Auditores fiscais denunciam ao MPPE proposta do MAPA e alertam para riscos à fiscalização sanitária em frigoríficos

Categoria diz que portaria transfere atribuições estatais a empresas privadas e enfraquece controle público sobre abate de animais e fiscalização sanitária

Cynara Maíra

por Cynara Maíra

Publicado em 31/05/2025, às 09h14 - Atualizado às 09h50

Ministério da Agricultura coloca em consulta pública minuta que altera formato de fiscalização sanitária em frigoríficos - Ricardo Stuckert-PR
Ministério da Agricultura coloca em consulta pública minuta que altera formato de fiscalização sanitária em frigoríficos - Ricardo Stuckert-PR

Auditores fiscais denunciam risco de enfraquecimento da inspeção sanitária com nova norma do MAPA
Categoria afirma que minuta de portaria permite delegação indevida de função estatal e representa conflito de interesses na fiscalização de frigoríficos

O Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais Federais Agropecuários (ANFFA Sindical) apresentou uma denúncia formal ao Ministério Público de Pernambuco (MPPE) contra a minuta de portaria elaborada pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), que regulamenta trechos da Lei nº 14.515/2022, conhecida como Lei do Autocontrole.

O foco da queixa do ANFFA é o artigo 5º da legislação, que permite o credenciamento de entidades privadas para executar serviços técnicos de inspeção ante mortem e post mortem em frigoríficos.

A representação partiu da Delegacia Sindical em Pernambuco, mas integra um movimento nacional articulado pela categoria.

O sindicato também informou que apresentou uma “carta denúncia” ao Ministério Público Federal (MPF) em outros estados e participa como amicus curiae em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 7.351) em trâmite no Supremo Tribunal Federal (STF), que questiona a constitucionalidade da própria lei.

No centro da controvérsia está a minuta de portaria do MAPA, atualmente em consulta pública, que permite que empresas privadas credenciadas forneçam médicos veterinários para integrar as equipes de inspeção nos estabelecimentos de abate.

Esses profissionais, chamados de Médicos Veterinários de Credenciada (MVCs), seriam contratados pelas empresas credenciadas, que prestariam serviço para os frigoríficos.

Para o ANFFA Sindical, o modelo rompe com o princípio da independência na fiscalização.

A entidade cita que o caso poderia gerar um conflito de interesses, já que os veterinários terceirizados teriam como tarefa inspecionar e atestar a qualidade dos procedimentos dos próprios contratantes.

O grupo também aponta que o texto da minuta autoriza os MVCs a adotar medidas como suspensão do abate, alteração da ordem dos lotes e interrupção das atividades por irregularidades sanitárias, ações que os auditores consideram como exercício de poder de polícia administrativa.

Segundo o sindicato, essa prerrogativa seria exclusiva de servidores públicos, e sua delegação a particulares violaria o §1º do artigo 5º da própria Lei do Autocontrole, que proíbe expressamente que agentes credenciados ou habilitados desempenhem funções típicas de fiscalização que envolvam poder de polícia.

A Lei do Autocontrole foi sancionada em 2022 e institui programas de responsabilidade dos próprios agentes privados nas áreas de defesa agropecuária.

Além disso, os auditores relatam que a minuta enfraquece a fiscalização pública ao prever que o acompanhamento feito por servidores do MAPA será apenas periódico, e não contínuo durante todo o processo de abate.

Representantes da ANFFA em Pernambuco afirmaram ao Jamildo.com que a mudança representa “uma fragilização do controle estatal sobre o ciclo completo da inspeção sanitária, hoje garantido pela presença ininterrupta de fiscais de carreira”.

Em nota encaminhada ao MPPE, a entidade aponta que mesmo os auditores fiscais, que gozam de estabilidade, já enfrentam pressões no exercício da função, e que o novo modelo pode agravar esse quadro entre profissionais contratados pelas próprias empresas fiscalizadas.

A minuta do MAPA já prevê que interferências devem ser comunicadas ao auditor responsável, mas o sindicato avalia que o risco permanece.

Outro ponto levantado é a figura do “encarregado técnico-administrativo”, prevista na minuta como responsável pela equipe de inspeção, geralmente exercida por um auditor do MAPA.

Para o sindicato, a função acumula atribuições de chefia sem contrapartida remuneratória, o que, segundo eles, contraria a legislação dos servidores públicos e pode configurar enriquecimento indevido da administração.

Na denúncia ao MPPE, os auditores pedem que o órgão estadual analise a legalidade e a constitucionalidade da proposta e recomende que o MAPA se abstenha de publicar a norma nos moldes atuais.

O texto enviado ao Ministério Público de Pernambuco também menciona a articulação nacional da entidade e seu posicionamento na ADI apresentada ao STF.

O Ministério da Agricultura ainda não se pronunciou oficialmente sobre os questionamentos feitos pela categoria.