Voto de Cajado: evangélicos se dividem na eleição do Recife

Antigos aliados dos socialistas, evangélicos hoje estão ao lado de legendas de oposição a João Campos, na busca do chamado 'voto de cajado'

Jamildo Melo

por Jamildo Melo

Publicado em 16/08/2024, às 16h22

A disputa pelo voto evangélico apenas começou - Imagem gerada por IA
A disputa pelo voto evangélico apenas começou - Imagem gerada por IA

A religião do candidato decide o voto hoje de um terço dos eleitores no Brasil. Essa é uma das curiosidades da pesquisa realizada pelo Ipespe nas cinco regiões do país para a Febraban, entre 4 e 10 de Julho.

Cerca de 23% dos entrevistados classificam a fé dos políticos como “importante”, enquanto 13% veem a manifestação religiosa como um indicador “muito importante” no quesito confiança.

Religião como fator crucial

O levantamento destaca que a comunidade evangélica, em expansão no nosso país, é o grupo que mais valoriza a religião do candidato. 43% dos evangélicos avaliam a fé como fator crucial na escolha do voto. Essa porcentagem se aproxima dos 46% que afirmam não se importar com a religião dos candidatos.

O cientista político Antonio Lavareda (Ipespe) lembra que o voto religioso sempre foi presente, mas acredita que, apesar do crescimento desse eleitorado, a religião não será fator decisivo nas eleições deste 2024. Ele ressalta que os evangélicos tendem a agir de forma coesa, influenciados pelos líderes religiosos.

“Voto de Cajado”

Todos os anos eleitorais, grupos evangélicos, principalmente do campo progressista, se unem em campanha país afora contra o chamado “voto de cajado”, que seria uma versão evangélica do famoso “voto de cabresto”.

Um dos movimentos mais atuantes na luta contra esse tipo de voto é o Rede Fale. O grupo se define como “uma rede de pessoas que oram e agem publicamente contra a injustiça em nosso país e no mundo”.

Na avaliação da Rede Fale, um dos perigos para o cristão que deseja atuar politicamente é achar que, por ser “crente”, está abençoado para a política. Essa concepção leva milhões de brasileiros a votar no pastor ou no irmão abençoado pelo pastor. Gente que vota sempre para a expansão do poder de suas igrejas, associações e empresas: caracteriza o voto de cajado.

Segmento evangélico dividido no Recife

No Recife, onde se estima que mais de 350 mil sejam votos evangélicos, a disputa sempre foi acirrada e hoje existe uma divisão dos pastores, como se vê na Assembleia de Deus. É algo inédito.

Pela congregação religiosa, medem força dois parlamentares conhecidos entre os obreiros.

O deputado federal Pastor Eurico, hoje no PL, lançou o filho candidato a vereador no Recife. O deputado Pastor Adauto, do PP, lançou chefe de gabinete Stanislau a vereador.

Ao lado do pastor José Ailton, líder da Assembleia de Deus, o pastor Eurico pede votos para o candidato Gilson Machado, sendo hoje um dos mais renhidos defensores do ex-presidente Bolsonaro.

Já o pastor Adauto está com Eduardo da Fonte, líder do PP, e dá apoio ao candidato de oposição Daniel Coelho, do PSD/PSDB. Nesta seara religiosa, cabe lembrar, o PP quase lança o nome da vereadora licenciada e missionária Michele Collins. Ela virou deputada federal, com a saída de Clarissa Tércio para disputar Jaboatão dos Guararapes.

PSB já teve evangélicos para chamar de seus

Curiosamente, o pastor Eurico, hoje no PL, já foi socialista. O pastor Adauto, do PP, já foi socialista. Na Câmara do Recife, o PSB contou com a irmã Aimê durante bons anos, até ela ser atropelada pela radicalização do movimento evangélico, com Bolsonaro. No seu lugar, entrou a vereadora Clarissa Tércio, que saiu para federal e deixou o marido no posto, na Câmara do Recife.

Os mais antigos neste tema nos lembram que quando Eduardo Campos era vivo e governava o Estado, ele mantinha uma relação próxima com a Assembleia de Deus e com o líder e pastor José Ailton. A igreja tinha penetração a ponto de Eduardo Campos ir aos cultos da agremiação e Ailton até orar por ele. Com o escândalo que afetou a igreja, João Campos não teve tempo de construir uma relação mais próxima.

Nesta sexta-feira, claramente visando dividir o voto conservador, João Campos anunciou que estava recebendo o apoio do pastor e diretor da Rádio Maranata André Carvalho. A rádio é uma das mais fortes no segmento, não apenas na RMR como em todo o Estado. Com sede em Jaboatão, a rádio disputa espaço com a rádio Novas de Paz, da família Tércio. Assim, a jogada dupla é uma resposta a Clarissa em Jaboatão e uma resposta ao PP dos Collins, no Recife.

André Carvalho justificou o apoio como uma questão de coerência, uma vez que deu aval em 2020 também. "Com mais quatro anos, João Campos continuará executando um ótimo trabalho", disse.

A aproximação também ajuda a explicar porque o PSB evitou colocar o PT na vice, no Recife, partido que tem um histórico de desavenças com os evangélicos, hoje vistos como bolsonaristas em sua maioria.

Como mais proteção é algo sempre bom, o primeiro ato do prefeito e candidato à reeleição João Campos foi subir o Morro da Conceição e pedir proteção à Nossa Senhora da Conceição, ao lado do vice Victor Marques, familiares e aliados.

@blogdojamildo