Rodrigo Augusto Prando explica como Rage bait, palavra do ano, expõe era da indignação fabricada e define conteúdo feito para te deixar com raiva
Rodrigo Augusto Prando | Publicado em 09/12/2025, às 06h55 - Atualizado às 07h08
A Universidade de Oxford escolheu “rage bait” como a palavra do ano de 2025, termo que define conteúdos feitos para provocar indignação e gerar engajamento nas redes sociais.
O conceito evidencia como a hiperconexão digital tem degradado o debate público e alimentado ataques, ódio e manipulação emocional.
Autores como Manuel Castells e Giuliano Da Empoli já alertavam para esse ambiente, marcado por algoritmos que privilegiam conteúdos provocativos por sua alta capacidade de viralização e monetização.
A “isca de raiva” também vem sendo usada na política, sobretudo por grupos da extrema direita, que exploram fake news e teorias conspiratórias para mobilizar seguidores.
Escapar dessa armadilha exige letramento digital, pensamento crítico e fontes de informação que vão além das redes sociais.
Por Rodrigo Augusto Prando, em artigo enviado ao site Jamildo.com
Novamente, a prestigiosa Universidade de Oxford – por meio do Oxford English Dictionary – divulga a palavra do ano. Obviamente, o termo, em inglês, costuma evidenciar aspectos da vida social para além do universo dos países anglófonos.
Em 2025, o termo escolhido é rage bait, que, em tradução livre, seria algo como “isca de raiva”. Na acepção do referido dicionário, o termo indica “conteúdo online concebido deliberadamente para suscitar raiva ou indignação, sendo frustrante, provocativo ou ofensivo, normalmente publicado com o objetivo de aumentar o tráfego ou o engajamento de uma página ou conta específica nas redes sociais”.
Nossas vidas – a real e a virtual – estão cada vez mais entrelaçadas, e há aqueles que mal distinguem a fronteira entre uma e outra.
Vivemos em uma sociedade hiperconectada, que traz à tona potencialidades cívicas e virtuosas e, ao mesmo tempo, a degradação do espaço público de debate, além de ataques diversos a indivíduos, instituições e democracias.
Alguns autores, no campo da Sociologia e da Ciência Política, ajudam a compreender melhor o sentido de rage bait. Manuel Castells, em sua trilogia – A sociedade em rede,
O poder da identidade e O fim do milênio – iniciada em 1996, já nos alertava para as novas dimensões da sociabilidade mediada pelas redes sociais.
E, mais recentemente, Giuliano Da Empoli, com seu livro de 2019 Os engenheiros do caos: como as fake news, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições, enfrenta a questão que ganha musculatura no universo político com a emergência de populistas digitais mundo afora.
Os algoritmos das redes sociais são arquitetados para mapear, localizar e impulsionar conteúdos que despertem sentimentos não raro atrelados ao medo, ódio, angústia, frustração, euforia, entre outras sensações capazes de chamar a atenção dos usuários.
Frases curtas ou vídeos rápidos são, portanto, iscas que servem para “pescar” indivíduos e grupos que consomem conteúdos produzidos com o objetivo de criar uma onda de curtidas, comentários (positivos ou negativos) e compartilhamentos.
Isso faz com que o tráfego aumente em determinadas páginas ou redes sociais e, em uma sociedade de mercado, há a monetização, ou seja, ocorre um processo de transformação de perfis e do conteúdo produzido em renda – em muito, muito dinheiro.
Como milhões de desenvolvedores de conteúdo disputam atenção, a “isca de raiva” torna-se irresistível, não apenas por chamar a atenção, mas também por angariar seguidores e engajamento.
Muitos, nos dias que correm, não apresentam seu patrimônio, mas o número de seguidores, que, calculados, serão convertidos em dinheiro via monetização.
As iscas não atuam apenas na disputa no campo da economia da atenção. Estão, cada vez mais, conectadas à política, que também converte, ao mesmo tempo, engajamento em dinheiro e votos. Isso ganha relevo na conjugação de fake news, pós-verdade, negacionismo e teorias da conspiração.
Politicamente, a extrema direita é muito mais eficiente ao manejar esse ferramental do que o campo progressista.
Reconhecer e escapar do rage bait exige letramento digital, capacidade crítica de interpretar informações e de identificar distorções e narrativas fantasiosas. Não é fácil, mas é possível – com educação e leituras que escapem das redes e telas.
Rodrigo Augusto Prando é professor e pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). Graduado em Ciências Sociais, Mestre e Doutor em Sociologia, pela Unesp
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