Leia íntegra da decisão que concedeu habeas corpus a Gusttavo Lima

Decisão em favor de Gusttavo Lima foi publicada nesta terça-feira por desembargador do TJPE

Jamildo Melo

por Jamildo Melo

Publicado em 26/09/2024, às 10h33

Decisão do TJPE liberou o cantor famoso de restrição de liberdade - Foto: Reprodução / TJPE
Decisão do TJPE liberou o cantor famoso de restrição de liberdade - Foto: Reprodução / TJPE

Tribunal de Justiça de Pernambuco
Poder Judiciário

Gabinete do Des. Eduardo Guilliod Maranhão 4ª CCRIM 4ª CÂMARA CRIMINAL

Habeas Corpus Criminal nº 0000008-65.2024.8.17.9902
Impetrante: Luiz Fábio Rodrigues Carvalho de Souza
Paciente: Nivaldo Batista Lima

Autoridade Coatora: Juízo de Direito da 12ª Vara Criminal da Capital/PE.

DECISÃO INTERLOCUTÓRIA/OFÍCIO Nº233

Cuida-se de Habeas Corpus, com pedido liminar, nos termos do art. 660, §2º, do Código de Processo Penal, impetrado em favor de Nivaldo Batista Lima, em face da decisão exarada pelo Juízo de Direito da 12ª Vara Criminal da Capital/PE, que, nos autos do Inquérito Policial nº 0022884-49.2024.8.17.2001, decretou a prisão preventiva do paciente referendado, a suspensão do passaporte e do certificado de registro de arma de fogo, bem como de eventual porte de arma de fogo, dentre outras medidas cautelares.

O impetrante alegou, em suma, que: a) a prisão cautelar foi decretada sem observância ao regramento contido no art. 282, §4º, do CPP, uma vez que o Ministério Público não formulou requerimento neste sentido;

b) ademais, por dizer respeito a uma prisão provisória, não se aplica a hipótese contemplada no art. 387, §1º, do CPP;

c) portanto, mister se faz respeitar as determinações insculpidas nos artigos 282,312 e 313, todos do CPP; d) outrossim, com a inserção do art. 3º-A ao Código de Processo Penal, através da Lei nº 13.964/2019, e com a supressão do termo “de ofício” compreendido no art. 282, §§ 2º e 4º, e no art. 311, todos do CPP, resta privilegiado o regime do sistema acusatório, o qual outorgou ao Parquet a relevante função institucional de “promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei”, nos termos do art. 129, inciso I, da Constituição Federal, ressalvada a hipótese prevista no art. 5º, inciso LIX, da Constituição Federal;

e) além do mais, a constrição preventiva deverá ser pautada em fatos contemporâneos ao cometimento do ilícito, contudo não sucedeu no caso em destaque porquanto, embora a autoridade policial tenha requerido a prisão preventiva, a decretação ocorreu, apenas, em 23.09.2024;

f) destarte, com fulcro no princípio da atualidade do perigo, não há justificativa para a aplicação da prisão preventiva, uma vez ser essa medida excepcional e gravosa;

g) frise-se, ainda, a ausência dos requisitos imprescindíveis à decretação do recolhimento cautelar, os quais encontram-se elencados no art. 312 do CPP. Assim sendo, requereu: i) a concessão da medida liminar, possibilitando ao paciente responder em liberdade, uma vez que assume os devidos compromissos legais, mediante termo de comparecimentos a todos os atos judiciais; ii) por consequência, a expedição do Salvo Conduto e a revogação da prisão preventiva, na forma do art. 316 do CPP; iii) subsidiariamente, a substituição da preventiva por medidas cautelares diversas do recolhimento prisional, nos termos do art. 319 do CPP.

É o relatório. Decido.

De início, registro que fui designado como responsável pelas decisões de urgência em recursos e impugnações contra as decisões do magistrado singular nos autos do Proc. 0022884-49.2024.8.17.2001 por designação do Exmo. Des. Presidente deste TJPE, nos autos do Conflito de Competência nº 0047428-56.2024.8.17.9000, o qual pende de julgamento pela egrégia Seção Criminal desta Corte de Justiça.

Conforme relatado, o Juízo de Direito da 12ª Vara Criminal da Capital/PE determinou a prisão preventiva do paciente por não vislumbrar, no momento, nenhuma outra medida cautelar menos gravosa capaz de garantir a ordem pública.

Portanto, acolheu o requerimento formulado pela autoridade policial e, consequentemente, afastou a manifestação do Ministério Público de Pernambuco quanto à substituição do recolhimento prisional por medidas cautelares diversas.

Nesse sentido, segue trecho do referendado decisum: “ (...). Assevera a autoridade policial que “no dia de hoje, 15/09/2024, por intermédio da análise do RIF de intercâmbio nº 11646 do SEI-C nº 154.348, verificamos que na comunicação nº 50670638, cujo Titular É a empresa GSA EMPREENDIMENTOS E PARTICIPACOES LTDA, 20.460.653/0001-60, cujo único sócio é o Nivaldo Basta Lima, CPF 405.100.710-03, as empresas investigadas Zelu Brasil Facilitadora de Pagamento e Pix 365 Soluções Tecnológicas, remeteram à GSA entre 01/01/2023 a 31/12/2023, respectivamente R$ 5.750.000,00 em 14 PIXs na Conta 1125-2, Agência 0001, Banco 273 e R$ 200.000,00 em 1 PIX na Conta 13889-4, Agência 4480, Banco 11907520, respectivamente.

Na mesma comunicação, a GSA, remeteu para Nivaldo Basta Lima, R$ 1.350.000,00 em 5 TEDs nas - Conta 205000-5, Agência 19, Banco 1, 2 TEDs Enviados - Conta 18012-2, Agência 178, Banco 237 Os sócios da Zelu Brasil Facilitadora Rayssa Rocha e Thiago Rocha, além dos sócios da Pix365 Soluções Tecnológicas, José André e Aislla Sabrina, foram indiciados no mesmo inquérito policial.

Como constatamos que a empresa PIX 365 é a casa de apostas esportivas vai de bet e que a Zelu Brasil é a intermediadora de pagamento tanto da vai de bet como da esporte da sorte (Sports Entretenimento), além do que a PIX 365 tem contrato com a GSA, representando a Balada Eventos, infere-se que a vai de bet (PIX365), efetuou pagamento de R$ 5.750.000,00 à GSA, por meio da Zelu Brasil facilitadora de pagamento, além de ter enviado R$ 200.000,00 diretamente à GSA.

Caso idêntico fora constatado e informado no Relatório entre a investigada Deolane Bezerra Santose a Esportes da Sorte (Sports Entretenimento) por meio da outra investigada Pay Brokers.

Registre-se que na comunicação do RIF em comento, discrimina-se o envio de recursos de R$18.727.813,40 de crédito à empresa GSA durante todo ano de 2023, dos quais R$5.950.000,00 foram oriundos de duas empresas investigadas nos autos do presente inquérito policial, o que representa 31,77% de toda movimentação a crédito, e deste montante, R$ 1.350.000,00 foi transferido da GSA à conta pessoa física de Nivaldo Basta Lima, Gustavo Lima”.

Por fim, sustenta a autoridade policial “Há, portanto, indícios suficientes da participação dele no crime de lavagem de dinheiro que foi investigado no Inq. Policial nº2023.0236.0000-36”. Outrossim, cumpre destacar que a relação entre NIVALDO BATISTA LIMA e os foragidos (RAYSSA FERREIRA SANTANA ROCHA, THIAGO LIMA ROCHA, JOSÉ ANDRÉ DA ROCHA NETO, AISLLA SABRINA TRUTA HENRIQUES ROCHA) deve ser encarada com extrema cautela, uma vez que, em tese, apresenta características espúrias e duvidosas.

No dia 1º de julho de 2024, NIVALDO BATISTA LIMA adquiriu uma participação de 25% na empresa Vai de Bet, o que acentua ainda mais a natureza questionável de suas interações financeiras. Essa associação levanta sérias dúvidas sobre a integridade das transações e a legitimidade dos vínculos estabelecidos.

É imperioso destacar que NIVALDO BATISTA LIMA, ao dar guarida a foragidos, conforme se visualiza no ID nº 181546277, demonstra uma alarmante falta de consideração pela Justiça. Sua intensa relação financeira com esses indivíduos, que inclui movimentações suspeitas, levanta sérias questões sobre sua própria participação em atividades criminosas.

A conexão de sua empresa com a rede de lavagem de dinheiro sugere um comprometimento que não pode ser ignorado. Ademais, é crucial ressaltar a proximidade entre os foragidos José André da Rocha Neto e Aislla Sabrina Henriques Truta Rocha. No dia 7 de setembro de 2024, o avião de matrícula PS-GSG retornou ao Brasil, após fazer escalas em Kavala, Atenas e Ilhas Canárias, pousando na manhã do dia 8 de setembro no Aeroporto Internacional de Santa Genoveva, em Goiânia.

Curiosamente, José André e Aislla não estavam a bordo, o que indica de maneira contundente que optaram por permanecer na Europa para evitar a Justiça. Na ida, a aeronave transportou NIVALDO BATISTA LIMA e o casal de investigados, seguindo o trajeto Goiânia – Atenas – Kavala. No retorno, o percurso foi Kavala – Atenas – Ilhas Canárias – Goiânia, o que sugere que José André e Aislla possam ter desembarcado na Grécia ou nas Ilhas Canárias, na Espanha.

Esses indícios reforçam a gravidade da situação e a necessidade de uma investigação minuciosa, evidenciando que a conivência de Nivaldo Basta Lima com foragidos não apenas compromete a integridade do sistema judicial, mas também perpetua a impunidade em um contexto de grave criminalidade.

É fundamental ressaltar que, independentemente de sua condição financeira, ninguém pode se furtar à Justiça. A riqueza não deve servir como um escudo para a impunidade, nem como um meio de escapar das responsabilidades legais.

A aplicação da lei deve ser equânime, assegurando que todos, independentemente de sua posição social ou econômica, respondam por suas ações. A tentava de se eximir das consequências legais por meio de conexões financeiras é uma afronta aos princípios fundamentais do Estado de Direito e à própria noção de justiça.

É essencial enfatizar que a Justiça, por sua natureza, é cega e não deve ser afetada por condições financeiras. Ninguém pode escapar de suas responsabilidades, independentemente de sua riqueza ou influência. O dinheiro não deve servir como um escudo contra a impunidade, nem como uma forma de evitar obrigações legais.

A aplicação da lei deve ser justa e imparcial, assegurando que todos, independentemente de sua posição social ou econômica, respondam por suas ações. Tentar esquivar-se das consequências legais por meio de conexões financeiras, em uma verdadeira afronta ao cumprimento das decisões judiciais e às requisições das autoridades policiais, é uma violação à lei que deve ser cumprida por todos, sem exceção.”

Nos termos do predito ato judicial, a magistrada do 1º grau asseverou que o fato do paciente ter adquirido uma participação de 25% na empresa Vai de Bet, cujo proprietário é José André da Rocha Neto, enfatizaria as discutíveis interações financeiras, assim como a autenticidade dos liames instituídos. Todavia, a retromencionada fundamentação não constitui lastro plausível capaz de demonstrar a existência da materialidade e do indício de autoria dos crimes insculpidos no art. 1º, caput, § 1º, incisos I, II, e III, §2º, inciso I, todos da Lei nº 9.613/98, com as alterações da Lei nº 12.683/2012, c/c o art. 2º da Lei nº 12.850/2013.

Outrossim, a juíza a quo assegurou, também, que o fato do paciente ter viajado na companhia de José André da Rocha Neto e de Aislla Sabrina Henriques Truta Rocha, com destino à Grécia, demonstraria ter “dado guarida a foragidos da justiça”. Entretanto, analisando o Relatório referente ao Inquérito Policial nº 0022884-49.2024.8.17.2001, depreende-se que o embarque em questão ocorreu em 01/09/2024, enquanto que as prisões preventivas de José André da Rocha Neto e a Aislla Sabrina Henriques Truta Rocha foram decretadas em 03/09/2024. Logo, resta evidente que esses não se encontravam na condição de foragidos no momento do retromencionado embarque, tampouco há que se falar em fuga ou favorecimento a fuga.

Destarte, da leitura da aludida decisão, constata-se que as justificativas utilizadas para a decretação da prisão preventiva do paciente e para a imposição das demais medidas cautelares constituem meras ilações impróprias e considerações genéricas.

Desconstituída, assim, de qualquer evidência material a justificar, nesse momento, a segregação cautelar. Imperioso frisar que o art. 312, do CPP, exige como requisito para decretação da prisão preventiva: a existência de prova do crime e indícios suficientes de autoria, a saber: “Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado”.

Neste sentido, trago à colação: “PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO GENÉRICA. GRAVIDADE ABSTRATA. EXTENSÃO DOS EFEITOS AOS CORRÉUS. AUSÊNCIA DE PARTICULARIDADES PESSOAIS. POSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA. A validade da segregação cautelar está condicionada à observância, em decisão devidamente fundamentada, aos requisitos insertos no art. 312 do Código de Processo Penal, revelando-se indispensável a demonstração de em que consiste o periculum libertatis.

2. No caso, o decreto de prisão preventiva é genérico, nele não havendo nenhuma menção a fatos que justifiquem a imposição da prisão cautelar. Carece, portanto, de fundamentação concreta, pois se limita a invocar a gravidade abstrata da conduta atribuída aos agentes, elemento ínsito ao tipo penal em tela e insuficiente para a decretação ou manutenção da prisão preventiva, sob pena de se autorizar odiosa custódia ex lege.

3. "Havendo identidade fático-processual entre os acusados na ação penal, uma vez que a fundamentação tida por inidônea é comum, não tendo sido indicado qualquer elemento subjetivo que obste a aplicação do art. 580 do CPP, deve ser estendida a soltura aos corréus por aplicação do princípio da isonomia" ( HC n. 404.673/SP, relator Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 17/10/2017, DJe 23/10/2017).

4. Ordem concedida para determinar que a paciente responda ao processo em liberdade, salvo se por outro motivo estiver presa, sem prejuízo de que seja decretada nova custódia, com base em fundamentação concreta, bem como de que sejam impostas outras medidas cautelares constantes do art. 319 do Código de Processo Penal pelo Juízo local, caso demonstrada sua necessidade, com a extensão dos efeitos deste acórdão aos demais corréus. (STJ - HC: 683750 MG 2021/0241674-8, Relator: Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Data de Julgamento: 14/12/2021, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/12/2021) (Grifo nosso)

Isto posto, concedo a liminar pretendida e, por consequência, determino a revogação da prisão preventiva decretada em face do paciente em epígrafe, nos autos do Proc. 0022884-49.2024.8.17.2001, .

Afasto, também, a suspensão do passaporte e do certificado de registro de arma de fogo, bem como de eventual porte de arma de fogo, e demais medidas cautelares impostas pelo Juízo a quo.

Acoste-se a cópia da presente decisão nos habeas corpus 0000009-50.2024.8.17.9902, 0049160-72.2024.8.17.9000 e 0000010-35.2024.8.17.9902, bem como encaminhe-se uma cópia ao magistrado singular para o devido conhecimento.

Cumpra-se. Intime-se.

Recife, data da certificação digital.
Des. Eduardo Guilliod Maranhão Relator

@blogdojamildo