Reforma, Regulação e Resistência: a educação jurídica sob o olhar dos clássicos

"Reforma, Regulação e Resistência: a educação jurídica sob o olhar dos clássicos" é do mestre em Educação e diretor da Editora da OAB-PE, Inácio Feitosa

Inácio Feitosa

por Inácio Feitosa

Publicado em 28/05/2025, às 16h14 - Atualizado às 16h29

Faculdade de Direito do Recife - Reprodução
Faculdade de Direito do Recife - Reprodução

No Brasil, a educação jurídica nunca foi apenas um debate pedagógico — sempre refletiu uma disputa de poder, ideologia e projetos de sociedade. Ao revisitar os autores que dialoguei em minha dissertação de mestrado em 2006, percebo que as reflexões feitas à época continuam atuais — e talvez ainda mais urgentes. Diante da banalização da formação jurídica, da mercantilização das instituições de ensino superior e da judicialização do conhecimento, é necessário recuperar as vozes críticas que já alertavam para esse cenário.

O ponto de partida é o próprio Estado. Como lembrei na pesquisa,“o Estado moderno se transforma quando pressionado por crises fiscais e exigências de mercado” (AFONSO, 2001). Bresser Pereira, ao propor o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado em 1995, buscou substituir a administração burocrática por uma gestão pública gerencial. Essa transição, embora apresentada como modernização, carregava um projeto ideológico: reduzir a presença direta do Estado nos serviços sociais, entre eles a educação.

Autores como Emir Sader e Pablo Gentili foram contundentes ao afirmar que o neoliberalismo — que inspirou reformas no Brasil, Chile, Reino Unido e Estados Unidos — busca transferir a responsabilidade social do Estado para o mercado. “Os vilões do atraso econômico passam a ser os sindicatos, as conquistas sociais, a igualdade”, afirmava Sader (1995, p. 147), denunciando a inversão dos valores promovida pelo pensamento liberal.

Na mesma linha, Marilena Chauí identificava na reforma educacional uma estratégia perversa: “transformar a educação de direito em serviço e a universidade em prestadora” (CHAUÍ, 1999). Essa lógica, baseada em indicadores de desempenho e controle por resultados, desumaniza o processo formativo e o reduz a uma relação contratual entre consumidor e fornecedor.

É nesse contexto que a educação jurídica é atacada em sua essência. O modelo tradicional de formação, centrado em fundamentos éticos, filosóficos e históricos, dá lugar a treinamentos tecnicistas voltados à prova da OAB. O mercado impõe seu ritmo, sua lógica e seus critérios. Como observou Dias Sobrinho (2003), “as reformas da educação superior são praticadas para que as instituições ganhem mais eficiência e se ajustem às novas realidades do mercado” — não necessariamente para educar cidadãos conscientes de seus direitos e deveres.

Norman Fairclough, em sua teoria da Análise do Discurso, nos alerta que toda norma, toda política pública, todo parecer técnico carrega ideologia. “Os discursos refletem a visão de mundo dos proponentes de suas políticas” (FAIRCLOUGH, 2001). Por isso, analisar os textos do MEC e da OAB não é apenas interpretar palavras: é compreender os interesses históricos por trás de cada mudança.

Diante desse panorama, retomo a tese que defendi com mais convicção ao fim da pesquisa: a educação jurídica não pode ser capturada nem pela burocracia estatal nem pelo corporativismo profissional. É preciso garantir um espaço de autonomia intelectual e compromisso social. Para isso, precisamos retomar a centralidade da universidade pública, plural e crítica, como apontam autores como Frigotto (2002) e Leher (2001), ao resistirem ao desmonte promovido sob o manto da modernização.

Educar em Direito, em 2025, exige mais do que aprovar no exame da Ordem. Exige formar sujeitos capazes de compreender o papel das instituições, os limites da norma, os conflitos da sociedade e as brechas para a justiça. Como dizia Victor Hugo, e destaquei na epígrafe do meu trabalho: “Chega sempre a hora em que não basta apenas protestar: após a filosofia, a ação é indispensável.”