Advogado Otávio de Oliveira estreia coluna fixa com reflexão sobre como a ausência de formalização pode transformar sociedades em conflitos evitáveis
por Otávio de Oliveira
Publicado em 04/08/2025, às 15h32 - Atualizado às 16h19
A vida societária, como toda forma de relação humana fundada em propósito comum, contém em si a tensão entre expectativa e finitude.
No entusiasmo da constituição do negócio, os sócios compartilham ideias, energia e a fé de que a convergência inicial basta como alicerce duradouro.
É, todavia, precisamente nesse momento inaugural que mais se exige clareza. A harmonia, por mais sólida que pareça, não deve prescindir do instrumento.
O acordo de sócios traz lucidez: texto que antecipa, com inteligência e técnica a possibilidade do desencontro. A confiança inicial, embora verdadeira, deve pressupor o reconhecimento de que não se dispensa forma, mas antes a exige.
Em sociedades organizadas por vínculos frágeis e protocolos de ocasião, o litígio torna-se a gramática do dissenso. Ela fala por todos quando ninguém mais se escuta. Impõe-se como linguagem final, quando a linguagem inicial faltou.
A ausência de um contrato deixa de ser uma falha técnica e passa a ser uma omissão de consciência. Afinal, como já se mencionou, tudo o que é construído sem forma corre o risco da violência da improvisação.
O instrumento societário, quando bem desenhado, cumpre a função de delinear disposições sensíveis como o destino dos lucros, os caminhos de saída e valores que se deseja preservar.
Define, com sobriedade, aquilo que se costuma evitar até que seja tarde: critérios para deliberações específicas, solução para impasses, quóruns de proteção, mecanismos de retirada ou exclusão. Mas, mais do que isso, traduz uma escolha moral: não esperar que a crise dite sozinha o tom de eventual separação.
Ao contrário da crença vulgar, contratos não engessam relações, mas as estruturam.
Bem concebidas, elas sabem suportar o peso do tempo.
Formalizar enquanto há harmonia não é gesto de desconfiança, porém de inteligência emocional e prudência jurídica. É recusar a ilusão de que o bom relacionamento inicial basta contra o litígio futuro.
A paz societária, para ser duradoura, deve ser escrita e não apenas sentida.
O litígio transforma sociedades privadas em arenas; os sócios em antagonistas de um enredo que talvez pudesse ter sido evitado – às vezes, com uma folha assinada.
Em tempos em que o Judiciário se converte em oráculo de rupturas, contratar é também resistir à judicialização.
É escolher a arquitetura do vínculo em vez da retórica da disputa. É recusar que o litígio seja o último a dizer por nós o que um acordo poderia ter dito com maturidade.