'Quando a chuva vem, a cidade (do Recife) some', diz urbanista

Marcelo Augusto Rodrigues | Publicado em 11/02/2025, às 14h14 - Atualizado às 14h15

Fortes chuvas em Pernambuco já deixaram quase 200 mortes no Estado. No Recife, drenagem é questionada - Priscilla Buhr/AMCS
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Por Marcelo Augusto Rodrigues, em artigo enviado ao site Jamildo.com

Você já parou para pensar que, em pleno século 21, ainda usamos a mesma desculpa de sempre quando as ruas viram rios?

“Ah, mas choveu demais.”

Como se a água, sozinha, fosse culpada por encontrar asfalto sem ter para onde escorrer, bueiros entupidos de lixo e córregos que, um dia, alguém decidiu cobrir com concreto, como se fossem uma vergonha para a cidade.

Recife não está afundando por causa da chuva. Está sufocando por falta de gestão.

Não é novidade que temporais acontecem — e vão acontecer cada vez mais, porque o clima já não é mais aquele que se podia marcar no calendário.

O problema é que, enquanto outras cidades reinventam seus pés de barro, ainda achamos que o futuro está em construir mais canais retos e esperar que a água obedeça. Spoiler: ela não obedece.

Na China, por exemplo, criaram as chamadas “cidades-esponja”: lugares que absorvem a água com parques alagáveis, pisos permeáveis e lagos que funcionam como reservatórios naturais.

Enquanto isso, por aqui, a solução parece ser postar fotos da enchente no Instagram e torcer para o sol voltar.

A verdade é que desastre natural não é quando a chuva cai. É quando a cidade se recusa a aprender com ela.

Não faltam estudos, tecnologias ou até exemplos de quem acertou a mão. O que falta são prioridades.

Quantos bairros do Recife possuem sistemas de drenagem que não sejam do tempo em que “drenagem” significava apenas “jogar a água no quintal do vizinho”?

Quantos projetos de urbanização incluem áreas verdes que façam mais do que enfeitar praças? E onde está o plano que prepara a cidade não apenas para a próxima chuva, mas para as próximas dez chuvas, cada vez mais imprevisíveis?

A natureza não é nossa inimiga. Ela apenas devolve, em forma de alagamento, o descaso que enterramos sob o asfalto.

Não dá mais para continuar tratando a inundação como uma surpresa sazonal. É hora de parar de enterrar rios e começar a desenterrar soluções — com ciência, planejamento e a coragem de admitir que o problema não está nas nuvens, mas no chão que pisamos por anos, sem olhar para baixo.

Marcelo Augusto Rodrigues é advogado especialista em direito ambiental e urbanístico.

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