Estabilidade é uma garantia jurídica de imparcialidade e resguardo, não é um privilégio. O fim do Regime Jurídico Único não significa precarização.
Rosa Freitas | Publicado em 15/11/2024, às 15h32 - Atualizado às 16h30
Muitas pessoas, e até mesmo não leigos, criticam a estabilidade dos servidores públicos. Outros acusam os servidores de difíceis de relacionamento político ou ainda de peças de museos da administração pública.
Por trás de tanta gente que fala mal e procura desconstruir as garantias de estabilidade (impossibilidade de demissão sem justa causa e inexistentes condições específicas) há interesses escusos e contrários ao interesse público.
Os servidores públicos concursados, efetivos e estáveis representam a garantia cidadã de imparcialidade, autonomia e preservação dos direitos e interesses das sociedade. São eles que garantem a continuidade dos serviços públicos diante das alternâncias de poder e gestão e a proteção dos cidadãos em face das tentativas de usurpação do patrimônio público e violaçãode direitos.
Como poderia um servidor se negar a praticar atos ilegais ou ilegítimos se não tivessem a garantia da estabilidade?
Os servidores públicos, salvo exceções, são regidos pelo Regime Jurídico Único, que no âmbito da União é a Lei n.° 8.112/90, já nos âmbitos subnacionais serão regidos por normas estaduais e municipais, de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo local, na forma do Art. 61, Parágrafo 1°, da Constituição Federal, segundo o princípio da simetria.
O STF julgou recemente a constitucionalidade da Emenda Constitucional n.° 19/1988, questionada pela ADI n.° 2135/DF, de autoria dos Partidos dos Trabalhadores - PT. Na referida emenda haveria a possibilidade das administrações públicas nacional e subnacionais contratarem servidores pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT.
Após muitos anos 'em brancas nuvens" ressurgiu nos debates do STF (como o carcará que vigia o nascimento do cabrito recém-nascido) e teve a constitucionalidade confirmada.
Em interpretação da decisão do STF, somente as carreiras estatais típicas e essenciais (auditores, procuradores, delegados, juízes, ministério público...) seriam reguladas pelo RJU, podendo as demais seguirem a sistemática celetista.
Para acalmar os servidores em atividade, a decisão não se aplica retroativamente, assim, somente para novas contratações poderão ser reguladas pela CLT.
Ainda não há normas infraconstitucionais regulando a matéria, porém a ministra Ester Dweck, do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, já estuda e, provavelmente, já deve ter um projeto sobre o tema.
Esse mesmo ministério já estava estudando a possibilidade de normalizar a contratação de temporários. O entendimento é que não haveria ilegalidade, pois temporário não significa precário.
O Regime Jurídico Único - RJU subsiste para carreiras de Estado, mas não para outras funções. Considero que as áreas de educação e saúde serão as mais afetados pelas mudanças, além de outras áreas ligadas à infraestrutura.
Não! Como ocorre em carreiras como as das estatais e sociedades de economia mista (Banco do Brasil, a Petrobras, os Correios, a Caixa Econômica Federal, a CHESF e outros), os concursos continuarão a existir.
O que justifica a existência de concurso não é a estabilidade, mas a necessidade de acesso impessoal e profissionalismo dos serviços públicos.
Sim, pelo menos na forma que conhecemos.
Da mesma forma que ocorre para os trabalhadores das estatais e economia mista não há estabilidade, o que não significa que esses empregados sejam afastados do mesmo modo que na iniciativa privada, sem justa causa e discricionariamente.
A nova regulação para esses cargos devem garantir FGTS, aposentadoria pelo INSS e outros direitos. Será possível a existência de Programas de Demissão Voluntária - PDV, e mesmo a dispensa de trabalhadores, conforme a necessidade do órgão. Serão servidores celetistas, não precarizados.
Acredito que a tendência já se desenhava no sentido de termos sistemas de contratação que flexibilizassem a possibilidade de desligamento dos servidores. Mas nunca podemos tolerar que o assédio no ambiente de trabalho no sentido que os servidores sigam "determinações" ilegais e que causem prejuízos à administração pública sob ameaça de desligamento.
A autonomia dos servidores e os deveres de probidade administrativa, legalidade e impessoalidade continuam a garantir a proteção imprescindível na defesa dos interesses públicos e da coletividade.
O PT foi o partido que encabeçou a ADI n.° 2135/DF e perdeu no STF. Com voto contrário de ministros indicados pela atual gestão, a constitucionalidade, do que o PT já considerou ser inconstitucional, prevaleceu.
Para quem acompanha o debate sobre a regulação da contratação de temporários sabe que o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos do Brasil já considerava a hipótese de regulação da contratação de servidores temporários e agora há o ambiente propício para isso.
O espírito cigano que habita em mim vê que em breve, passada essa fumaça, o presidente Lula (PT) irá encaminhar Projeto de Lei sobre a matéria, que já deve estar pronto inclusive. Não chegará ao fim do primeiro semestre de 2025 o debate no Congresso Nacional e será aprovado com folga.
1. Poderá haver contratação pelo regime da CLT para novos concursos;
2. O fim da estabilidade não significa precarização;
3. Não se aplica aos contratos em curso;
4. Deve haver a regulação da matéria por norma infraconstitucional em cada esfera federal e subnacional de iniciativa do Chefe do Poder Executivo respectivo.
5. Os iludidos acharam que tudo aconteceu por acaso e que o PT não ousaria regulamentar a matéria, já os realistas têm certeza que o fará sem cerimônia.
Os impactos no mercado de trabalho e de concurso público só saberemos com o tempo. Não sendo possível, como no jogo de cartas ciganas, descortinar o futuro.
Rosa Freitas é doutora em Direito, advogada, servidora pública e consultora do Instituto IGEDUC.
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