: os elementos não ensinados em manual
Avaliação de empresas em ações de divórcio: entre a afetividade e o patrimônio
PEC da Blindagem, ou a blindagem da impunidade