A trajetória histórica da extrema direita no Brasil e os desafios para a democracia frente à tentativa de golpe e à negação da alternância de poder
José de Araújo Pereira Filho * | Publicado em 18/12/2024, às 16h53
* José de Araújo Pereira Filho é Eng. Eletricista e Cientista político.
Lembro de um tempo no qual, nas pequenas cidades, os principais atores eram, pela ordem, o padre, o juiz e o delegado. Todos tinham conluio com um “coronel”, que os sustentava. O prefeito, normalmente, não poderia ir contra qualquer uma dessas “autoridades”, para não perder as condições de exercício da governabilidade.
Assim, os poderes religioso, judiciário e militar, satisfazendo as vontades do “coronel”, decidiam o que era bom ou ruim, legal ou ilegal. Falar contra qualquer uma dessas “autoridades”, era prisão quase certa. Estavam acima de qualquer lei ou de qualquer suspeita, pois eram a própria lei. Com muitas dificuldades, igrejas protestantes sobreviviam ou as leis trabalhistas eram obedecidas.
Não obstante, a percepção da corrupção e das injustiças que campeavam a olhos vistos, aumentava cada vez mais, na medida em que as cidades cresciam. Com o passar do tempo, as pessoas passaram a perceber que o “coronel”, o padre, o juiz e o delegado tinham seus defeitos como qualquer outra, dando espaço para lutas por alternância de poder e influência política. Já não mais estavam acima de qualquer suspeita.
Logo, os antigos donos do poder, sentindo-se ameaçados, reagiram com argumentos nada desconhecidos nos dias atuais acusando todos seus adversários de comunistas, por faltarem justificativas outras. Ou seja, o mal que era eles próprios, que exploravam o trabalho dos outros, praticavam injustiças e adeptos da corrupção, aproveitando-se da ignorância da população estava como hoje está, desprovido de qualquer argumentação sólida ou consistente para a manutenção ou perpetuação do poder.
O mérito da democracia está na possibilidade da alternância do poder. Mas no Brasil, tivemos situações nada democráticas no sentido de obediência a esse mérito. Quando Juscelino foi eleito, parte das forças armadas, rebelaram-se a antes mesmo da sua posse. Não fosse a ação do Marechal Lott em 11 de novembro de 1955 Juscelino não teria tomado posse. Nesse movimento, a direita política conservadora também fez parte. Houve ainda o movimento iniciado em Jacaracanga, em 10 de fevereiro de 1956, e um outro cujo quartel-general sediou-se Aragarças–GO, em 3 de dezembro se 1959, logo desmantelado. Juscelino, mesmo não sendo de esquerda, havia derrotado forças conservadoras e extremistas da direita, essa ávida pelo poder que perdera desde a revolução de 1930.
O maior problema foi que todos os revoltosos foram ANISTIADOS, o que resultou no golpe de Estado de 1964, quando um governo legalmente constituído, foi deposto e aquelas forças da direita assumiram o poder. Já que não conseguiam pelo voto, que fosse pela força.
A extrema-direita, como hoje, não se conformava com políticas sociais de distribuição da renda, erradicação do analfabetismo, melhora do salário mínimo ou extensão de benefícios ao trabalhador rural com combate às condições análogas à escravatura. Para essa extrema-direita, tudo isso seriam políticas essencialmente comunistas, não condizentes com a prática capitalista exploradora.
Além do mais, João Goulart implementou uma Política Externa Independente (PEI), na qual o Brasil não seguiria, automaticamente, as diretrizes estadunidense. Seguiria que o comércio exterior brasileiro não estaria sujeito as amarras nem seria dependente das políticas emanadas pelos EUA.
Foi nesse contexto que forças civis se levantaram, usando argumentos falaciosos (fake news — alguma novidade?) e, utilizando-se dos muitos militares anistiados das revoltas anteriores fracassadas, pensaram em tomar o poder. O que se viu foi que os militares ocuparam o poder desde 1964 até 1985, vinte e um anos. Semelhantemente às condições de exercício do poder naquelas pequenas cidades referidas no início, as forças armadas se consideravam imunes a qualquer desconfiança, sendo os seus opositores taxados de subversivos e antinacionalistas. Milhares foram impedidos de exercerem seus ofícios, presos, torturados ou executados.
Com o fracasso econômico da sua administração, o poder retornou aos civis tendo, no entanto, as forças armadas o direito de salvaguardar-se a si mesmo, impedindo possíveis e necessários processos de apuração da corrupção e violação dos direitos humanos existentes durante o período no qual exerceram o governo. Isto é, consideraram-se acima de qualquer suspeita, a própria lei e exemplo de probidade.
Nas eleições de 2018, democraticamente, retornam ao poder e seu chefe maior não escondia a vontade de perpetuar-se. Desde o início um ex-capitão que fora expulso, mas reintegrado ao Exército Brasileiro, alardeou que era “seu exército”.
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Os adeptos desse novo governo pretendeu erradicar as forças sociais e políticas de esquerda, julgaram-se a si mesmos intocáveis e exemplos para o povo.
Realizaram um governo medíocre, pontuando um comportamento entreguista das riquezas nacionais e uma subserviência vergonhosa aos republicanos dos EUA. Alguns programas sociais são mantidos para que possam angariar votos nas eleições. São mantidos a contra vontade explícita.
Mesmo assim perdem as eleições em 2022, democraticamente. Continuam se achando intocáveis, buscam soluções para impedir a posse do novo presidente eleito, onde está incluído um possível golpe de Estado para o qual não obtiveram o necessário apoio militar, internamente, nem o político no exterior.
Reuniões preparatórias para o golpe foram realizadas, grupos de manifestantes financiados para provocar movimentos defronte aos quartéis pedindo ditadura. Alardearam, nas redes sociais, que algo aconteceria antes da posse do novo presidente, tentaram atentados, buscaram a mobilização do Exército, tentaram eclodir uma bagunça no país para justificar a saída dos militares dos quartéis. Nada deu certo.
Querem anistia pelos seus atos, como ocorreu em anos anteriores e cuja consequência foi o período da ditadura militar. A direita extremista não se conforma. Tentam solapar, de todas as formas, o governo legalmente constituído.
Pela primeira vez, em décadas, um militar de quatro estrelas é preso, suspeito de articular um golpe militar. Talvez a justiça comece a se fazer no Brasil e tenhamos democracia por mais tempo.
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