Otávio de Oliveira | Publicado em 11/08/2025, às 09h56 - Atualizado às 10h41
Por Otávio de Oliveira, em artigo especial para o site Jamildo.com
A vocação do Direito não é o poder. É o limite.
Em tempos de instabilidade institucional, é sempre oportuno reafirmar essa premissa elementar, em especial no Brasil, onde a convivência entre legalidade e arbítrio apresenta-se, por vezes, sob o véu de interpretações convenientes.
A celebração do Dia das Ciências Jurídicas deveria, portanto, ultrapassar a solenidade burocrática para conduzir-nos à reflexão sobre o que justifica, ainda hoje, o estudo do Direito como campo do saber.
Em sua essência, o Direito não é apenas um conjunto de textos, mas uma linguagem civilizatória, comprometida com a contenção dos impulsos autoritários, com a dignidade da pessoa humana e com a afirmação do Estado Democrático de Direito como projeto coletivo.
Ao longo da história, o direito brasileiro foi moldado por vozes firmes que fizeram da palavra escrita e oral um ato de construção institucional. Não por acaso, figuras notáveis formadas pela Faculdade de Direito do Recife — como Tobias Barreto, Clóvis Bevilaqua e Pontes de Miranda — elevaram o pensamento jurídico nacional a patamares de densidade crítica e originalidade intelectual.
Celebrar o Dia das Ciências Jurídicas é, assim, também lembrar esse legado e reavivar a vocação reflexiva que deve animar a formação jurídica. Nesse espírito, vale recorrer à literatura, que tantas vezes pressente e denuncia o desvio da razão jurídica.
No célebre livro O Processo, Franz Kafka expõe, com aguda lucidez, os riscos de uma estrutura jurídica opaca, desumanizada e indiferente à sorte do indivíduo.
Josef K., o protagonista, é acusado de um crime não revelado, julgado por um tribunal sem rosto e condenado ao fim de um percurso kafkiano em que o procedimento se converte em castigo.
O que Kafka denuncia não é apenas o absurdo da burocracia, mas o colapso moral de uma ordem jurídica que se distancia da clareza, da publicidade e da responsabilidade.
É um alerta sombrio — e atual — sobre os perigos de se aceitar, com passividade, o arbítrio disfarçado de legalidade.
A literatura, embora ficcional, provoca o operador do Direito: como garantir que a norma não se torne instrumento de opressão?
Como assegurar que a retórica não seja usada para sufocar garantias fundamentais?
Como reagir diante da tentação de ver no formalismo jurídico uma blindagem contra a crítica?
A resposta está na vigilância e na coragem.
Ser jurista, em tempos de crise, exige mais do que erudição técnica: exige posição ética. Exige compromisso com os princípios constitucionais que estruturam o edifício democrático — a ampla defesa, o contraditório, a legalidade, o devido processo legal — não como meras cláusulas, mas como barreiras contra o autoritarismo, mesmo quando ele se mascara sob o terno das boas intenções.
O papel das ciências jurídicas não se esgota na interpretação das normas, mas se amplia como instância crítica da cultura institucional.
Cabe ao Direito, e a quem o exerce, não apenas aplicar a lei, mas interrogá-la, iluminá-la, protegê-la de si mesma quando for preciso.
É isso que torna a ciência jurídica, apesar de suas imperfeições, indispensável à democracia. É isso que a transforma em uma arte de resistência.
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