Otávio Oliveira: Advocacia, linguagem, técnica e compreensão: os elementos não ensinados em manual

O advogado Otávio de Oliveira, colunista do site, destaca o poder da escuta no Direito. A técnica move o Direito. A empatia o torna justo

Otávio de Oliveira

por Otávio de Oliveira

Publicado em 03/11/2025, às 10h54 - Atualizado às 11h06

Otavio Oliveira é advogado e escritor
Otávio de Oliveira defende que o Direito começa na técnica, mas só se torna justiça quando encontra a humanidade - Jamildo.com

Otávio de Oliveira explica que Mais que um ofício jurídico, o Direito é uma arte de traduzir o humano em justiça. Seja no Direito Empresarial, seja no Direito de Família, defender é sentir com precisão e pensar com empatia. A verdadeira advocacia exige rigor intelectual e compaixão genuína.

Primeiro a compreensão, depois a técnica

Por Otávio de Oliveira, em artigo especial para o site Jamildo.com

Advogar é, antes de tudo, compreender. Compreender o outro, o fato, o silêncio e o que se oculta entre as linhas de uma narrativa humana. O advogado é aquele a quem se confia o que há de mais vulnerável, e a transforma em palavra.

Não qualquer palavra, mas aquela que carrega em si a exatidão do conceito e a temperatura da emoção. Defender não é apenas argumentar: é sentir com rigor e pensar com compaixão.

O Direito Empresarial, por exemplo, revela com clareza essa exigência. Quando um conflito societário surge, o advogado precisa enxergar muito além da redação do contrato social.

É necessário compreender as expectativas depositadas, as desilusões e os vínculos humanos que se tecem e se rompem sob a linguagem fria das cláusulas.

Cada sociedade empresarial é, em essência, uma aliança de vontades - e, como toda aliança, exige cuidado, transparência e, sobretudo, compreensão do que foi dito e não dito. Há decisões que não se tomam com planilhas.

Já no Direito de Família, essa verdade se torna ainda mais densa. O advogado que atua em litígios familiares lida com amores esgotados, esperanças partidas e memórias que ainda insistem em permanecer.

O divórcio não é apenas um fato jurídico, mas a tradução formal de um colapso emocional.

A guarda, a união estável, a partilha, cada uma dessas palavras jurídicas carrega um universo humano. Caso o advogado não compreenda esse universo, corre o risco de produzir peças corretas, mas desumanas.

“Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados” (Mt 5,4). O consolo, no âmbito do Direito, não é somente o alívio do sofrimento, mas o próprio reconhecimento de que ele existe.

Quando o advogado escreve, argumenta ou sustenta oralmente, o faz não para apagar a dor, mas para dar-lhe forma, limite e sentido. Essa é a sua responsabilidade espiritual: transformar a injustiça em linguagem, e a linguagem em instrumento de reconstrução para o seu cliente.

A técnica jurídica é o esqueleto da advocacia; o espírito é o que a faz mover-se. A precisão conceitual, a coerência argumentativa e o domínio dos textos jurídicos são indispensáveis, porém estéreis quando desligados da percepção humana.

O advogado precisa ser, a um só tempo, artesão e intérprete. Deve lapidar o argumento sem perder a humanidade da voz que o sustenta. A sensibilidade não é adorno da técnica, é o fundamento mais nobre.

Em última análise, o advogado existe para dar forma ao indizível. Cada caso é uma travessia singular entre o fato e o sentido, e cada cliente possui um universo que pede tradução. Não há manual que ensine a sentir, mas há ética que exige fazê-lo.

A advocacia talvez seja o último ofício em que a palavra ainda tem a força de reparar, curar e transformar.

Já se disse na literatura que “o verdadeiro artista é aquele que, através da arte, reconcilia o coração com o absurdo do mundo”.

O advogado, de modo análogo, reconcilia o humano com o jurídico, o sofrimento com a forma, a vida com o Direito. Essa é a arte silenciosa do nosso ofício e a sua mais alta expressão de justiça.