Na era dos 'Booktokers', Bienal de PE celebra 30 anos entre "pop" e educação

Bienal Internacional de Pernambuco começa na próxima sexta-feira (03). O site entrevistou o organizador do evento e um dos creators participantes

Cynara Maíra

por Cynara Maíra

Publicado em 26/09/2025, às 10h14 - Atualizado às 12h12

Pessoas comprando livros na bienal, feira
Bienal de Pernambuco

Longe da famosa “crise dos 30 anos”, a Bienal Internacional do Livro de Pernambuco deve usar o marco na história do evento para se aproximar da juventude e da cultura literária das redes sociais, sem perder o vínculo com as áreas educativas que a tornaram conhecida.

Um fenômeno até então longínquo, com a maioria dos grandes influenciadores literários vindos do sul e sudeste até um período anterior à pandemia da covid-19, a edição desse ano promete incluir mais os comunicadores digitais e iniciar uma trajetória mais próxima do "pop".

A aposta ocorre enquanto o movimento literário nas redes sociais cresce. Segundo dados do Tiktok, o Brasil registrou mais de 2,6 milhões de vídeo e 2,5 bilhões de visualizações na hashtag #BookTokBrasil

Pouco mais de 20 anos mais velha, a Bienal de São Paulo já atende essa demanda desde o boom dos influenciadores do Youtube, os chamados Booktubers, em 2013.

Bienal de Pernambuco cada vez mais digital

Em Pernambuco, o espaço para inserção da cultura geek começou a entrar a partir de 2017 (11ª edição), com descentralização do conteúdo e atrações mais próxima desse grupo. O evento chegou a fazer atividades no Cinema São Luiz, na Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e em alguns Centros Comunitários da Paz (Compaz). Desde a 11ª edição, a feira conta com o espaço Artists’ Alley, voltado para exposição de artistas, ilustradores e quadrinistas independentes, em um formato comum em Comic Cons.

Lado a lado sorriem Rogério Robalinho e Guilherme Robalinho
Rogério (à esquerda) e Guilherme Robalinho (à direita) são organizadores da Bienal de Pernambuco - Bienal de Pernambuco

Em entrevista para o Jamildo.com, um dos organizadores da Bienal de Pernambuco Guilherme Robalinho afirmou que o evento sempre buscou acompanhar os movimentos da sociedade, mas que a pandemia acelerou o olhar para o digital e como os hábitos de leitura e consumo se aproximaram das plataformas online.

Na edição de 2021, por exemplo, onde fomos a primeira iniciativa do gênero em retomar às atividades, a Bienal foi totalmente híbrida, com ações presenciais e virtuais. Percebemos aí, que para dialogar com os novos leitores, era necessário trazer para a nossa ação também os códigos, as linguagens e as vozes que circulam no universo digital”, afirmou.

Influenciadores literários cada vez mais na Bienal

Sobre esse tema, Robalinho também citou a maior inserção de influenciadores literários. Pela primeira vez, o evento colocará os criadores de conteúdo para narrar a bienal, mediando paineis, publicam em colaboração com o perfil do evento e participam do podcast da feira, também novidade deste ano. O termo "narrador" seria por esses comunicadores contarem a história da feira junto com a organização. 

Até então, os influenciadores podiam pedir credenciamento, como o de imprensa, mas essa é a primeira vez que os comunicadores digitais poderão ser remunerados ao participar do evento. Além dos três narradores, a bienal também promoveu uma ampliação do número de creators contemplados pelo evento. 

Um dos selecionados para o grupo de creators da feira literária, Luny (@worderluny) é influenciador, escritor e mestrando em Literatura pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) falou com o Jamildo.com sobre a experiência. 

Perfil do Instagram de Luny, sua bio está escrito "escrevo de menos o que penso demais, ator escritor e bookcreator nas horas vagas)
Luny tem um Instagram e Tiktok voltados para o conteúdo literário, ele também é autor - Reprodução Instagram

Luny aponta que considera a mobilização da Bienal este ano como "um primeiro passo" para se tornar um evento maior, com maior notoriedade para além das escolas, chegando em públicos mais ligados com a linha de entretenimento da literatura. 

Como uma pessoa que conheceu o evento por meio das visitas como aluno , o creator cita que percebia pouca notoriedade para Bienal de Pernambuco para além do meio educacional:"Na universidade, por exemplo, eu não via ninguém falando sobre e olha que eu fiz letras". 

Guilherme diz que a aproximação de influenciadores foi um processo natural pelo nível de influência dos criadores na opinião dos leitures, principalmente os mais jovens.

Os jovens já não consomem cultura apenas pelos meios tradicionais, e ignorar os criadores digitais seria perder a oportunidade de ampliar o alcance da Bienal. O gatilho foi entender que a presença deles não dilui a essência da nossa iniciativa, mas fortalece o vínculo com novas gerações e contribui com a formação de novos leitores, inclusive”, diz. Luny também cita que considera que a mudança de postura da bienal já ajuda para que mais pessoas falem sobre o tema e mais editoras tenham interesses de investir em um evento fora do Sudeste

Sobre a busca por atrações para o evento, os organizadores do evento declaram que trazer nomes importantes para literatura era mais difícil anteriormente, mas agora há maior interesse de artistas, editoras e influenciadores em dialogar com o Nordeste e em ver a Bienal como um evento forte. 

Para o escritor com perfil literário desde 2018, mas que começou a investir profissionalmente neste ano, a ampliação da bienal também garante a oportunidade para que se construa uma comunidade literária mais forte, fora do eixo Rio-São Paulo. 

Mesmo com a mobilização de autores internacionais e populares nacionalmente, Robalinho ressalta que sempre haverá espaço para valorização de escritores e da cultura pernambucana. "A Bienal nasceu em Pernambuco e tem como missão valorizar a produção local. Autores pernambucanos estão presentes em mesas, lançamentos, oficinas e ações educativas. Nosso papel é projetar esses nomes para além das fronteiras do Estado, conectando o regional e o global". 

O Artist's Alley, inclusive, será preenchido por ao menos 50% de autores pernambucanos. 

"A educação é a espinha dorsal da Bienal"

Apesar dessa mobilização através do “pop”, os organizadores da Bienal afirmam que não perderão o teor educacional. A ideia seria utilizar as atrações mais populares, principalmente entre os mais jovens para garantir fluxo, engajamento e mídia espontânea, de forma a ajudar o pilar educacional da feira, tanto por formar novos leitores como por levar outros grupos para atividades mais tradicionais da bienal.

O equilíbrio se dá na programação: nunca deixamos de garantir espaços dedicados a professores, escolas e bibliotecas. A aposta é que os públicos se misturem — quem vem por uma atração pop descobre autores e projetos educacionais, e vice-versa [...] A educação é a espinha dorsal da Bienal, o diálogo com influenciadores e atrações pop naõ substitui esse pilar, apenas amplia o alcance da mensagem”.

Formado em letras, Luny também comenta sobre a importância da leitura pelo entretenimento para formação do leitor para além da escola.

"A questão da leitura por fruição ajuda tanto na formação da pessoa leitora quanto do aluno leitor porque incentiva que a pessoa encare a leitura como algo para vida, não apenas uma obrigação que fica na escola", explica. 

Ele argumenta que os influenciadores podem ter um papel transformador ao apresentar a literatura de uma forma menos impositiva que a escola, em que muitas vezes o texto serve apenas como um pretexto para outros ensinamentos. Para ele, a literatura é um direito que vai além do corpo físico. "É um direito da mente. As sociedades geralmente não colocam a literatura como direito básico, mas ela faz parte da vida das pessoas desde sempre", comenta.

Espaços educacionais aumentam na Bienal de 2025

A bienal, inclusive, conseguiu expandir o espaço para educação na feira, neste ano duas novidades chamam atenção para o setor:

  • "Lugar de Acesso", espaço dedicado ao debate sobre acessibilidade e inclusão no campo literário e cultural. Além dos debates, o espaço também terá um abrigo sensorial, para auxiliar pessoas com neurodivergências ou transtornos sensoriais a reduzir estímulos e se reorganizar emocionalmente.
  • "Educativo Bienal", ampliação do “Bienalzinha”, com três espaços dedicados para uso exclusivo de crianças e adolescentes. As programações são organizadas por faixa etária, continuando com a bienalzinha, mas tendo atividades para além da primeira infância, voltada para promoção da leitura entre os jovens.

Sobre a questão da acessibilidade, Robalinho cita que uma das metas para o futuro da Bienal é torná-la cada vez mais “plural, inclusa, acolhedora e inovadora”.

Investimentos para Bienal

O principal desafio para alcançar esses objetivos, de acordo com Guilherme, seria encontrar patrocinadores que entendam o posicionamento de articular ações digitais, populares e educativas em um só espaço, principalmente no Nordeste do país. 

"Mesmo com os esforços feitos pelo Governo Federal em descentralizar os recursos da Lei Rouanet, as conquistas e desafios de quem produz cultura fora do eixo Rio São Paulo ainda é muito grande", diz o organizador. 

Segundo ele, custa cerca de R$ 6 milhões em mais de dois anos para garantir a pré-produção da Bienal. Esses recursos vêm de patrocínios, parcerias com instituições públicas e privadas, tanto por lei de incentivo, emendas ou através de recursos diretos. A comercialização dos ingressos e dos espaços também ajudam no investimento. 

Para viabilizar a estrutura, o evento conta com incentivo via Lei Rouanet e patrocínio de empresas como Petrobras, Banco do Nordeste e Itaú Unibanco. 

Robalinho aponta que um dos maiores desafios para execucação do evento é não haver um orçamento predefinido entre as edições, o que dificulta manter a constância e garantir a ampliação da Bienal para chegar em cada vez mais campos. 

Programação e Atrações da Bienal de Pernambuco

O Jamildo.com preparou um material interativo sobre a programação e as atrações da Bienal neste ano. Confira: