Judiciário definirá regras do jogo eleitoral, como ocorreu em 2018

No texto "O terceiro Poder Moderador", o analista político Victor Missiato compara o Judiciário (STF) às Forças Armadas e Monarquia, em sue tempo

Victor Missiato | Publicado em 11/08/2025, às 13h28 - Atualizado às 13h41

Victor Missiato, analista político - Divulgação
Victor Missiato, analista político - Divulgação


Por Victor Missiato, em artigo enviado ao site Jamildo.com

Há exatos 70 anos, o presidente Juscelino Kubitschek evitava um golpe político, com apoio de parte do Exército, após um ano do então presidente, Getúlio Vargas, tirar sua própria vida em decorrência de uma grave crise política que acometia o Brasil. De lá para cá, somente JK, Fernando Henrique Cardoso, Lula, Dilma e Bolsonaro foram eleitos pelo voto popular e terminaram seus mandatos.

Desses cinco, somente dois não foram condenados à prisão ou sofreram processo de impeachment em algum momento.

Embora em 21 desses 70 anos o Brasil foi governado por um regime autoritário, ter apenas dois presidentes eleitos e não condenados ou impedidos demonstra graves sintomas da nossa cultura política democrática: a ausência de uma forte institucionalidade, a suscetibilidade do Poder Executivo e a desarmonia entre os poderes.

Com a recente decretação da prisão domiciliar de Bolsonaro, expedida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, nota-se que o país atravessa mais uma grave crise institucional, pois embora fora do poder, o bolsonarismo ainda se faz presente nas ruas e em parte do Congresso, como presenciamos nas manifestações nos últimos dias.

Novamente neste século, o Poder responsável por definir as regras do futuro jogo eleitoral será o Judiciário, assim como ocorreu em 2018.

Subjaz desse olhar panorâmico da República brasileira, um processo de longa duração que remonta ao período da Monarquia, quando o Dom Pedro I outorgou a Constituição de 1824, exigindo a presença do chamado Poder Moderador

. Tratava-se de um Poder dado ao imperador para intervir nos outros poderes e garantir equilíbrio, quando houvesse divergências.

Se no século XIX quem dominou esse poder foi a Monarquia, com a instauração da República, em 1889, um novo protagonista interventor assumiu esse papel, mesmo que não estivesse mais presente em forma de texto constitucional.

Nas palavras do historiador José Murilo de Carvalho, em sua obra Forças Armadas e Política no Brasil (Ed. Zahar), os militares acabaram por exercer um poder moderador, durante grande parte do século XX, por meio de golpes, suas tentativas e movimentos insurrecionais, como no caso do tenentismo.

Atualmente, o Poder Judiciário, liderado pelo STF, apropriou-se dessa prerrogativa, no mínimo questionável, e passou a pautar diversos limites da liberdade política e da liberdade de expressão, culminando em diversas decisões monocráticas, que estão despertando críticas de diferentes órgãos de imprensa e parte da opinião pública.

Dezenas de pessoas presas e redes sociais canceladas vêm criando uma sensação de esgarçamento da democracia brasileira, gerando uma série de questionamentos mundo afora.

Nota-se, portanto, que a democracia brasileira ainda não se estabilizou enquanto um regime e cultura capazes de institucionalizar valores republicanos em um sistema político ainda muito dependente de um “salvador da pátria”.

As incertezas com que as recentes decisões judiciais vêm causando na sociedade brasileira podem ressoar como mais um largo período de instabilidades, que ainda não se mostraram em toda a sua completude.

Victor Missiato, professor de História do Colégio Presbiteriano Mackenzie–Tamboré, é doutor em história e analista político

PS: O conteúdo dos artigos assinados não representa necessariamente a opinião do Mackenzie ou do site Jamildo.com