Rosa Freitas | Publicado em 29/05/2025, às 08h41 - Atualizado às 08h58
Lembro-me de quando foi regularizada a tributação das plataformas de streaming. O então prefeito de São Paulo instituiu o ISS sobre esses serviços. A emergente Netflix no Brasil, apesar do barulho que fez — como siri numa lata — teve que recolher o tributo.
Logo, Netflix, Spotify e outras TICs (tecnologias da informação e comunicação) que operavam sob modelo semelhante passaram a ser enquadradas como prestadoras de serviços, sujeitas ao ISS.
Em 2017, foi aprovado em São Paulo o imposto de 2,9% sobre serviços de aplicativos de streaming, como Netflix e Spotify. Outras plataformas, como Deezer, Prime Video, entre outras, também passaram a recolher tributos para o município onde estão sediadas.
Poucos sabem, mas os consumidores do Brasil inteiro, ao assinarem esses serviços, recolhem ISS para a cidade de São Paulo. Imagine o montante gerado apenas pela Netflix. O ISS, conforme o item 1.05 da lista anexa à Lei Complementar nº 116/2003, deve ser pago ao município onde se encontra o estabelecimento prestador do serviço.
Por que a Netflix recolhe para São Paulo? Porque é lá que está sua estrutura empresarial. O sujeito ativo do ISS é o fisco do local onde ocorre o fato gerador — ou seja, onde a empresa se organiza para prestar o serviço.
Na época, até os estados tentaram reivindicar o tributo, mas a natureza da operação — mera disponibilização de conteúdo para uso, sem transferência de propriedade — deixou claro que se tratava de prestação de serviço, não de circulação de mercadoria. Somente em casos de download e aquisição definitiva de software ou arquivos se aplica o ICMS, como no caso do Microsoft Office, por exemplo.
Com a Reforma Tributária, essa “janela de oportunidade” vai se fechar. O IBS — Imposto sobre Bens e Serviços — será distribuído conforme o domicílio do adquirente do serviço, não mais segundo a localização da empresa prestadora. Isso muda radicalmente a lógica atual.
Historicamente, os municípios competem para atrair empresas prestadoras de serviços que elevem a arrecadação do ISS. O enquadramento de empresas no Porto Digital é um exemplo estratégico dessa política em Recife.
Até o final de 2032, os recursos do ISS ainda ficarão nos municípios-sede das empresas. A transição para o novo modelo do IBS começa em 2029, e o ISS será extinto em 2033.
João Campos aproveitou, com precisão, essa janela de quase oito anos para atrair as empresas de apostas online (as chamadas BETs) e garantir que recolham o ISS para Recife. Foi rápido e eficaz — como Dória em São Paulo. Não foi uma jogada original, mas valeu como um gol de craque.
Imagine se todo o ISS gerado pelas apostas feitas por brasileiros ficasse no Recife. Trata-se de um volume significativo de recursos.
O prefeito ainda afirmou que esses recursos estão vinculados a investimentos em infraestrutura. Mas esse argumento não tem respaldo jurídico, pois os impostos não são vinculados a uma despesa específica.
Eles financiam serviços públicos gerais. A vinculação só ocorre com taxas, que são cobradas por serviços efetivos ou potenciais. A fala, portanto, tem mais valor político do que jurídico — e nesse sentido, é um segundo gol: de marketing.
João Campos está jogando bem com o tempo que tem — de 2025 a 2033. Mas precisa saber que esse campo não estará disponível para sempre.
Outro ponto relevante: o recolhimento do ISS pelas empresas de apostas elevará a média de receitas do município — e isso será importante para o cálculo da compensação prevista na Reforma Tributária.
No entanto, essa influência será limitada, pois a média será calculada com base nas receitas entre 2019 e 2026, e os meses restantes de 2025 e o ano de 2026 terão peso reduzido no total.
A única desvantagem é que, ao atrair as BETs com uma alíquota de apenas 2%, Recife ajuda a manter uma média de alíquota baixa, o que poderá impactar o desenho futuro do IBS, já que a Reforma veda o aumento da carga tributária.
De toda forma, o Recife está bem posicionado: conta com excelente infraestrutura de serviços (hospitais, escolas particulares, construtoras, incorporadoras, economia criativa, hospedagem, tecnologia) e uma das maiores populações consumidoras entre as capitais do Nordeste.
Sorte de principiante ou estratégia bem pensada, o gol foi feito — e o goleiro sequer viu a bola passar.
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