A última campanha de Lula

No que pode ser sua última campanha, Lula enfrenta desafios internos e externos enquanto se prepara para corrida presidencial de 2026 em meio a crises

Ricardo Leitão | Publicado em 07/03/2025, às 14h08 - Atualizado às 14h29

Lula chega a metade do terceiro mandato com popularidade em baixa, mas mantém a disposição de reeleição em 2026 - Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil
Lula chega a metade do terceiro mandato com popularidade em baixa, mas mantém a disposição de reeleição em 2026 - Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil

Por Ricardo Leitão, em artigo exclusivo para o site Jamildo.com

A Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, que depôs e desterrou o imperador D. Pedro II, foi um golpe militar, comandado pelo marechal Teodoro da Fonseca. Apoiado por fazendeiros de café escravagistas, instituiu o presidencialismo e inaugurou por quase um século uma sucessão de ataques à democracia recém-nascida, que culminou na ditadura de 1964.

A chamada “revolução redentora”, que se alongou até 1985, perseguiu, prendeu, torturou, exilou e assassinou milhares de brasileiros. Nenhum de seus líderes foi preso, apesar de identificados e denunciados, no País e no exterior.

O Brasil depara-se agora com um desafio histórico e raro, que irá repercutir com vigor na campanha presidencial de 2026.

Após analisar por três meses o relatório de 272 páginas da Polícia Federal, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, denunciou o ex-presidente Jair Bolsonaro e mais 33 indivíduos por cinco crimes: tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe de Estado; formação de quadrilha; grave ameaça ao patrimônio tombado e grave ameaça ao patrimônio da União.

Gonet ainda relata indícios de conspiração para assassinar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o vice Geraldo Alckmin e o então presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de Moraes.

Vitorioso o golpe, Bolsonaro assumiria o poder por tempo indeterminado.

Nunca, na longa história de atentados à democracia no Brasil, houve um ataque golpista dessa envergadura.

Dos 34 denunciados por Gonet, 25 são oficiais das Forças Armadas, entre os quais um ex-comandante da Marinha, um ex-comandante do Exército e generais de quatro estrelas que serviam como ministros no Palácio do Planalto, com gabinetes vizinhos ao de Bolsonaro.

Na denúncia, o procurador- geral encadeia os preparativos para o golpe. Vão do início de 2011, ano dos primeiros discursos de Bolsonaro contra as urnas eletrônicas, à invasão do Congresso, do Senado Federal e do Palácio do Planalto, em 8 de janeiro de 2023 por militantes da extrema direita bolsonarista.

A denúncia será julgada pelo Supremo Tribunal Federal, talvez neste ano, em data não marcada. Existe a intenção dos ministros de que a sentença final saia até dezembro, de modo que a tentativa de golpe não seja assunto que extrapole para a campanha presidencial.

Estimativas de juristas calculam que Bolsonaro pode pegar de 12 a 49 anos de prisão, além de agravantes. A principal acusação que pesa sobre ele é de ser o líder da intentona, com pleno domínio e participação nos fatos.

A possibilidade concreta de ser condenado e preso não demove o ex-presidente da disposição de disputar um novo mandato. Bolsonaro procede assim por sobrevivência política.

No momento em que anunciar a desistência da candidatura, a direita agradecerá os seus serviços e colocará na mesa, de imediato, os nomes dos governadores do Paraná, Ratinho Júnior; de Minas Gerais, Romeo Zema; de Goiás, Ronaldo Caiado, e de São Paulo, Tarcísio de Freitas.

Ex-ministro de Bolsonaro e gestor bem avaliado, Freitas cultiva boas relações com partidos do centro e com grandes empresários. Se diz à disposição, porém só disputará com o aval do ex-presidente.

Interrogação semelhante à de Bolsonaro vagueia na cabeça de Lula: ser ou não candidato à presidência. A crise inflacionária dos alimentos, os juros altos, o enrosco da reforma ministerial, a falta de investimentos públicos, a divisão interna do PT – tudo desanima.

E mais ainda as pesquisas de opinião mostrando uma desaprovação crescente de sua administração e o risco de ser derrotado na disputa presidencial.

No entanto, por outro lado, há o dever, quase uma missão, de Lula derrotar novamente a direita, como fez em 2022, seja Bolsonaro o adversário ou outro qualquer.

O tempo corre contra o presidente. A um ano e sete meses das urnas de outubro de 2026, ele precisa reorganizar e imprimir velocidade ao governo; retomar relações históricas com bases sociais e partidárias; aumentar os investimentos públicos; controlar a inflação e escolher um candidato à sua sucessão – seja ele ou não.

Os dois potenciais adversários tratam de saltar seus obstáculos.

No Congresso, Bolsonaro se articula em duas frentes. Na primeira, aprovar um projeto de lei que anistia os vândalos do 8 de janeiro e, por extensão, poderia beneficiá-lo; na segunda frente, aprovar uma revisão da Lei da Ficha Limpa, que reduziria as penas, tornando-o elegível para a disputa presidencial do próximo ano.

Pautar os dois projetos para votação depende do novo presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta. Em entrevista recente, ele afirmou que o 8 de janeiro não foi uma tentativa de golpe, mas um ato coletivo de vandalismo, sem conotação política.

Jararaca com cabeça (“Só conseguiram cortar o rabo”, ironiza Lula).

O ex-presidente também enfrenta um caminho pedregoso. Continuando em sua escalada, a desaprovação ao governo pode enfraquecê-lo, a ponto de inviabilizar uma candidatura competitiva.

Nessa hipótese, as forças políticas de centro vão se afastar, tornando mais crítica a minoria da esquerda no Congresso. Lula corre o risco de enfrentar um isolamento, que de princípio buscaria reduzir com uma reforma ministerial que trouxesse para o governo nomes indicados pelo centro.

O presidente pode ser empurrado para disputar com um candidato de centro-direita fortalecido, enquanto lidera um governo rejeitado pela população em proporção nunca antes mensurada. Arrisca passar a faixa presidencial a um sucessor apoiado pelo bolsonarismo, que pode ser até o próprio Bolsonaro.

Há tempo para reagir e enterrar de vez a direita no porão onde ruminava. Depende de quem considerar a democracia um bem coletivo superior e se dispuser a lutar por ela onde, quando e como for preciso. Depende de nós.