A Era da Hipocrisia Política: a hipocrisia das redes sociais e o risco do povo perder a confiança no futuro

O artigo "A Era da Hipocrisia Política" é do presidente do Sindicato dos Policiais Civis de Pernambuco, Áureo Cisneiros

Clara Nilo | Publicado em 07/08/2025, às 09h59 - Atualizado às 12h07

A defasagem no efetivo policial e a insatisfação com o atendimento do SASSEPE foram temas centrais na reunião do sindicato - Sinpol/Divulgação
A defasagem no efetivo policial e a insatisfação com o atendimento do SASSEPE foram temas centrais na reunião do sindicato - Sinpol/Divulgação

Vivemos a era da encenação. Uma época em que o que vale não é o que se faz, mas o que se aparenta. As redes sociais, que deveriam ser ferramentas de diálogo e consciência coletiva, foram sequestradas por discursos fáceis, lacrações vazias e performances ensaiadas. O resultado disso? A política brasileira virou um teatro, e quem domina o palco virtual ganha aplausos — mesmo sem entregar soluções reais.

A lacração virou estratégia eleitoral. E funciona. Tanto na esquerda quanto na direita, políticos limitados, sem preparo técnico ou capacidade de gestão, conseguem se eleger apenas com frases de efeito, cortes de vídeos e postagens que viralizam. Transformaram o debate público em espetáculo. Em vez de ideias, temos bordões. Em vez de propostas, temos provocações. Em vez de líderes, temos personagens.

Esse modelo de comunicação digital anestesia a população e alimenta uma ilusão perigosa: a de que o “posicionamento” é mais importante que a competência. O problema é que o Brasil real — o das filas no SUS, da violência nas periferias, da desigualdade e da educação abandonada — não se resolve com curtidas. É preciso muito mais do que um tweet bem escrito ou um story indignado.

Na segurança pública, a hipocrisia atinge níveis ainda mais alarmantes. Cada governo que entra — de esquerda ou de direita — promete “tolerância zero”, “mão firme” ou “nova era”. Mas nada muda. O investimento real nas polícias investigativas é mínimo. Os profissionais da segurança seguem desvalorizados. Os presídios continuam superlotados e sem função de ressocialização. E o crime organizado só cresce, se infiltra, se adapta — enquanto o Estado finge que está no controle.

A violência explode, os dados são manipulados, e o marketing institucional tenta pintar um quadro que não existe. A sensação de insegurança se torna rotina, e o povo se sente abandonado. A “lacração” na segurança pública é especialmente cruel porque lida com a vida, a dor e o medo das pessoas. Mas, para muitos, basta uma coletiva de imprensa ou uma hashtag para parecer que algo está sendo feito.

A hipocrisia digital vai além da forma. Ela corrói a essência da política. Políticos que pregam moralidade posam ao lado de corruptos. Defensores da democracia flertam com autoritarismo quando lhes convém. E o povo, exausto, acaba confundindo popularidade com credibilidade. Pior: passa a não acreditar mais em nada nem em ninguém.

Essa crise de confiança nos leva a um beco perigoso. Sem verdade, não há solução. Sem coerência, não há futuro. Sem líderes sérios, seguimos administrados por atores — alguns cômicos, outros trágicos. E a conta dessa encenação quem paga é o povo, com desemprego, violência e abandono.

Para romper esse ciclo, é urgente investir numa educação crítica desde a escola. Ensinar nossos jovens a analisar, interpretar, questionar e duvidar é a única forma de blindá-los contra a manipulação das redes e o populismo barato que seduz pela forma e engana pelo conteúdo. Precisamos formar cidadãos capazes de pensar com autonomia, de entender o papel do Estado, de distinguir entre verdade e espetáculo.

A educação crítica é o antídoto contra a lacração vazia e a política de palco. É por meio dela que vamos preparar uma nova geração com mais consciência, mais discernimento e, sobretudo, mais compromisso com o país real — aquele que precisa de soluções concretas e não apenas de frases de impacto.

O Brasil não pode ser governado por memes. Nosso povo não merece viver sob o comando de marqueteiros de rede. A democracia exige mais: exige verdade, exige coragem, exige compromisso com a realidade.

Hoje, temos casas legislativas e até governos eleitos com base na lacração. Governos que viralizam, mas não governam. Parlamentos que se destacam nas redes, mas não entregam políticas públicas. E o mais grave: essa lacração política se tornou hoje o maior problema político do Brasil. Estamos elegendo influenciadores no lugar de estadistas, marqueteiros no lugar de gestores.

Esse modelo de lacração, de hipocrisia e de mentira construída dificulta a eleição de políticos sérios e comprometidos com mudanças reais. Porque ser verdadeiro, ser técnico e falar a verdade virou um risco eleitoral. O jogo foi invertido: quem tenta fazer política com responsabilidade perde espaço para quem entrega frases de impacto. E, infelizmente, uma parcela expressiva da população está sendo levada por essa onda — sem perceber que isso aprofunda os problemas que deveria resolver.

Precisamos amadurecer — na política e nas redes. A política não é palco para vaidades digitais, é ferramenta de transformação concreta da realidade. Esse amadurecimento passa, inevitavelmente, por uma educação básica de qualidade, que forme cidadãos críticos, conscientes e imunes à manipulação. Mas como vamos construir esse futuro se continuarmos elegendo os lacradores profissionais para comandar o país?

Enquanto a mentira viraliza, a esperança do povo adoece. Mas ainda há tempo de virar esse jogo — com consciência, com educação e com atitude.