A primeira vitória da chantagem

Ricardo Leitão | Publicado em 11/12/2025, às 13h41

- Crédito: Marina Ramos/Câmara dos Deputados
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Na madrugada do dia 9 deste dezembro, por 291 votos a 148, a Câmara dos Deputados aprovou a Lei da Dosimetria, que agora se encontra em avaliação no Senado. Lá, será votada na Comissão de Constituição e Justiça e, em seguida, no plenário. Caso receba mudanças, retornará à Câmara, para deliberação final, passando então a vigorar de imediato.

Saudado como uma iniciativa de modernização da legislação criminal, o projeto possibilitará que as penas dos condenados pela tentativa de golpe de 2022/23 sejam significativamente reduzidas. É o caso, por exemplo, do ex-presidente Jair Bolsonaro, líder do golpismo, condenado a 27 anos e três meses

Segundo cálculos do deputado federal Paulinho da Força, relator do projeto, a pena do ex-presidente pode ser diminuída para 2 anos e oito meses, depois das remissões previstas na nova lei. O mesmo acontecerá com as penas dos militares de alta patente, também golpistas, que serão beneficiados em proporções diversas.

Foi a primeira vitória do bolsonarismo na execução da chantagem para manter Bolsonaro à frente das articulações para a sucessão presidencial de 2026. O passo inicial foi lançar a candidatura do senador Flávio Bolsonaro à Presidência da República, decisão que o filho do ex-presidente trata como “irreversível”. De imediato, em conluio com Hugo Motta, presidente da Câmara dos Deputados, trataram de colocar em votação o projeto da Lei da Dosimetria, surpreendendo o governo, que terminou atropelado na madrugada.

Arma-se, agora, a segunda vitória da chantagem. Ao vigorar a nova lei, os advogados dos condenados recorrerão ao Supremo Tribunal Federal para que sejam reduzidas as penas de seus constituintes. No caso de Bolsonaro, preso na Polícia Federal em Brasília, o recurso virá acompanhado da petição para que o seu regime fechado seja transformado em prisão domiciliar, “um gesto humanitário”, dadas as suas condições de saúde. Instalado em casa, com ou sem tornozeleira,

Bolsonaro continuará a urdir o seu plano. Nele, o primeiro passo é manter, com seu entusiasmado apoio, a candidatura do filho Flávio. Com isso, ele paralisa todos os candidatos de seu campo: quem irá avançar nos entendimentos partidários, tendo como eventual adversário o filho do ex-presidente, maior líder populista da direita no Brasil? Não só: fica ainda mais paralisado o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, nome preferido para a Presidência da chamada “direita democrática.”

Freitas está obrigado a fazer contas angustiantes. Para disputar a Presidência, terá de deixar o governo de São Paulo no início de abril do próximo ano. E se, até lá, Bolsonaro não tiver recuado de seu apoio à candidatura de Flávio, posto como um chifrudo bode na sala da sucessão presidencial? Freitas teria uma reeleição provável para o governo, indicam as pesquisas; porém uma eleição difícil para a Presidência, mesmo apadrinhado pelo ex-presidente. 

O segundo passo do plano de chantagem de Bolsonaro é exigir que, em qualquer circunstância, seja dele a palavra final sobre a composição da chapa da direita no próximo ano. Flávio poderia recuar, no entanto a vice teria de ser um Bolsonaro, talvez até a ex-primeira-dama, amparada por seu exército de evangélicos. O problema é a rejeição ao nome Bolsonaro, constatada nas pesquisas de intenção de voto. Em miúdos realistas: os candidatos da direita querem o apoio político do ex-presidente; contudo, fogem de um nome de seu clã como companheiro ou companheira de chapa. Seria uma decisão contraproducente, na disputa acirrada com a esquerda, como previsto.

A dez meses das urnas de outubro do próximo ano, a maior certeza é que a incerteza ainda prevalece. Bolsonaro enfrentará o desafio de reunificar as facções da direita, do contrário não terá condições de organizar uma frente contra Luiz Inácio Lula da Silva, provável candidato à reeleição. A esquerda também precisa se unir, em meio a uma conjuntura econômica e social desfavorável, que vem emperrando a recuperação dos índices de aprovação de seu governo. 

Experimentado em duras disputas e com a caneta na mão, Lula parece ter melhores condições de avançar. A direita, por outro lado, teria como sobreviver sem arrastar o peso do ex-presidente? O tema do bolsonarismo sem Jair Bolsonaro instiga políticos. Nenhum dos integrantes de seu clã tem sua força eleitoral, nem acesso aos segmentos militares da extrema direita que o içaram dos porões da ditadura.

Entretanto, os votos que levaram o ex-presidente ao Palácio do Planalto existem, corresponderiam a um terço do eleitorado e estão migrando para o centro, em reação à polarização radical. Em quem votarão esses eleitores no próximo ano, hoje muitos deles descrentes e desesperançados? Em Lula, que disputará o quarto mandato, ou em Bolsonaro, condenado e preso por tentativa de golpe de Estado? 

A anistia ampla, geral e irrestrita é o terceiro passo do plano de chantagem do ex-presidente. Ele está inelegível até 2060. Para disputar a Presidência, vai requerer que a direita, majoritária no Congresso, aprove o seu perdão incondicional, lhe dando a última oportunidade de enfrentar Lula pela segunda vez. Determinaria então a retirada da candidatura do filho Flávio e apresentaria o seu nome como o único capaz de vencer qualquer candidato da esquerda.

É possível? Nunca duvide do que pode acontecer na política brasileira nesses tempos trágicos. Afinal, quem esperava que, em uma votação pela madrugada, os 27 anos e três meses de prisão de Jair Bolsonaro pudessem ser reduzidos a 2 anos e oito meses?

Jair Bolsonaro congresso nacional Ricardo Leitão

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