Ricardo Leitão: Novas notícias do porão (da Ditadura Militar)

Documentos revelam conhecimento da ditadura militar brasileira sobre assassinatos de militantes de esquerda

Yan Lucca

por Yan Lucca

Publicado em 11/07/2024, às 14h48

Confira na íntegra o artigo de Ricardo Leitão para o Blog de Jamildo - Foto: Reprodução
Confira na íntegra o artigo de Ricardo Leitão para o Blog de Jamildo - Foto: Reprodução

Por Ricardo Leitão, em artigo especial para o Blog de Jamildo

Na semana passada, o pesquisador Matias Spektor, coordenador do Centro de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas, divulgou um documento estarrecedor. Datado de 11 de abril de 1974 e enviado pela Agência Central de Inteligência (CIA, na sigla em inglês) ao secretário de Estado Henry Kissinger, o documento oficial é assertivo: a cúpula da ditadura militar brasileira (1964-1985) sabia que militantes da esquerda estavam sendo assassinados pelo Centro de Inteligência do Exército (CIE).

Descreve o documento que, em 30 de março daquele ano, o ditador-presidente Ernesto Geisel; o general Milton Tavares de Souza, ex-chefe do CIE; o general Confúcio Danton de Paula Avelino, novo chefe do CIE, e o general João Baptista Figueiredo, chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI), se reuniram em Brasília para analisar a política de repressão à oposição armada ao regime.

Foi quando o general Milton relatou que 104 “subversivos” havia sido “executados” pelo CIE e que essa política deveria continuar. Recebeu o apoio imediato do general Figueiredo, futuro ditador-presidente.

Geisel – diz o documento oficial dos Estados Unidos – pediu tempo para refletir. Em 1 de abril de 1964, informou a Figueiredo que os assassinatos deveriam continuar, “mas com extremo cuidado, para assegurar que apenas subversivos perigosos fossem executados” – destaca o documento da CIA, que continua: “O presidente e o general concordaram que, quando o CIE detivesse uma pessoa que poderia ser enquadrada nessa categoria, o chefe do CIE deveria consultar Figueiredo, cuja aprovação deveria ser dada antes que a pessoa fosse executada”.

Para o pesquisador Matias Spektor, o registro “é prova do envolvimento da cúpula da ditadura militar na política de execuções sumárias de inimigos do regime”. A ele se somam outras evidências, como o sinal verde de Geisel dado à repressão, pelo Exército, à guerrilha do Araguaia, que incluiu tortura e desaparecimento de corpos, lançados de helicóptero no meio da selva amazônica.

A divulgação dessas novas notícias do porão foi recebida no Brasil com silêncio. Apenas o telejornal da TV Brasil divulgou o fato com uma “nota pelada”, o que no jargão jornalístico significa uma notícia curta, sem imagens. Geisel e Figueiredo, citados no documento por autorizarem assassinatos, não contaram com a defesa sequer de líderes da extrema direita brasileira.

Entre eles, Jair Bolsonaro. O ex-presidente calou, apesar de sua longa militância anticomunista. Como se sabe, oficial do Exército, ele foi acusado de planejar a explosão de uma central de abastecimento d’água no Rio de Janeiro, atentado terrorista que pretendia creditar à esquerda. Deputado federal, na sessão que cassou o mandato da presidente Dilma Roussef, homenageou o tenente-coronel Carlos Alberto Brilhante Ulstra, o único oficial do Exército condenado por tortura. Presidente, extinguiu a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, beneficiando torturadores e assassinos da ditadura.

É esse homem que, derrotado por Luiz Inácio Lula da Silva em 2022 e investigado pela Polícia Federal por envolvimento em cinco crimes, pretende liderar uma ampla frente conservadora nas eleições municipais deste ano e na eleição presidencial de 2026. Nesse propósito, não tem concorrentes e acredita que, ganhando ou perdendo, vai terminar vitorioso: no mínimo, mesmo inelegível até 2030, emergirá das urnas como líder fortalecido do pedaço crescente do eleitorado conservador do Brasil.

Ocorre com Bolsonaro o mesmo que com Donald Trump, candidato à presidência dos Estados Unidos. Os dois são acusados até por tentativa de golpe de Estado, contudo se mantêm competitivos. Caso pudesse disputar a presidência em 2026, Bolsonaro teria, na largada, o apoio de um terço do eleitorado – estimam pesquisas de intenção de voto. Trump, que estimulou a invasão do Congresso norte- americano, quando morreram seis pessoas, no momento é favorito na disputa com Joe Biden.

No entanto, o cenário é momentaneamente mais espinhoso para Bolsonaro. Investigação da Polícia Federal concluiu que o ex-presidente sabia das negociações para a venda de um conjunto de joias, avaliado em R$ 6,8 milhões, doado pelo governo da Arábia Saudita ao governo brasileiro.

No inquérito a PF informa que Bolsonaro se apropriou ilegalmente das joias e determinou que seu ajudante de ordens, o tenente-coronel Mauro Cid, providenciasse a venda do tesouro. Cid, como sempre, foi operoso. Em uma mensagem para o celular do ex-presidente, mandou o link de um leilão de joias e recebeu de volta “Selva”. O termo é uma forma de saudação do exército, que significa “ok” ou “tudo certo”.

Suspeito de terrorismo, defensor de torturador, um dos responsáveis pela morte de mais de 700 mil brasileiros na pandemia da Covid 19, repulsivo por seu comportamento racista, xenófobo e misógino - é esse homem que quer arrastar o Brasil de volta aos porões onde se cevou. É possível? Sim, é possível.

Como estarão o Brasil e o mundo em 2026? Na vizinha Argentina, um presidente que atende pelo apelido de “El Loco” e se diz o líder da extrema direita na América do Sul, derrotou o centro-esquerda no primeiro turno.

Nunca é pouco nem tarde para lembrar: a direita brasileira ressurgiu em 2018, com a vitória de Bolsonaro na eleição presidencial; se consolidou em 2022, com a derrota do ex-presidente para Lula por uma diferença mínima de votos e agora está integrada ao cenário político do país. Tem o direito democrático de disputar qualquer pleito, porém nunca o direito de golpear a democracia, como fizeram os generais de 1964 e os bolsonaristas na tentativa golpista do 8 de janeiro de 2023.

É urgente resistir desde já, com as armas de que cada um dispõe. Vem da França o último exemplo. Surpreendidos com a vitória da extrema direita no primeiro turno das eleições parlamentares, a esquerda e o centro se uniram no segundo turno e venceram a eleição. As alianças progressistas são, portanto, um caminho. As eleições municipais deste ano darão outros sinais. Precisamos ter a competência e a grandeza necessárias para decifrá-los.

@blogdojamildo