O articulista Ricardo Leitão escreve que o futuro da democracia em jogo e vê ex-presidente Bolsonaro promovendo o que chama de golpe da anistia
Ricado Leitão | Publicado em 31/05/2025, às 09h04 - Atualizado às 09h24
Por Ricardo Leitão, em artigo para o site Jamildo.com
Em depoimentos no Supremo Tribunal Federal (STF), o general Marco Antônio Freire Gomes, ex-comandante do Exército, e o brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior, ex-comandante da Aeronáutica, declararam, sob juramento, que Jair Bolsonaro participou da tentativa de golpe de Estado em janeiro de 2023. Afirmaram os dois comandantes – integrantes do primeiro escalão na gestão passada – que o principal objetivo golpista era manter Bolsonaro no poder.
Uma facção militar mais radical chegou a tomar providências para assassinar os recém eleitos presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o vice-presidente Geraldo Alckmin, além do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes.
Em seus depoimentos, o general e o brigadeiro disseram que, em reunião no Palácio da Alvorada, residência do presidente da República em Brasília, tomaram conhecimento da chamada “minuta do golpe”, decreto a ser assinado por Bolsonaro, que daria “verniz jurídico” à tomada ilegal do poder.
Freire Gomes e Baptista Júnior se recusaram a aderir ao golpe, ao contrário do comandante da Marinha, Almir Garnier, que colocou suas tropas à disposição do ex-presidente.
Nunca, na turbulenta história política do Brasil, dois destacados comandantes das Forças Armadas, em depoimentos públicos, denunciaram com tantos detalhes um ex-presidente da República, por planejar um golpe de Estado e organizar uma quadrilha para efetivá-lo.
Os bolsonaristas não contestaram os depoimentos. Em recuo estratégico, passaram a investir na aprovação, pelo Congresso, de um projeto de lei de anistia, que pode beneficiar Bolsonaro.
Não tardaram. O Partido Liberal (PL), legenda à qual é filiado o ex-presidente, apresentou na Câmara dos Deputados projeto de lei que concede anistia aos participantes da depredação, em 8 de janeiro de 2023, do Palácio do Planalto, Senado, Câmara dos Deputados e Supremo Tribunal Federal – mobilização vinculada ao golpe.
Assessores técnicos do Senado alertam que o projeto se transformaria em alternativa para anistiar pessoas envolvidas em fatos antecedentes a 8 de janeiro. Entre elas, não por acaso, Jair Bolsonaro, que então passaria a ter condições de disputar a eleição presidencial de 2026.
Não se trata de uma questão definida, mas de uma possibilidade, a ser considerada no conturbado período eleitoral que vai até as urnas de outubro do próximo ano.
Pautar a votação do projeto no plenário, em regime de urgência, é atribuição do presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta. Ele encontra-se sob forte pressão da direita bolsonarista, que tem maioria na Casa. Se o projeto for a voto, o governo deve perder, o que obrigaria Lula a vetá-lo ou a um partido aliado propor uma ação no STF, arguindo sua inconstitucionalidade.
Em qualquer situação, mais choques entre os Três Poderes e de vitimização de Bolsonaro, o que agora ele mais busca.
A pressão a favor do ex-presidente não se restringe a forças políticas de direita no Brasil. Nos Estados Unidos, militantes bolsonaristas, liderados por Eduardo Bolsonaro, filho e deputado federal licenciado, se articulam com a facção mais reacionária do Partido Republicano para pressionar o Supremo Tribunal Federal brasileiro.
O alvo principal é o ministro Alexandre de Moraes, relator do processo do golpe de Estado. Eduardo Bolsonaro tem acesso ao secretário de Estado (equivalente a ministro das Relações Exteriores), Marco Rubio, um dos principais assessores de Donald Trump.
A movimentação de Rubio é acompanhada pelo Itamaraty. No caso de Eduardo Bolsonaro, é investigado pela Polícia Federal, por ordem da Procuradoria Geral da República (PGR). O entendimento é que o filho do ex-presidente age para corroer as relações do governo brasileiro com o governo norte-americano, de acordo com os interesses de Trump e de Bolsonaro.
Ao par dessa tensão externa, os desafios internos não são menores, no caminho até outubro de 2026: derrotar o projeto da lei da anistia pró-bolsonarista; condenar o ex-presidente por tentativa de golpe de Estado e, no caso das forças de centro-esquerda, vencer a crise e assegurar a vitória da aliança liderada pelo PT no próximo ano.
Todos os poderes republicanos e todas as forças democráticas estão obrigatoriamente envolvidos nesse processo. Para Bolsonaro, ele pode representar a última etapa da luta de sobrevivência política.
Com 75 anos, saúde fragilizada e enfrentando oposição crescente em seu campo de atuação, o ex-presidente talvez tenha, em 2026, a derradeira chance de se candidatar ou de reunir aliados suficientes para interferir na sucessão presidencial. Jair Bolsonaro ainda é um líder popular e tem votos no Congresso.
Nunca teve escrúpulos na sua busca desesperada pelo poder. Defendeu a ditadura militar e a tortura; planejou atos terroristas, quando era oficial do Exército e agora se tornou réu em um processo de tentativa de golpe de Estado. Enfrentá-lo e vencê-lo é um dos maiores deveres dos democratas brasileiros.