O articulista e advogado Otávio de Oliveira vê tentativa de impunidade com a PEC da Blindagem, na Câmara dos Deputados
por Otávio de Oliveira
Publicado em 22/09/2025, às 08h03 - Atualizado às 10h27
Por Otávio de Oliveira, em artigo especial para o site Jamildo.com
A Câmara dos Deputados aprovou, em dois turnos, a chamada Proposta de Emenda à Constituição 3/2021, conhecida como PEC da Blindagem. Em resumo, texto quer modificar o artigo 53 de nossa Constituição Federal para estabelecer que nenhum parlamentar poderá ser processado criminalmente sem autorização prévia do Congresso, além de ampliar o foro privilegiado a presidentes de partidos políticos e fixar prazos para deliberação – sigilosa - dessas medidas.
Eis o cerne do problema: onde deveria prevalecer a transparência e a responsabilidade, ergue-se, agora, uma muralha de privilégios.
Recordemos a experiência histórica.
Entre 1988 e 2001, a Constituição já exigiu essa autorização congressual, e o saldo foi desastroso: processos paralisados, investigações sufocadas, prescrições em série. O constituinte derivado aboliu tal exigência em nome da igualdade perante a lei.
A lição estava dada, e parecia definitiva, porém, como se o passado não tivesse voz, tenta-se restaurar aquilo que a própria história já condenou.
Aqui é preciso falar sem eufemismos. A exigência de autorização parlamentar para o processamento criminal afronta diretamente o princípio da isonomia. Ao cidadão comum, a lei imediata e irrestrita; ao parlamentar, só se o arranjo político assim permitir.
A república, nesse ponto, deixa ao largo a igualdade para tornar-se arranjo de exceções.
Não basta, porém, apontar o vício jurídico. É preciso denunciar a sombra social que essa PEC projeta. Em tempos em que o povo brasileiro clama por transparência, institui-se o voto secreto; em momentos de exigência de responsabilidade, consolida-se a blindagem.
A resposta que o Parlamento dá à sociedade é a mais amarga das ironias: em vez de aproximar-se do cidadão, afasta-se; em vez de sujeitar-se ao controle, oculta-se; em vez de proteger a República, protege a si próprio.
A consequência desse modelo é clara, transfere-se aos colegas do acusado o poder de autorizar ou negar o andamento da lei processual e, assim, a própria aplicação dela. Ao permitir que partidos políticos decidam se seus membros podem ser investigados ou processados, a PEC esvazia o Judiciário de sua exercer a função constitucional e entrega o destino da justiça ao tribunal dos interesses partidários. O resultado inevitável será a paralisia de processos e a perpetuação de uma cultura de impunidade que a sociedade já não suporta.
Além disso, ao ampliar o foro privilegiado para dirigentes partidários, a proposta cria um incentivo perverso, notadamente o de que o comando partidário não é apenas espaço de direção política, mas também de refúgio penal.
A liderança, que deveria ser assumida como serviço público e responsabilidade moral, converte-se em instrumento de autoproteção. É a inversão absoluta do sentido republicano, que transforma o dever de responder em privilégio de escapar.
Não nos enganemos com a retórica da defesa das prerrogativas! Prerrogativa não é salvo-conduto, não é escudo contra a lei, não é porta de fuga da justiça.
Quando transfigurada em privilégio, a prerrogativa trai o mandato, desonra a república e institui a desigualdade. O que se apresenta como garantismo institucional nada mais é do que autodefesa corporativa. De forma mais direta, fraude à lei.
Por isso, a crítica deve ser veemente.
A PEC da Blindagem não é apenas uma proposta constitucional, é um retrocesso civilizatório. Fere o princípio republicano, enfraquece a confiança pública e reaviva a sensação de que há, no Brasil, dois regimes jurídicos — um para os cidadãos comuns e outro para os homens de poder.
Se o Direito é a promessa de justiça que a Constituição nos oferece, esta PEC representa a sua negação. E, quando o Direito nega a justiça, o que sobra é apenas a força.
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