Especialista diz que Fux traça roteiro para defesa e caminho para caso ser levado ao Plenário, reeditando argumento que anulou condenação de Lula
por Jamildo Melo
Publicado em 11/09/2025, às 08h16 - Atualizado às 08h27
O voto do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux, divergindo dos relatores Alexandre de Moraes e Flávio Dino, defendeu a anulação completa do processo contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete réus na ação que investigou a trama golpista. Seu voto abriu uma fresta jurídica que pode mudar drasticamente o destino do ex-presidente.
Fux argumentou que o processo está minado por três erros fatais, sendo o principal a "incompetência absoluta" do Supremo para julgar o caso. Segundo o ministro, os crimes imputados a Bolsonaro teriam ocorrido quando ele já não ocupava a Presidência da República. Sem o cargo, desaparece o foro por prerrogativa de função e a ação deveria tramitar na primeira instância da Justiça Federal.
Para a advogada criminalista e mestre em Direito Penal Jacqueline Valles, a argumentação de Fux ecoa diretamente o precedente que levou à anulação das condenações do ex-presidente Lula na Lava Jato. "As divergências apontadas por Fux são as mesmas que culminaram com a anulação do processo do Lula", explica, em informe ao site Jamildo.com.
Valles detalha o raciocínio do ministro: "Fux afirma que, se Bolsonaro não praticou os atos enquanto presidente, o artigo 102 da Constituição é claro. O fator temporal define a competência. Se os crimes ocorreram quando ele já não estava na função, quem deve julgar é um juiz singular, e não o STF".
O ministro questionou ainda o fato de o julgamento ocorrer em uma turma de cinco ministros, e não no Plenário, composto pelos onze membros da Corte. Jacqueline Valles explica que Fux não tem o poder de solicitar o julgamento pelo Pleno, mas ressalta que a defesa dos réus deve apresentar recurso para mandar o julgamento para o pleno.
Outro ponto levantado por Fux foi o que ele classificou como cerceamento do direito de defesa devido ao alto volume de material probatório (70 terabytes) entregue à defesa, que teve um prazo considerado exíguo para análise. “Os advogados não tiveram tempo proporcional nem razoável para analisar todo esse material probatório e apresentar as defesas. Fux afirma que a prática é contra os princípios da razoabilidade, do contraditório e da ampla defesa. Isso também dá margem para que a defesa recorra solicitando a nulidade do processo", afirma.
As perguntas que dominam o cenário político e jurídico são diretas: o julgamento será anulado? O julgamento será enviado ao Pleno agora? Bolsonaro pode ser inocentado agora? “A resposta imediata é não. O julgamento prossegue com os votos dos ministros Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. O voto de Fux traçou um roteiro claro para a defesa”, afirma Jacqueline.
A especialista, que tem mais de 30 anos de experiência em Tribunal do Júri, desenha os cenários possíveis. Se a divergência de Fux formar maioria, anula-se tudo. "Trata-se de uma nulidade absoluta, ou seja, não dá para aproveitar nenhum ato, porque desde o recebimento da denúncia, a decisão partiu de um juiz incompetente. As provas continuam existindo, mas todo o processo recomeçaria do zero na primeira instância", explica.
Se a divergência for minoritária, o que é o cenário mais provável, a defesa terá um trunfo poderoso: os embargos infringentes. "Tenho certeza de que os advogados entrarão com embargos infringentes. A lei não exige um número mínimo de votos divergentes para isso, basta a divergência. E o ponto crucial é que esse recurso deve ser julgado pelo Plenário do STF, não pela mesma turma", detalha Valles.
É neste ponto que reside a maior esperança da defesa de Bolsonaro. "Nesse momento, podemos ter aí sim uma virada de jogo", projeta a advogada. "Fux não pode pedir para levar ao Pleno, mas a decisão dele força esse caminho através do recurso. Se a lei for seguida à risca, o Plenário terá que decidir sobre a competência. E lá, o entendimento de Fux pode encontrar mais adeptos", conclui.