Qual será a repercussão, nas eleições de 2026, da prisão de Bolsonaro, inelegível até 2060 ?

Em artigo, Ricardo Leitão diz que prisão de Bolsonaro não encerra a disputa política e defende união para evitar reconstrução da extrema direita em 26

Ricardo Leitão | Publicado em 03/12/2025, às 17h31 - Atualizado às 17h43

Julgamento de Jair Bolsonaro no STF
Julgado e condenado pelo STF, Jair Bolsonaro ainda gera polêmica no meio político - DIVULGAÇÃO/ STF/ Tom Molina

O artigo avalia o fortalecimento da democracia brasileira desde a redemocratização, destacando a prisão inédita de generais e do ex-presidente Bolsonaro por tentativa de golpe.

Apesar das penas altas e da deterioração da saúde de Bolsonaro, ele segue como a principal liderança da direita e peça central das eleições de 2026.

A direita bolsonarista articula anistia no Congresso e possível migração para prisão domiciliar, enquanto a direita não-bolsonarista permanece paralisada aguardando seus movimentos.

O texto alerta que a luta política seguirá tensa, com o governo minoritário enfrentando derrotas, como a derrubada dos vetos ambientais.

O autor conclama a esquerda a evitar autoengano, recompor unidade e impedir que Bolsonaro — preso ou até morto — seja transformado em mártir messiânico capaz de mobilizar milhões de votos.

Fuja do autoengano - a luta continua...

Por Ricardo Leitão, em artigo para o site Jamildo.com

Nos últimos 40 anos, a democracia brasileira se robusteceu, ao enfrentar e vencer grandes desafios.

Além da promulgação da nova Constituição em 1989, duas outras importantes datas marcaram o início e o fim do período.

Em 1985, cedendo à pressão popular, a ditadura convocou eleições diretas para prefeitos das capitais, passo decisivo na abertura política; neste ano, quatro décadas depois, os líderes da quadrilha golpista que tentou manter Jair Bolsonaro no poder estão presos: o ex-presidente, três generais de quatro estrelas (ex-ministros de Bolsonaro), um almirante (ex-comandante da Marinha), um ex-ministro da Justiça e um deputado federal.

Formam o chamado núcleo crucial do golpe.

É a primeira vez, desde a Proclamação da República em 1889, que oficiais generais encontram-se na cadeia por tentativa de golpe de Estado, cumprindo, em média, penas superiores a 20 anos.

A pena de Bolsonaro, a maior, é de 27 anos e 3 meses, inicialmente em regime fechado.

Na direita, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de punir os golpistas provocou lamentações até de Donald Trump, presidente dos Estados Unidos e mentor do ex-presidente brasileiro.

Na esquerda, houve comemorações em plenários. Nas ruas, contudo, nenhuma manifestação de destaque, elevando-se sobre todos a sombra da dúvida: qual será a repercussão, nas eleições de 2026, da prisão de Bolsonaro, agora, inelegível até 2060 em decorrência da sentença do STF?

O ex-presidente tem 70 anos e sérios problemas de saúde desde a facada que o vitimou na campanha eleitoral de 2018 e já exigiu 7 cirurgias corretivas.

Sofre de crise de soluços e depressão e é acompanhando, por um médico de plantão, na sede da Polícia Federal em Brasília, onde está preso.

Segundo ele, a quantidade de remédios psiquiátricos que lhe receitaram é a responsável pelo surto psicótico que o levou a tentar romper a tornozeleira eletrônica, que adorna sua perna esquerda, com um ferro de solda.

Ainda assim, Jair Bolsonaro continua sendo a liderança da direita mais popular do Brasil, segundo as pesquisas de opinião.

De princípio, teria condições de influenciar milhões de eleitores nas urnas no próximo ano.

Por enquanto, inexistem novas amostragens, de conhecimento público, que indiquem o efeito da prisão na popularidade do ex-presidente.

E principalmente - o que é também importante – na rejeição ao seu nome, obstáculo que alcançaria outros integrantes do seu clã.

Pesquisa Quaest, de 15 de novembro passado, entre eleitores tidos como “indecisos”, mostra que 70% deles não votariam, para presidente, em Michelle, a ex-primeira dama, 73% no próprio Bolsonaro e 80% no seu filho, Eduardo, hoje foragido nos Estados Unidos.

Mas o ex-presidente está vivo, sabe do seu cacife e não vai abrir mão de liderar a direita, desde a escolha do candidato à sucessão de Luiz Inácio Lula da Silva.

Para tanto, seus seguidores operam com duas opções: beneficiá-lo com a aprovação, no Congresso, de uma anistia ampla, geral e irrestrita e, ao mesmo tempo, tentar substituir sua prisão em regime fechado por uma prisão domiciliar.

O projeto de lei de anistia já tramita na Câmara dos Deputados, em regime de urgência. Colocá-lo em votação depende do presidente da Casa, Hugo Motta.

A passagem do regime fechado para a prisão domiciliar tem precedente. Condenado por corrupção, o ex-presidente Fernando Collor cumpre pena em sua luxuosa cobertura à beira-mar de Maceió, capital de Alagoas, depois de atestada doença neurológica do “caçador de marajás”.

Um grave problema de saúde poderia também servir a Bolsonaro, tanto no caso da anistia quanto na prisão domiciliar.

Outro surto psicótico – como o que o teria levado a tentar violar a tornozeleira eletrônica - poderia estimular manifestações de apoio pelo País, tumultuando a campanha eleitoral antecipada e tensa.

Isso não interessa à esquerda, nem à direita não-bolsonarista, agregada crescentemente em torno do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas.

O problema é que, dos dois lados, ninguém se movimenta com desenvoltura, enquanto o ex-presidente não colocar suas cartas na mesa.

O cuidado tático vale para Lula, candidato à reeleição, porém vale mais para os candidatos da direita, paralisados pelo impasse: até quando esperar a decisão de Bolsonaro?

A prisão o teria colocado fora do jogo mesmo com sua força eleitoral mantida, apesar da alta rejeição?

É possível formar uma chapa competitiva da direita sem nenhum nome representativo do clã bolsonarista?

A dez meses da eleição presidencial, não há respostas seguras para nenhuma dessas interrogações: a luta contra a extrema direita continua nas urnas e nas ruas, agora agravada pelos confrontos do governo com a oposição no Congresso.

A derrubada de todos os vetos de Lula à demolição da lei ambiental foi disso o último exemplo.

Outros virão: o governo é minoritário na Câmara dos Deputados e no Senado.

Se o projeto da lei da anistia for colocado em votação na Câmara, será aprovado – não duvidam os calejados videntes de Brasília.

Portanto, fuja do autoengano porque é dever de todo democrata sepultar a extrema direita nos porões de onde escapou em 2018.

Trata-se de uma necessidade urgente reconstruir a unidade em torno de Lula ou de outro candidato da esquerda e considerar a possibilidade de que, mesmo morto, Bolsonaro pode ser vitimizado e transformado em líder messiânico da extrema direita na atração de milhões de votos.

Não há nada garantido nem perdido. Vai depender de cada um assegurar que os pobres, os famintos e os desprovidos de cidadania continuem a ter a esperança de uma vida mais digna.