Entenda como a relação entre o Executivo e o Congresso pode influenciar a discussão sobre o parlamentarismo no Brasil
por Rosa Freitas
Publicado em 18/02/2025, às 15h05
Por Rosa Freitas, em artigo especial para o site Jamildo.com
No Brasil, as chefias do Estado e do governo são exercidas pela mesma pessoa: o presidente, eleito pelo voto direto. Nos países parlamentaristas, podem existir diversas configurações: (a) monarquia parlamentarista, em que o monarca ocupa a chefia do Estado e o primeiro-ministro ocupa a chefia de governo; e (b) outros países em que o presidente ocupa a chefia do Estado, como na França e na Alemanha, e outro a chefia de governo.
Os países europeus adotam, em sua maioria, essas duas configurações.
Em dois momentos já vivenciamos o parlamentarismo: de 1847 a 1889, como monarquia parlamentarista, e de 8 de setembro de 1961 a 24 de janeiro de 1964.
Mas, na maior parte de nossa história pós-independência, seguimos a tradição norte-americana, com um só representante eleito para um período de 4 anos, com a possibilidade de reeleição.
Nos Estados Unidos, nenhum presidente pode ter mais de dois mandatos, sejam eles consecutivos ou intercalados. Tal limitação não temos aqui, e Lula está em seu terceiro mandato.
Poderíamos seguir o modelo europeu? Claro que sim.
Mas, só mudar o sistema não garante resultados políticos melhores. Apesar disso, alguns consideram que parte de nossos problemas políticos seriam resolvidos, em especial, a relação entre o Poder Executivo e o Congresso.
No Brasil, já foi realizado plebiscito para decidir sobre o parlamentarismo, a monarquia e o presidencialismo. Em 1993, os brasileiros escolheram o presidencialismo. É preciso esclarecer que a forma democrática, o voto direto, secreto e periódico e o federalismo são cláusulas pétreas, mas não o sistema de governo.
Ao longo dos anos, o Congresso Nacional se apropriou de sua importância.
A negociação entre o Presidente e os parlamentares gerou o presidencialismo de coalizão: não há como o governo administrar o país sem o Congresso Nacional, e precisa de uma base ampla de aliados para viabilizar a governabilidade.
Mas, por vezes, essa relação assume formas permissivas e deletérias, que culminaram no mensalão. Em seguida, o mensalão se institucionalizou com as Emendas ao Orçamento.
Sem muito controle sobre a aplicação dos recursos das Emendas ao Orçamento, desde 2024, o embate entre o governo, o Congresso Nacional e o Judiciário ganhou novos e intrigantes capítulos.
Inicialmente, os parlamentares derrubaram o veto presidencial para tornar obrigatória a execução das Emendas dentro do ano orçamentário. Em seguida, o Judiciário suspendeu as Emendas até que se adotem medidas efetivas de controle sobre sua aplicação, com transparência.
Sob a batuta do ministro Flávio Dino, temos: a ADPF 854 (Orçamento Secreto), a ADI 7688 (Emendas Pix), a ADI 7695 (Emendas Pix) e a ADI 7697 (Emendas Impositivas).
Se o poder do Congresso Nacional se tornou tão grande a ponto de viabilizar o impeachment de Dilma, após ser inocentada pela Justiça, os parlamentares estão cada vez mais condicionados a mudar a forma de governo.
Paralelo a esse debate, e sob intensa pressão social e da mídia, os parlamentares ressuscitaram propostas sobre as imunidades parlamentares, um tanto fragilizadas pela ação da Justiça, como liminares e buscas pessoais em gabinetes.
A negociação política entre parlamentares e o Poder Executivo não somente é fundamental como legítima. Se não houvesse essa interface, seríamos uma ditadura.
Mas uma coisa é negociação, outra é a imposição de decisões, a usurpação de poder e a interferência do Congresso nas políticas públicas.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 2/2025 pretende dar nova redação ao Art. 80 da Constituição Federal, I, cabendo ao presidente da República indicar e nomear o primeiro-ministro.
Logo adiante, a PEC propõe sua apresentação ao Congresso Nacional e, mais adiante, esclarece as atribuições do primeiro-ministro nos atos de chefia de governo, juntamente com o Conselho de Ministros.
Mudar o sistema ou corrigi-lo é adequado, importante e legítimo, mas serão essas as razões pelas quais o parlamentarismo ou o denominado semipresidencialismo está sendo cotado e alardeado?
Parece-me que não.
Acredito que seja mais um meio de pressão sobre o governo para liberar as emendas parlamentares e o controle e a interferência nas políticas públicas.
Também não acredito que o projeto vá prosperar.
A Europa está às voltas com a destituição de primeiros-ministros, crises de confiança, retorno da extrema direita etc.
O parlamentarismo é um excelente modelo que contrabalanceia a divisão de atividades políticas de Estado e de governo, até porque governar é desgastante.
Mas sinto que a ameaça de se pautar essa mudança no comando político da nação também representa um choque entre forças e projetos políticos, não necessariamente o aprimoramento das instituições.
A essa construção e acomodação, os deputados propositores chamaram de semipresidencialismo. Não existe essa figura política no mundo, pelo menos não com tal nomenclatura.
...porém, o maior interessado - o povo - ainda não foi consultado.