Ricardo Leitão: Um segundo 8 de janeiro de 2023

Jamildo Melo | Publicado em 11/08/2025, às 17h10 - Atualizado às 17h39

Nome de Arthur Lira como sucessor, Hugo Motta saiu queimado do episódio e deve punir amotinados - Reprodução Instagram
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Por Ricardo Leitão, em artigo especial para o site Jamildo.com

Durante quase dois dias, golpistas de paletó e gravata, liderados por bolsonaristas, ocuparam, com violência, os plenários do Senado e da Câmara dos Deputados, impedindo o funcionamento do Poder Legislativo.

Desmoralizaram o presidente do Senado, David Alcolumbre, e o presidente da Câmara, Hugo Motta, proibidos de assumir seus lugares nas Mesas Diretoras.

Logo comunicaram o preço do resgate na negociação da chantagem: anistiar o ex-presidente Jair Bolsonaro; abrir processo de impeachment do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e aprovar a possibilidade de parlamentares serem julgados por instâncias inferiores ao STF.

Um acuado Hugo Motta só conseguiu sentar-se na sua cadeira de presidente às 22h45 da quarta-feira, dia 6, depois de longa conversa com os golpistas e de atravessar uma barreira de bolsonaristas no seu caminho. Abriu os trabalhos, fez um discurso protocolar e imediatamente encerrou a tumultuada sessão.

Mais experiente, David Alcolumbre só no dia 7 compareceu ao Senado, negociou com os golpistas a liberação da Mesa Diretora e conseguiu encaminhar votações – entre elas a isenção do imposto de renda para quem ganha até dois salários mínimos.

A partir desta segunda-feira, dia 11, haverá pautas para votação nas duas Casas. Os ânimos entre a direita e a esquerda continuam exaltados e é imprevisível o que pode acontecer no semestre legislativo que se inicia.

A ocupação dos plenários do Senado e da Câmara dos Deputados foi um dos grandes atentados à democracia, só comparável à invasão e depredação das sedes dos Três Poderes, em Brasília, por hordas bolsonaristas, em 8 de janeiro de 2023.

Atesta também que a direita está viva, articulada e com capacidade de mobilização suficiente para criar fatos políticos com repercussão até no exterior.

Como no 8 de janeiro, eles obedecem a um cuidadoso planejamento, aprofundando a radicalização desde que Bolsonaro foi adornado com uma tornozeleira eletrônica: comícios pró-anistia; reação à prisão domiciliar do ex-presidente; ataques ao Supremo Tribunal Federal e apoio público ao tarifaço de Donald Trump contra a economia do Brasil.

Não há dúvidas de que a radicalização vai crescer até o julgamento final de Bolsonaro por cinco crimes, entre eles tentativa de golpe de Estado.

Líder internacional da direita e padrinho político do ex-presidente brasileiro, Trump contribui para a radicalização. É cada vez mais evidente que as sanções comerciais impostas ao Brasil, com alíquotas exorbitantes de até 50%, são apenas uma manobra diversionista.

O objetivo real é eleger Jair Bolsonaro presidente da República em 2026, fortalecendo o bloco conservador na América Latina. Isso implica a anistia do ex-presidente, para que possa concorrer no próximo ano e, simultaneamente, o enfraquecimento de Luiz Inácio Lula da Silva, com as sanções comerciais impostas.

Trump conta com traidores do Brasil refugiados nos Estados Unidos. O principal deles é Eduardo Bolsonaro, filho de Jair, deputado federal, que declarou publicamente seu “orgulho patriótico” na definição das sanções. É um caso único: nenhum outro país espoliado por Trump tem, nos Estados Unidos, alguém como Eduardo Bolsonaro, que contraria permanentemente os interesses nacionais.

Pelos seus feitos, o filho do ex-presidente está sendo investigado pela Polícia Federal.

Há um longo e pedregoso caminho a se trilhar até as urnas eletrônicas de outubro no próximo ano. O primeiro obstáculo é o Congresso.

A esquerda não tem maioria no Senado nem na Câmara dos Deputados.

Os conservadores dominam os dois plenários, as comissões técnicas mais importantes e demonstram não ter o mínimo constrangimento de armar um golpe de paletó e gravata. Irão bloquear, nos plenários e nas comissões, todos os projetos que possam levar a algum fortalecimento da esquerda.

Outro desafio é a reação dos empresários diante das ações do Governo frente ao tarifaço.

No momento, os discursos são coincidentes. Os empresários aguardam os planos econômicos para minimizar os efeitos das sanções, enquanto pressionam por entendimento direto de Lula com Trump, iniciativa que Lula antecipou não tomará.

Com menor fôlego, as pequenas e médias empresas também aguardam o socorro do Governo. Algumas já deram férias coletivas e suspenderam contratos. Os trabalhadores convivem com o risco real de desemprego. Por enquanto, não se fala em greve. Tudo está em suspenso – o que significa que tudo pode desequilibrar.

O discurso de Lula, justo e enérgico, em defesa da soberania nacional, afrontada pelo neoimperialismo de Trump, ainda não alterou substancialmente os níveis de aprovação e desaprovação de sua gestão.

Segundo o Datafolha, o presidente segue com avaliação estável, sendo o seu governo reprovado por 40% dos pesquisados e aprovado por 29%.

Os dados foram aferidos em 30 de julho. Quanto à sua sucessão, Lula lidera no primeiro e no segundo turnos pesquisados pelo Datafolha, embora sem margem folgada de vitória. Os nomes do clã Bolsonaro foram incluídos nos cenários da pesquisa.

É provável que eventuais candidatos da direita percam força depois da condenação de Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado.

Contudo, o bolsonarismo continuará com força eleitoral e poderá decidir a eleição do próximo ano, mesmo se o ex-presidente não for o candidato.

A orientação de Bolsonaro ao eleitorado é também descarregar votos nos candidatos ao Senado e à Câmara dos Deputados, de forma que a direita seja decisiva nas votações legislativas, qualquer que seja o vencedor da disputa presidencial.

Será então a vez do puro “parlamentarismo bolsonarista”, pior do que a “democracia parlamentar” de hoje, azeitada por emendas orçamentárias bilionárias.

A ocupação do Senado e da Câmara dos Deputados comprovou largamente que não há limites para os líderes golpistas de paletó e gravata, muito mais agora quando sustentados por autocratas como Donald Trump.

Todos precisam ser processados e punidos, como estão sendo processados e serão punidos os líderes do golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023. Do contrário, eles irão voltar, como cupins do futuro que são.

Congresso invasão hugo motta

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