Venezuela: Litros de chá de camomila

Jamildo Melo | Publicado em 02/08/2024, às 10h49 - Atualizado às 10h49

Lula acaba enredado em sua diplomacia internacional com apoio a Maduro - Presidência da República
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Por Ricardo Leitão, em artigo especial para o Blog do Jamildo

Quatro dias após o fim da votação, em urnas eletrônicas, ainda são desconhecidos os números da “eleição” para presidente da Venezuela. O que, evidentemente, não impediu que o ditador Nicolás Maduro se declarasse vencedor, na segunda-feira, dia 29, anunciando ter obtido 51% dos votos, contra 44% de Edmundo González.

E só: Maduro deverá tomar posse para o terceiro mandato consecutivo em janeiro do próximo ano, permanecendo no poder até 2031.

Foi o ato final de uma gigantesca fraude que se iniciou com o bloqueio do registro para a disputa dos adversários mais competitivos, como a líder da oposição Maria Corina Machado. Os 2,5 milhões de exilados foram impedidos de votar. Seções eleitorais em redutos da oposição ficaram abertas por pouco tempo, ao contrário de redutos da ditadura, que tiveram horários expandidos.

Houve um blecaute no sistema eletrônico de votação durante seis horas, atribuído pelo regime a misteriosos hackers da Macedônia do Norte. Na capital Caracas e nas principais cidades, bandos de milicianos armados ameaçavam nas ruas seguidores de González. Fiscais da oposição foram forçados a se retirar das seções eleitorais por agentes da ditadura.

Quando Maduro previu “um banho de sangue” na Venezuela, caso não fosse reeleito, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se disse “assustado”.  Aliado do petista, o ditador ironizou: “Quem se assustou que tome chá de camomila”.

Não se sabe se o chá, de reconhecida propriedade calmante, foi introduzido na dieta presidencial, mas uma reserva de litros deveria ser providenciada em seus estoques e nos estoques de outras lideranças envolvidas na nova crise regional: ninguém sabe onde vai dar a convulsão social, econômica e política que atravessa a Venezuela.

No momento, a posição majoritária entre os Estados Unidos, o Brasil, o México e a Colômbia, a Organização dos Estados Americanos e a União Europeia é aguardar a divulgação integral dos números da votação, para então tomar uma decisão sobre a “legalidade da eleição”. Arriscam, contudo, esperar tanto quanto o tempo necessário para o degelo da neve nos picos da cordilheira dos Andes.

A oposição a Maduro não demonstra a mesma paciência. Milhares de pessoas ocupam as ruas, exigindo os dados eleitorais e o sangue – anunciado pelo ditador – começa a correr. Até a noite do dia 31, já eram 12 os mortos, 147 os feridos e mais de 700 os presos. Aliados de Maria Corina Machado e de Edmundo González foram sequestrados em casa, por pessoas desconhecidas. Os dois líderes estão ameaçados de detenção.

Maduro credita as mortes à oposição, assim como uma articulação com “fascistas” para golpeá-lo. E se diz pronto para ser interrogado sobre a “eleição” e apresentar as atas das seções eleitorais que comprovariam sua “vitória”. Essas atas, obviamente, não valerão nada. Ou valerão, para quem acredita que o ditador irá dar publicidade a documentos que comprovem a vitória de seu adversário. Talvez só os viciados em camomila acreditem.

E então? O ditador não tem a menor preocupação com o isolamento internacional a que está sendo submetido. Determinou a expulsão, da Venezuela, dos embaixadores da Argentina, Chile, Costa Rica, Panamá, República Dominicana e Uruguai, acusando-os de ingerência nos assuntos internos do país.

Não irá recuar diante de notas oficiais da Organização dos Estados Americanos e da União Europeia. Tem o reconhecimento da China, da Rússia, do Irã e de Cuba, o que lhe parece suficiente para romper qualquer cerco de opositores. Por exemplo: a Força Aérea venezuelana, armada com caças e equipamentos vendidos pela Rússia, tem capacidade operacional superior à da Força Aérea brasileira.

Diante da escalada dos protestos e da violência, Maduro ordenou que o Exército ocupasse as ruas, prenúncio de mais sangue. O comandante das Forças Nacionais Bolivarianas, general Vladimir Padrino López, também ministro da Defesa, reafirmou “absoluta lealdade e apoio incondicional” ao ditador. López é um dos expoentes da elite militar que ocupa posições de destaque na economia e na burocracia venezuelanas.

Nos meios diplomáticos, inclusive os brasileiros, crescem as suspeitas de que, ao radicalizar a repressão, Maduro aposta em uma manobra ousada: o autogolpe. Denunciaria que a oposição, com o apoio de “fascistas internacionais”, se prepara para derrubá-lo e, para defender seu mandato “legítimo”, não teria alternativa senão empalmar totalmente o poder.

A possibilidade de a oposição resistir, nas ruas, a um autogolpe dessa envergadura é mínima. Ao mesmo tempo, nenhum país iria enfrentar as tropas de Maduro dentro da Venezuela.

A situação é extremamente tensa, contudo Lula considera que “nada há de anormal”. É compreensível a opinião do presidente. Junto com Joe Biden, presidente dos Estados Unidos, foi fiador do Acordo de Barbados, assinado pelos dois países com a Venezuela.

Segundo o documento, seriam retiradas – como foram - as sanções norte-americanas, em troca de Maduro promover eleições presidenciais limpas e democráticas, compromisso que o ditador não cumpriu.

A conjuntura tornou-se azeda para Lula: não pode ressoar os protestos da oposição contra Maduro; por outro lado, não pode silenciar enquanto cresce o coro internacional exigindo punição para o ditador.

Sentado desconfortavelmente no muro, solicitar dados oficiais da “eleição” dá a Lula algum tempo para refletir o que fazer.

Um dos caminhos pensados no Palácio do Planalto é recorrer ao peso político e econômico do Brasil, usar a capacidade diplomática do Itamaraty, ouvir todos os lados e chegar a uma saída pacificadora.

Dada a conjuntura polarizada, no momento, há pela frente um caminho longo e pedregoso. Contudo, parece não haver outro.

As pressões são muitas, e o tempo é curto. Se houver condições, Nicolás Maduro dará o autogolpe, com apoio das Forças Armadas, e continuará receitando chá de camomila aos que tentarem obstruir a sua marcha ditatorial.

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