A matemática da (In)segurança e a crise de representação dos Policiais Civis de Pernambuco

Rafael Cavalcanti * | Publicado em 09/10/2024, às 11h18

A escalada da violência em Pernambuco e o fracasso sindical, de acordo com Rafael Cavalcanti - Foto: Google Street View
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* Rafael Cavalcanti é policial civil, ex-vice-presidente e ex-presidente do Sinpol-PE (Sindicato dos Policiais Civis de Pernambuco).

Pernambuco à deriva: cresce a violência e sindicalismo falha na defesa dos policiais

Já há algum tempo, a Segurança Pública — ou a falta dela — tem sido apontada pela população brasileira, em praticamente todas as pesquisas feitas no país, como o principal desafio a ser solucionado em nossa sociedade. Infelizmente, o quadro atual é de evidente descontrole da criminalidade, com as organizações criminosas cada vez mais organizadas e se inserindo na estrutura do Estado (nos três Poderes), o que só evidencia a ineficiência das políticas públicas de segurança implementadas até aqui.

A verdade é que até observamos ocasionalmente variações pontuais de queda dos indicies, ora de homicídios, ora de roubos, mas sempre atrelados a políticas públicas setorizadas e que, além de não se conectar com o que é aplicado nas outras unidades da federação, não possuem continuidade, pois dependem da vertente ideológica do governante de plantão. Essa falência e incapacidade de gerir a Segurança Pública está nos levando a uma “carioquização” da criminalidade e encaminhando o país a uma infeliz proximidade com a realidade mexicana, onde grupos criminosos afrontam o Estado, chegando a dominar certas áreas do país.

Em Pernambuco vivemos uma realidade ainda pior que a média nacional: nossos indicadores demonstram uma criminalidade crescendo de forma desenfreada, tanto nos números totais como per capita. Usando o crime de homicídio como índice para termos um cenário, mesmo que simplório do nível de violência de cada estado brasileiro, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2023 tivemos uma redução nacional nos homicídios dolosos de 3,4%; em contra-partida o aumento em nosso estado foi de 6,2%, com números absolutos de 3.638 mortes. Somos o terceiro estado com mais mortes por 100 mil habitantes, com 40,2% mortes, atrás apenas da Bahia e Amapá. Assustadoramente, na quantidade total de homicídios, estamos à frente do Rio de Janeiro e São Paulo, ocupando o segundo lugar do ranking, com 3.638 mortes totais, perdendo apenas para Bahia, com 4.729. Vale salientar, nossa população é bem menor que os estados supracitados.

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Embora frise-se que Segurança Pública é um problema bastante complexo e que não possui soluções fáceis, há pilares que, quando negligenciados, servem como combustível à criminalidade.

Entre eles, o investimento em aparelhamento, na estrutura e no material humano das forças de segurança, incluindo-se a contratação de efetivo, capacitação constante, boa remuneração, reconhecimento de alguns direitos trabalhistas mínimos como horas-extras, insalubridade, adicionais noturnos, tornando assim as carreiras atrativas. Além disso, é fundamental garantir a priorização de ações preventivas e de inteligência.

Estudo revela investimentos irecários em segurança pública e desvalorização da polícia civil em Pernambuco

Entre 2020 e 2023, enquanto presidia o Sindicato dos Policiais Civis de Pernambuco (Sinpol-PE), realizei junto ao DIEESE estudos comparativos sobre os investimentos em Segurança Pública por unidade da Federação, fazendo também recortes específicos sobre as Polícias Civis.

O estudo apontou que Pernambuco vem investindo muito pouco nessa área, pois nos últimos 12 anos mantivemos um patamar que nos coloca como o 23º estado que menos destina recursos para a pasta, novamente bem abaixo da média nacional.

A Polícia Civil de Pernambuco é a que tem o maior fosso entre os cargos da base (agentes, escrivães e correlatos) e os chefes (delegados); por isso, quando se fala em incapacidade de investigar, vemos dois grandes gargalos decorrentes dessa falta de priorização da Segurança: de um lado uma Polícia com estruturas precárias e improvisadas, atrelada a um efetivo ínfimo que não dá conta de investigar nem 40% das ocorrências; e do outro Policiais sobrecarregados, desestimulados, vivendo em uma clandestinidade funcional e bastante adoecidos.

Assim, em um cenário como esse, torna-se ainda mais importante a função do sindicato: é imperioso expor os problemas à sociedade, instituições e poderes, articulando e convencendo-os para que haja uma reversão na falta de investimento, principalmente no material humano; além de mobilizar sua base para que ela esteja preparada para quando os atores com capacidade de resolução não queiram dialogar, mostrando a realidade e exigindo que os recursos cheguem.

Para tanto, é fundamental existir uma liderança que, além de uma grande capacidade de articulação e trânsito nas mais variadas ideologias políticas e institucionais, possua o respeito de sua classe, conduzindo as questões reivindicatórias de forma honesta, trasnparente, democrática e envolvendo toda a categoria.

Afinal de contas, em um processo coletivo como é a discusão por valorização, não existem salvadores da pátria, e sim coesão e estratégia do COLETIVO para que se alcance o objetivo, que é a valoriação para uma melhor prestação do serviço à sociedade.

Infelizmente, isso é tudo que o atual presidente do Sinpol e sua gestão não são. “Queimado” no meio político por não cumprir acordos; raso de conteúdo; usando métodos dos primóridos do sindicalismo, inclusive infantilizando nossa causa ao utilizar-se de palhaços fantasiados, caixões e adereços folclóricos; não se capacita tecnicamente, despreza a produção de relatórios e projeções de cenários financeiros e quadros comparativos para contrapor os argumentos da Secretaria de Administração do Estado nas mesas de negociação, por isso que nas duas gestões anteriores nas quais ele foi presidente, nunca foi o negociador das campanhas salariais; e por aí vai.

Mas, o seu pecado fundamental foi ter mentido aos seus representados, como fez inventando um “suposto” ofício do Governo para sair do embaraço de ter deliberado por uma greve no carnaval desse ano, querendo começar a “campanha salarial” pelo fim. Ou ainda quando inventou uma possível proposta do Governo na assembleia do dia 31 de maio com indicadores e percentuais que nunca existiram. Some-se a isso uma completa (e intencional) letargia na mobilização da classe, achando que ela se manifestaria automaticamente quando fosse chamada, quando na verdade a base precisa ser mobilizada, instruída e fortificada ANTES de se começar os movimentos e as negociações.

Não houve sequer uma cartilha para orientar o cumprimento estrito à Lei, que dentro da PCPE é algo raro; a entrega dos extras (PJES) precisava ter sido preparada com antecedência, pois o policial, devido aos baixíssimos salarios, acaba por incorparar tais valores, não podendo abrir mão dele sem o mínimo de planejamento; chegou-se ao cúmulo de cancelar autoritariamente uma assembleia legítima; escondeu da classe como estavam as tratativas com o Governo marcando e desmarcando assembleias; Não explicava (ou não sabia explicar) nas assembleias eu que havia sido proposto e, o pior; na assembleia feita após àquela que foi autoritariamente cancelada, apresentou 02 propostas, mas apenas uma continha os valores acrescidos de uma parcela complementar inventada pelo Estado para que os Policiais não recebam menos do que a inflação do período.

Como se não bastasse, tenta sustentar um discuro de que queria continuar a “lutar” pela valorização mas sequer deu a possibilidade da categoria rejeitar a imoral oferta do Governo, numa retórica furada na tentativa de maquiar a leniência dessa gestão com o Estado nesta “campanha salarial”. Ao final, numa atitude covarde, usa um discuro se excusando da responsabilidade do fracasso retumbante jogando a culpa para a nossa maltratada categoria.

O atual presidente do Sinpol tem como praxe centrar-se em ações pirotécnicas, que só exaltam sua figura pessoal, sem qualquer compromisso com o interesse dos Policiais Civis, como vimos na movimentação iniciada por ele mesmo durante todo o ano passado - antes de assumir o sindicato – plantando e disseminando ainda mais a divisão da categoria com ajuda dos que hoje são ou continuam diretores, atacando pessoas e reputações, empreendendo ações de um “sindicato paralelo” como forma de desestabilizar a gestão anterior. Tudo isso com o único intuito de se apoderar do aparelho sindical para qualquer finalidade, menos para a fundamental: buscar a valorização dos Policiais Civis de base para que possamos entregar uma investigação de qualidade, combatendo o crime e a sensação de impunidade que paira quando o criminoso comete o delito e não é preso.

Após a fracassada e lastimável “negociação salarial” deste ano, infelizmente os Policiais Civis regrediram mais de uma década no plano de cargos e passaram a receber, inicialmente, menos do que cargos de nível médio e menos do que categorias que historicamente nos tinham como referêbcia salarial. Além disso, o fosso entre nós e os chefes aumentou, a categoria e o sindicato foram desmoralizados perante a Polícia, o Governo e a sociedade, por causa disso já temos um número de mais de 500 desfiliações ao Sinpol em menos de um mês, e uma categoria que agora amarga o pior salário do país e que só voltará a começar negociar alguma coisa a partir de 2027.

Ao menos, se é que podemos enxergar algo de bom, encerrou-se o “mito” do supersindicalista, que na verdade nunca passou de uma figura folclórica e que se vangloriava dos ganhos que a categoria obteve em suas gestões, quando na verdade estes foram decorrentes de um trabalho coletivo da categoria e de dirigentes que evitavam que as sandices do atual presidente fossem postas em prática, ou que corriam para “limpar” a quantidade enorme de erros e lambanças que ele sempre cometeu.

Mesmo diante da tragédia anunciada, silenciei porque, diferente deste grupo que hoje preside o Sinpol, o meu compromisso sempre vai ser com o coletivo, com a classe acima de tudo e de todos, acima de questoões mesquinhas e individuais, de egos, vaidades e disputas por micro-poder.

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Minha maior felicidade é ver minha categoria respeitada e valorizada na medida da nossa fundamental importância na estrutura da Segurança Pública e foi por isso que dediquei 10 dos melhores anos de minha vida, portanto eu torcia que conseguissemos avanços e não queria ser acusado de “atrapalhar”, pois sabia que essa era a cortina de fumaça já pronta para tentar encobrir a incapacidade e irresponsabilidade no trato dos interessas dos Policiais Civis, embora a cada ato ficasse claro que evidente que tal esperança em valorização e respeito a nossa categoria não tinha razão de existir.

Unidade e transparência: a chave para reconstruir o Sinpol e fortalecer a luta por valorização na Polícia Civil de Pernambuco

Com um cenário tão devastador e que causou tanta revolta em toda a categoria (o que pode ser facilmente visualizado em qualquer publicação nas redes sociais do sindicato), para alguns indivíduos que pensam no “poder pelo poder”, a atual situação poderia ser propícia para uma oposição irresponsável e leviana como eles foram, mas isso só enfraqueceria ainda mais a classe.

O caminho deve ser inverso: ao invés de desfiliação, filiações em massa para que mais policiais possam fiscalizar e cobrar a gestão; a NÃO atuação de gupos de forma independente e paralela, senão os próximos a assumirem o Sinpol terão um trabalho ainda mais hercúleo para soerguer a entidade e a nossa capacidade de buscar valorização; fiscalização das contas e do uso do patrimônio sindical para coibir os possíveis desvios de finalidade; e resgate do sentimento coletivo da classe, iniciando um verdadeiro movimento de base, ouvindo cada região, cada unidade, cada cargo e cada geração de Policiais Civis para que plantemos a unidade e possamos devolver nosso sindicato e consequentemente nossa categoria, ao lugar de vanguarda e respeito diante de todo o povo pernambucano para, juntos, começarmos a mudar a perversa realidade da Segurança Pública em nosso estado.

Não precisamos de salvadores da pátria, e sim de um COLETIVO FORTE. Existe classe sem sindicato, mas não existe sindicato sem categoria, portanto, que a nossa base comece um movimento dela, e para ela, de renovação, resgate, transparencia e valorização da nossa ferramenta de luta para que possamos voltar a combater as injustiças histórias com os Políciais Civis de base Pernambuco, e assim possamos contibuir de forma muito mais efetiva paa a segurança de TODOS nós pernambucanos.

Os artigos não refletem necessariamente a opinião do blog. O espaço segue aberto para o contraditório.

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