Dirigente do SINPOL cita Brasil como paraíso dos ricos, opina sobre taxação de fortunas e que Congresso não representa o povo. Impostos bancam segurança
por Jamildo Melo
Publicado em 07/07/2025, às 08h08
Por Áureo Cisneiros, em artigo enviado ao site Jamildo.com
O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo. E essa desigualdade brutal não é obra do acaso — ela é sustentada por um sistema tributário injusto, regressivo e excludente, que protege os mais ricos e penaliza duramente quem trabalha.
Enquanto quem vive de salário lida com impostos embutidos em tudo — do arroz ao transporte público — grandes fortunas, lucros e dividendos seguem praticamente isentos. Aqui, quem ganha menos paga mais, proporcionalmente. O Brasil tributa pouco a renda e o patrimônio, e muito o consumo. Resultado: a diarista paga mais imposto, em termos relativos, que o milionário dono da empresa.
Estamos na contramão do mundo. Nos Estados Unidos, lucros e dividendos são tributados. Na Alemanha, o imposto sobre herança pode chegar a 50%. Na França, grandes fortunas são taxadas com firmeza há décadas. No Brasil, a taxação de lucros e dividendos foi extinta em 1995 e nunca mais voltou. O privilégio virou norma.
Segundo o Instituto de Justiça Fiscal, os 10% mais pobres comprometem mais de 30% da sua renda com tributos, enquanto os 10% mais ricos não chegam a 20%. Essa distorção é o coração da desigualdade brasileira.
Estudos mostram que aplicar uma alíquota de 1,7% a 3,5% sobre grandes fortunas no Brasil poderia arrecadar até R$ 260 bilhões por ano. Focando apenas nos 0,2% mais ricos (com patrimônio acima de R$ 13 milhões), a arrecadação ainda seria de R$ 40 a 160 bilhões anuais. Dinheiro mais que suficiente para fortalecer serviços públicos como saúde, educação, segurança e infraestrutura.
*Mas a desigualdade também está dentro do serviço público*
O Brasil tem cerca de 11 milhões de servidores públicos ativos. Mais de 70% ganham até R$ 5 mil por mês. No entanto, uma elite de menos de 0,3% — composta por juízes, procuradores, diplomatas e generais — recebe supersalários muito acima do teto constitucional.
Em Pernambuco, por exemplo, há casos escandalosos: em novembro de 2019, uma juíza do TJPE recebeu R$ 1,3 milhão líquidos num único mês. Desembargadores chegaram a receber mais de R$ 800 mil. Tudo isso inflado por “penduricalhos” como férias acumuladas e indenizações. Já os policiais civis do mesmo estado, que colocam a vida em risco diariamente, seguem com um dos piores salários do país.
O Estado cobra muito de quem trabalha na base e protege quem ocupa o topo com regalias inaceitáveis.
A desigualdade também está no chão que se pisa
A desigualdade brasileira não é só de renda, é também territorial.
Enquanto os super-ricos vivem em condomínios de luxo, com segurança privada, ruas asfaltadas e saneamento completo — milhões de brasileiros vivem na violência, na lama, no esgoto a céu aberto, nas filas da saúde pública e na incerteza do amanhã.
O Estado é ausente onde o povo mais precisa — e é generoso onde não deveria ser.
A desigualdade no Brasil tem lado, tem CNPJ e tem bancada no Congresso.
Ela não é acidental — é um projeto político de concentração de riqueza e poder.
Quem lucra com isso?
Os bancos, com os maiores juros do planeta.
As grandes empresas, que seguem com isenções fiscais bilionárias.
E os super-ricos, blindados por um sistema tributário feito sob medida para seus privilégios.
Só em 2024, o governo federal abriu mão de quase R$ 500 bilhões em isenções, renúncias fiscais e benefícios tributários — grande parte delas direcionadas a setores já altamente lucrativos. Tudo isso com o aval de um Congresso conservador que vota para garantir os interesses do topo da pirâmide.
Enquanto isso, o trabalhador é penalizado até quando precisa pegar um empréstimo ou parcelar uma compra: o IOF, imposto que incide sobre operações financeiras, afeta diretamente a classe média e os mais pobres, encarecendo o crédito e consumindo ainda mais da renda de quem já vive no limite.
O mesmo Congresso que garante isenções para bilionários vai defender a manutenção do IOF sobre o consumo e o endividamento popular.
Para os bilionários, generosidade.
Para a segurança do povo, nada.
Para a saúde pública, cortes.
Para a educação, retirada de recursos.
Para o trabalhador endividado, mais imposto e menos saída.
Essa política de isenção para os de cima e sacrifício para os de baixo tem nome: injustiça social institucionalizada.
E pior: agora querem congelar o salário mínimo por seis anos. Um ataque direto ao povo trabalhador — e um retrato cruel de quais interesses esse Congresso realmente representa.
Temos hoje um Congresso que, em sua maioria, não representa o povo, mas sim os super-ricos, os bancos e os grandes grupos econômicos. Essa elite política, que vota contra direitos, contra reajustes justos e contra o serviço público, estará nas ruas no próximo ano — com sorriso no rosto, prometendo “cuidar do povo” para se reeleger.
Não caia no discurso fácil.
Vamos ficar de olho.
Vamos cobrar coerência.
Vamos eleger representantes que defendam o povo — e não os donos do poder.
O Brasil precisa de uma reforma tributária verdadeira: que taxe grandes fortunas, heranças milionárias, lucros e dividendos; que acabe com os supersalários e os penduricalhos; e que valorize quem sustenta este país com seu suor.
Sem justiça fiscal, não haverá justiça social. Sem romper com os privilégios, não haverá futuro digno para o povo.
A desigualdade no Brasil é mantida por escolha — não por destino. E é nas urnas, nas ruas e na consciência crítica que essa realidade pode e deve mudar.
Áureo Cisneiros é presidente do SINPOL-PE