Artigo destaca iniciativas que integram primeira infância às políticas habitacionais urbanas, colocando crianças no centro do planejamento de estados
Rogério Morais | Publicado em 30/12/2025, às 06h57 - Atualizado às 07h15
O artigo destaca que, além da escola e da creche, o ambiente onde a criança vive nas demais horas do dia é determinante para seu desenvolvimento.
Com base no conceito de “é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança” , defende-se que políticas de habitação também devem priorizar a primeira infância.
A Coalizão Urban95 Habitação, formada por organizações como Instituto PIPA, Fundação Van Leer e construtoras, tem influenciado programas habitacionais estaduais, levando Pernambuco e Sergipe a incluírem critérios infantis em editais.
A iniciativa também estimulou mudanças no Minha Casa Minha Vida e no Selo Azul da Caixa.
O movimento quer mostrar que planejar cidades a partir das crianças fortalece vínculos, melhora a qualidade de vida e aponta para um futuro urbano mais humano e sustentável.
Por Rogério Morais, em artigo enviado ao site Jamildo.com
Enquanto damos cada vez mais atenção à ampliação do acesso a creches e a educação integral, com crianças passando até 8 horas por dia nesses serviços, esquecemos de uma pergunta crucial: e as outras 16 horas do dia?
E os finais de semana e as férias, onde ela está ou deveria estar?
Onde e como essa criança vive a maior parte do seu tempo pode determinar de forma contundente seu desenvolvimento, sua saúde física e emocional, e suas oportunidades futuras.
Um lar digno, com saneamento básico, cercado por sua família, comunidade e em um território que favoreça vínculos e brincadeiras, é tão essencial quanto a própria educação formal nos primeiros anos de vida.
Esse olhar ampliado encontra eco em um provérbio nigeriano que nos lembra: “É preciso uma aldeia inteira para educar uma criança.”
Essa expressão carrega séculos de sabedoria cultural, que traz a visão de que a educação e o cuidado infantis não são responsabilidade de apenas um serviço ou setor, mas de toda uma comunidade e de seu ambiente.
Em termos científicos, o Modelo Ecológico do Desenvolvimento Humano de Urie Bronfenbrenner nos ensina que o desenvolvimento da criança é moldado por múltiplos sistemas interconectados, que interagem ao longo do tempo e influenciam o crescimento e o bem-estar de forma profunda.
No Brasil, um movimento inovador tem crescido nessa direção: a Coalizão Urban95 Habitação, formada pelo Instituto PIPA, a Fundação Van Leer, o escritório de arquitetura Estúdio +1, a Viana e Moura Construções e o Fórum Norte Nordeste da Indústria da Construção.
Essa Coalizão busca incidir diretamente sobre a política pública de habitação, integrando princípios da primeira infância a programas habitacionais.
A trajetória começou em 2018, quando a Viana e Moura lançou um projeto social voltado para crianças, que evoluiu para o Instituto PIPA, e em 2023 inaugurou a Praça PIPA em Caruaru (PE), uma ação que impactou positivamente as famílias, fortaleceu laços com o poder público e agregou valor ao produto habitacional.
Essa experiência motivou a busca por parcerias com a Fundação Van Leer, que lidera no Brasil a iniciativa Urban95, uma abordagem global que convida gestores, urbanistas e lideranças a repensar cidades e políticas a partir da perspectiva de uma criança de 95 cm de altura, ou seja, colocando os pequenos e seus cuidadores no centro do planejamento urbano e de serviços públicos.
Com essa união, a Coalizão tem alcançado avanços concretos.
Pernambuco foi pioneiro ao inserir no seu programa estadual de habitação, o Morar Bem, critérios que melhoram a habitabilidade para crianças, incluindo áreas de lazer para as mais novas nos editais, modelo que inspirou Sergipe a fazer o mesmo no Casa Sergipana.
Mais recentemente, durante o encontro do FNICC em Teresina, o Piauí também anunciou incentivos alinhados ao Urban95 no seu programa estadual, e o Secretário Nacional de Habitação, Augusto Rabelo, anunciou que critérios focados na primeira infância serão adotados de forma pioneira em um empreendimento federal do Minha Casa Minha Vida em Imperatriz (MA).
Outro sinal importante desse movimento transversal é a decisão da Caixa Econômica Federal de revisar e incluir critérios focados na primeira infância no seu Selo Azul, uma certificação socioambiental que reconhece empreendimentos habitacionais com boas práticas de sustentabilidade, qualidade urbana, conforto, gestão da água, desenvolvimento social e inovação, incentivando projetos que vão além do básico e promovem qualidade de vida no ambiente construído.
Esses avanços mostram que a política de primeira infância não é um tema isolado da educação ou da assistência social, mas uma pauta transversal que deve ser incorporada em políticas urbanas, de habitação, mobilidade e planejamento territorial.
O Brasil tem agora a oportunidade de se tornar um exemplo internacional de urbanidade mais humana onde crianças crescem em lares dignos, em bairros que protegem e potencializam suas interações, vínculos e brincadeiras, e onde toda a “aldeia” contribui para educar e cuidar de cada nova geração.
Esse movimento de advocacy está dando resultados rápidos, e sua consolidação dependerá de que essas diretrizes se traduzam em empreendimentos reais que adotem esses critérios de forma ampla e consistente.
Em um mundo que cada vez mais valoriza cidades saudáveis, inclusivas e sustentáveis, colocar as crianças no centro do planejamento urbano e habitacional é investir no futuro de todos nós.
Rogério Morais é diretor executivo do Instituto Primeira Infância Plantar Amor (PIPA)