Relatório da CGU revela que cidades do interior do Nordeste concentram os maiores índices de golpe em benefícios previdenciários.
por Plantão Jamildo.com
Publicado em 03/05/2025, às 13h21
A região Nordeste concentrou proporcionalmente as maiores vítimas do esquema de descontos indevidos em aposentadorias e pensões do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), revelado pela Operação Sem Desconto, da Polícia Federal. Segundo auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU), 67% dos valores descontados irregularmente recaíram sobre aposentados do meio rural — a maioria residente em áreas remotas do Maranhão, Piauí, Pernambuco e Bahia.
Ao todo, 186 municípios brasileiros apresentaram mais da metade dos beneficiários com valores retidos por contribuições associativas, sem comprovação de autorização formal. Em 19 dessas cidades, o índice ultrapassou 60%, com destaque para pequenos municípios do interior nordestino.
“Identificou-se que 67% dos descontos a título de contribuições associativas foram em benefícios rurais, o que chama atenção, pois seria mais difícil obter a autorização do beneficiário para o desconto”, alertou a CGU.
Entre os locais mais afetados pelo esquema, Ribeiro Gonçalves (PI), Altamira do Maranhão (MA) e Vertente do Lério (PE) se destacam com os maiores percentuais de descontos. Em todas elas, 65% dos beneficiários foram atingidos.
Em Ribeiro Gonçalves, por exemplo, dos pouco mais de 1,2 mil aposentados e pensionistas, cerca de 65% estão sendo afetados por descontos em folha relacionados a associações, muitas vezes sem consentimento formal.
Segundo o relatório, os aposentados da zona rural estavam mais suscetíveis ao golpe por diversos fatores: acesso precário à internet, dificuldade de deslocamento até agências do INSS e baixa familiaridade com canais digitais. Essas barreiras dificultam tanto o reconhecimento de descontos indevidos quanto o seu cancelamento.
“Dada a dificuldade de acesso à internet em comunidades rurais, bem como para deslocamento a uma agência do INSS, seria muito mais difícil para a população rural conseguir realizar o cancelamento”, registrou a CGU.
Além disso, a CGU questiona o próprio sentido da prestação de serviços por parte das associações de aposentados em regiões tão isoladas:
“É mais remota a possibilidade de prestação de serviços pelas associações a esta população”, reforça o relatório.
Boa parte dos valores retidos irregularmente, segundo o levantamento, beneficiaram entidades ligadas à Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag), que foi alvo de buscas na operação policial.
A entidade nega irregularidades e afirmou, em nota, que “sempre atuou com ética e responsabilidade” e que está à disposição das autoridades para colaborar com as investigações.
O escândalo teve desdobramentos imediatos no primeiro escalão do governo federal. O então ministro da Previdência, Carlos Lupi (PDT), pediu demissão na última sexta-feira (2), após reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ele foi substituído pelo seu secretário-executivo, Wolney Queiroz, que já havia participado de reuniões em que o tema foi abordado em 2023.
Também caiu o presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, substituído por Gilberto Waller Júnior, procurador federal ligado à Advocacia-Geral da União (AGU).
A gestão Lula atribui o agravamento do problema à digitalização dos processos, que facilitou a adesão em massa de associações ao sistema do INSS. O número de entidades conveniadas saltou de 15 em 2021 para 33 em 2024.
“Das 11 entidades investigadas pela CGU, somente uma teve acordo assinado em 2023. As demais são de gestões anteriores. A atual gestão tomou ações imediatas para conter abusos”, informou o INSS em nota.
As medidas incluem: uso de biometria e assinatura eletrônica avançada nos novos contratos, limitação dos descontos a 1% do teto previdenciário e reformulação da Diretoria de Benefícios, que passou por mudanças em junho de 2024. A biometria, segundo o órgão, já está em pleno funcionamento desde fevereiro de 2025.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, declarou que o governo buscará compensar os aposentados lesados, mas que a forma de reparação ainda está sendo discutida:
“A orientação é, evidentemente, reparar o dano às pessoas que foram prejudicadas. A modelagem desse ressarcimento ainda está em estudo.”