Articulista debate o que está em jogo na decisão brasileira de explorar reservas de petróleo na margem Equatorial norte das águas brasileiras
Rosa Freitas | Publicado em 12/02/2025, às 10h22
Rosa Freitas, em artigo especial para o site Jamildo.com
O debate sobre a exploração de petróleo na foz do Amazonas, abrangendo a extensa zona marítima dos estados do Pará e Amapá e que se estende até o Rio Grande do Norte, é de grande relevância.
A Petrobras, ciente do potencial da região para substituir as reservas nacionais em declínio do pré-sal, busca autorização para a exploração. No entanto, o Ibama manifesta preocupações quanto aos riscos de danos ambientais, enfatizando a necessidade de preservação do ecossistema único e diverso presente na área.
Desde julho de 2024, o Ibama solicitou medidas extras e a adequação do pedido de licença.
A resistência do órgão ambiental tem sido constante ao longo dos anos, impedindo a concretização dos planos da Petrobras na costa do Amapá, o ponto mais próximo da margem Equatorial.
A foz do Amazonas, com suas ilhas e a singular interação entre o rio e o mar, coloca o Brasil diante de um desafio complexo: conciliar alternativas econômicas, preservação ambiental e transição energética.
A problemática se estende além das fronteiras nacionais, uma vez que a área em questão faz fronteira com a Guiana, país que já explora petróleo em sua bacia marítima.
Desde a descoberta da ExxonMobil em 2015, a produção de petróleo na Guiana tem crescido exponencialmente, com projeções de alcançar 1,2 milhão de barris por dia em 2027.
O petróleo tem impulsionado o crescimento econômico do nosso vizinho, podendo torná-lo o maior produtor da América do Sul em breve. O Suriname, por sua vez, também explora petróleo por meio de sua estatal, a Staatsolie. A Guiana Francesa também extrai petróleo offshore.
Diante desse cenário, o Brasil se vê diante da necessidade de tomar decisões estratégicas que considerem tanto o potencial econômico da exploração de petróleo da margem Equatorial quanto os riscos ambientais envolvidos.
Também deve levar em conta o contexto internacional e a crescente exploração de petróleo nos países vizinhos.
O que está em jogo na relação Brasil-Guiana em suas fronteiras marítimas?
Não somente as questões econômicas são importantes; a proximidade dos vizinhos que têm poços coloca em risco o ecossistema brasileiro da região.
É importante entendermos os parâmetros internacionais sobre a exploração do território marítimo. E para isso, temos que compreender o Tratado de Montego Bay.
O Brasil é signatário do Tratado de Montego Bay. Mas o que essa norma internacional trata, afinal?
Também conhecido como Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), é um acordo internacional que estabelece as regras para o uso dos oceanos e seus recursos. Foi assinado em Montego Bay, Jamaica, em 1982 e entrou em vigor em 1995 (Decreto nº 1.530/1995) no Brasil, após o longo processo de convalidação e controle de convencionalidade.
As Milhas Marítimas estabelecem diferentes zonas marítimas, cada uma com diferentes direitos e responsabilidades para os Estados costeiros. As principais zonas são:
A ZEE é uma das principais inovações do Tratado de Montego Bay. Ela garante aos Estados costeiros o direito de explorar e gerir os recursos naturais em uma vasta área oceânica, o que é fundamental para a economia de muitos países.
A exploração de petróleo tanto nos recursos do pré-sal na Zona Econômica Exclusiva (ZEE), quanto na margem Equatorial, inserida nessa mesma faixa oceânica, coloca o Brasil diante de decisões estratégicas complexas. A exploração de petróleo por países vizinhos, como a Guiana, adiciona uma camada de pressão, assemelhando-se a um "canudo" que compete pelos recursos.
Diante desse cenário, o Brasil se encontra numa encruzilhada.
Ignorar o potencial petrolífero da margem Equatorial não é uma decisão econômica e política fácil, mesmo com os investimentos em transição energética e no "combustível do futuro" (Lei nº 14.992/2024), nos quais o país possui uma dianteira considerável.
A pressão do atual presidente do Senado Federal, o Senador pelo Amapá Davi Alcolumbre, reflete a importância da exploração da região, que poderia gerar royalties significativos para os estados do Pará e Amapá, apesar do tempo necessário para o início da produção.
A complexa questão centraliza o Brasil em um dilema: atender aos anseios econômicos imediatos ou priorizar uma plataforma de ação ambiental?
Como se inserir de forma estratégica na geopolítica regional?
A exploração de petróleo pela Guiana interfere ou não na ZEE do Brasil?
Como viabilizar o desenvolvimento sustentável para a região Norte do país?
As decisões exigem debates amplos e a análise cuidadosa dos polos de interesse em jogo: investir na exploração de petróleo ou priorizar a transição energética?
Apesar de o petróleo ser uma fonte fóssil em declínio, ainda é a matriz energética que alimenta e alimentará por anos o setor de transporte no Brasil em todos os modais (terrestre, aéreo e aquático).
A negligência com o modal ferroviário por anos no Brasil e o alto custo do transporte rodoviário em nosso país continental pressionam a economia, tanto na produção interna quanto na exportação. Com o envelhecimento dos poços, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) prevê que, a partir de 2030, haverá o declínio de produção caso não haja novos locais de extração.
No Brasil, a energia elétrica atingiu 93% de renovabilidade em 2023 (hídrica, biomassa, eólica e solar); no entanto, o petróleo e o gás natural ainda são matrizes energéticas cruciais, e a transição no setor de logística é lenta e ignorada. Além disso, a eficiência energética precisa ser aprimorada em todos os segmentos, tanto nos renováveis quanto nos não renováveis.
Já no conjunto das fontes energéticas, há uma queda na participação de petróleo e derivados, que passou de 39,2% para 35,1%, e do gás natural, de 13,5% para 9,6% no período. Mas essa redução acaba com a dependência do combustível fóssil?
Não! Ainda teremos algumas décadas de dependência, mesmo tendo o álcool de cana-de-açúcar, biodiesel, diesel verde e o aumento de veículos elétricos. Estes já nos impõem outros problemas ambientais, como o descarte das baterias.
O debate político sobre a autorização ou não para explorar os recursos do petróleo ocorre em um momento inoportuno: de um lado, Trump reassume a extração nos Estados Unidos e deixa o Acordo de Paris (o Brasil é signatário, conforme Decreto nº 9.073/2017); de outro lado, o Brasil vai sediar a COP 30, justamente em Belém. O discurso de sustentabilidade do governo definitivamente não combina com a abertura de nova fronteira de exploração.
Entre o pensamento desenvolvimentista do presidente Lula e o discurso de preservação do meio ambiente encabeçado por Marina Silva, a indecisão é o pior caminho. Toda exploração de recursos fósseis tem riscos. Há como garantir que não haja acidente? Óbvio que não. Mas o quanto estratégico seria investir em petróleo nesse fim de ciclo dos combustíveis fósseis?
Realmente, termino o texto sem saber se seria uma boa oportunidade a exploração da margem Equatorial. Mas suspeito que o governo já tomou sua decisão.
Rosa Freitas é doutora em Direito, pós-graduada em Transição Enérgica e novos negócios pela PUC-PR e autora de livros e artigos jurídicos, dentre eles 'A Reforma Tributária e seus impactos nos municípios', pela Editora Igeduc.