Ricardo Leitão: Os arapongas de Jair Bolsonaro

Investigação sobre Abin Paralela e relação com Bolsonaro gera clima de desconfiança na Abin do governo Lula. Veja artigo de Ricardo Leitão sobre o tema

Cynara Maíra

por Cynara Maíra

Publicado em 19/07/2024, às 09h08

Jair Bolsonaro na posse de Alexandre Ramagem como diretor-geral da Abin - Valter Campanato/Agência Brasil
Jair Bolsonaro na posse de Alexandre Ramagem como diretor-geral da Abin - Valter Campanato/Agência Brasil

Por Ricardo Leitão, em artigo especial para o Blog do Jamildo

Araponga – do indígena, ara (ave) e ponga (soar) – é um pássaro nativo do Brasil, com um canto estridente e curto, que lembra o choque de dois pedaços de ferro.

Daí o nome de ferreiro, que recebe em algumas regiões do país, como o Nordeste. Na ditadura militar (1964-1985), os delatores que infectavam todos os ambientes foram batizados de arapongas pelo escritor e humorista Jô Soares, consagrando a denominação.

Como era inevitável, Jair Bolsonaro organizou sua equipe de arapongas, instalando-a na Agência Brasileira de Inteligência (Abin), órgão responsável pela produção de informações para a Presidência da República. O enrosco ilegal, financiado com verbas públicas, passou a ser conhecido como Abin Paralela.

Na semana passada, a Polícia Federal divulgou relatório no qual afirma que, por ordem de Bolsonaro, a Abin Paralela monitorou ministros do Supremo Tribunal Federal, senadores e deputados federais, ONGs, funcionários da Receita Federal, jornalistas e dezenas de outras pessoas tidas como inimigas do bolsonarismo.

O material capturado nos monitoramentos tinha duas destinações. Primeira, municiar Bolsonaro e seus áulicos mais próximos com dados para tomada de decisões; segunda, abastecer o chamado Gabinete do Ódio, instalado no Palácio do Planalto, com o objetivo de promover ataques diários, pelas redes sociais bolsonaristas, contra oponentes do ex-presidente.

Bolsonaro tinha pleno conhecimento do alcance dessa operação de arapongagem. Seu filho caçula, Carlos Bolsonaro, concebeu e coordenava o Gabinete do Ódio. A Abin Paralela contava com a cobertura de Alexandre Ramagem, então diretor Geral da Abin oficial, hoje deputado federal e candidato a prefeito do Rio de Janeiro com o apadrinhamento do ex-presidente.

Nas investigações, a Polícia Federal localizou no computador de Ramagem um arquivo radioativo: a gravação, de 1 hora e 8 minutos, de uma reunião no Palácio do Planalto, da qual participaram o então diretor geral da Abin, o ex-presidente Bolsonaro, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, e duas advogadas, Juliana Bierrenbach e Luciana Pires, defensoras do hoje senador Flávio Bolsonaro.

Pauta única do encontro: como usar o poder do ex-presidente para pressionar auditores da Receita Federal que investigavam a apropriação de salários de servidores da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro por Flávio Bolsonaro, quando este era deputado estadual.

O conteúdo integral da gravação foi liberado pelo ministro do STF Alexandre de Moraes. Nele há um trecho – que seria hilário, se não fosse trágico – em que Bolsonaro, que estava sendo gravado, exige que todos tenham cuidado com gravações, dado o teor comprometedor da conversa.

Ramagem, que vai depor na Polícia Federal nesta semana, ainda não explicou por que a cópia da gravação estava em seu computador.

Ele alega perseguições políticas; no entanto, terá muito mais a explicar sobre a Abin Paralela. Por exemplo: por qual motivo nomeou o policial federal Marcelo Araújo Bormevet para comandar o Centro Nacional de Inteligência (CNI), da Abin, tendo como subordinado o sargento do Exército Giancarlos Gomes Rodrigues.

Os dois foram destacados militantes da Abin Paralela. Em conversa gravada pela Polícia Federal, foi travado o seguinte diálogo, no qual se referem ao ministro Alexandre de Moraes: “Esse careca tá merecendo algo mais”, ameaça um deles, e o outro responde: “Só (fuzil) 7.62 head shot (tiro na cabeça)”. Bormevet e Rodrigues estão presos.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem agora um problema nas mãos. Diante dos fatos já levantados pela Polícia Federal, o Procurador- Geral da República, Paulo Gonet, em parecer enviado ao STF, recomendou que o inquérito da Polícia Federal não seja enviado à Abin, que o solicitara, “para tomar medidas administrativas”.

Sem se referir explicitamente à Abin Paralela em seu parecer, escreveu Gonet: “Apura-se a existência de organização criminosa responsável por ataques sistemáticos aos seus adversários, ao sistema eleitoral e às instituições públicas, por meio da obtenção de dados sensíveis e propagação de notícias falsas”. 

Fica óbvio que não há confiança, por parte da Procuradoria-Geral da República, do Supremo Tribunal Federal e da Polícia Federal na Abin oficial do governo Lula, ainda recheada de arapongas remanescentes do desgoverno de Bolsonaro. Fazer o quê?

Há quem defenda uma refundação da agência, um órgão necessário na formulação de decisões do presidente da República, como ocorre nas democracias.

Refundar significará profissionalizar os seus quadros, dotá-los de equipamentos modernos, submetendo essa nova Abin a controle externo e a regulamentos rigorosos.

Se assim já fosse, os arapongas de Bolsonaro não teriam transformado o mais importante órgão de informação do país em ninho de tenebrosas transações, para beneficiar filhos de mandatários e perseguir adversários.

Trata-se de uma medida sanitária urgente. Informação é poder. A Abin – capturada pela direita no governo bolsonarista – foi usada para insuflar golpistas e tentativas de golpe, como no 8 de janeiro de 2023.

Porém, pode ser um instrumento da democracia quando, no sentido contrário, detectar avanços contra as instituições do povo e contribuir para a indicação de rumos que assegurem a solidez do Estado Democrático de Direito.

@blogdojamildo