Justiça anula reeleição antecipada na Câmara de Vereadores de São Bento do Una

Jamildo Melo | Publicado em 19/07/2025, às 16h26 - Atualizado às 16h40

TJPE barrou eleição antes da hora na cidade do agreste pernambucano - Reprodução / TJPE
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A Justiça Estadual anulou a reeleição antecipada da mesa diretora da Câmara de Vereadores de São Bento do Una, no Agreste de Pernambuco.

Segundo a decisão, os vereadores realizaram a eleição para o biênio 2027-2028 em 26 de maio, com 19 meses de antecedência.

A decisão liminar atendeu pedido de alguns vereadores e foi assinada em 17 de julho pelo juiz Ricardo Miranda Barbosa, do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco (TJPE).

"Eleição realizada com tamanha antecipação de quase 19 meses passa ao largo da razoabilidade, pois impede a concretude de uma relação equânime entre maioria e minoria. O aproveitamento de maioria parlamentar para reconduzir membros que exercem as respectivas funções há apenas cinco meses revela concentração de poder que inibe o ambiente democrático necessário ao fomento de discussões, declarações e posicionamentos aptos a justificar mudanças de entendimento dos membros do legislativo municipal, seja individual ou coletivamente, obstaculizando a natural dinâmica política decorrente das relações entre fatos e atores do cenário político local", disse o juiz, na decisão, obtida pela site Jamildo.com.

Ainda cabe recurso, na segunda instância.

Em Pernambuco, o Supremo Tribunal Federal (STF) já anulou a reeleição antecipada ocorrida na Assembleia Legislativa, após ação da Procuradoria Geral da República.

O Ministério Público de Contas de Pernambuco (MPC-PE) também tem procedimentos abertos sobre a reeleição antecipada nos legislativos de Jaboatão dos Guararapes e Itapissuma, que também já fizeram em 2025 a reeleição antecipada para o biênio de 2027-2028.

Em Jaboatão e Itapissuma, o MPC-PE enviou recomendação para anulação da eleição antecipada, o que, até agora, não foi atendido.

LEIA OS PRINCIPAIS TRECHOS DA DECISÃO DO JUIZ

Fundando-se em omissão legislativa, a interpretação sustentada pela mesa possibilitaria a conclusão de que qualquer data anterior a 15 de dezembro do segundo ano do primeiro biênio seria possível, todavia a omissão deve ser analisada tendo como norte os princípios republicano e os da boa-fé, da razoabilidade e da contemporaneidade, sem perder de vista o caráter democrático que deve ser vital no Legislativo. A democracia é essencial à República brasileira, não estando limitada às eleições gerais ou municipais, em que o eleitor se dirige à urna a fim de exercer seu direito de voto.

O regime democrático integra a razão de ser dos Poderes, desdobrando-se em mecanismos internos que necessariamente mimetizam a pluralidade exigida nas eleições gerais, visto que a diplomação não concede aos eleitos uma procuração em branco com poderes divorciados dos princípios mais caros à República. Representante do Povo, de quem todo poder emana (art. 1º, parágrafo único da CF/88) e dele estando mais próximo, as Câmaras Municipais devem prezar pelo funcionamento de tais mecanismos com a finalidade de permitir a efetiva representação da população, assegurando aos vereadores a liberdade, garantia e segurança de exercer seu mister legislativo e fiscalizador em situação igualitária, possibilitando ora compor a mesa diretora, em conformação com seus pares, podendo concorrer eleição transparente, periódica e igualitária, dentro dos limites da Constituição Federal.

Eleição realizada com tamanha antecipação de quase 19 meses passa ao largo da razoabilidade, pois impede a concretude de uma relação equânime entre maioria e minoria. O aproveitamento de maioria parlamentar para reconduzir membros que exercem as respectivas funções há apenas cinco meses revela concentração de poder que inibe o ambiente democrático necessário ao fomento de discussões, declarações e posicionamentos aptos a justificar mudanças de entendimento dos membros do legislativo municipal, seja individual ou coletivamente, obstaculizando a natural dinâmica política decorrente das relações entre fatos e atores do cenário político local.

Sobre tal aspecto, o Ministro Flávio Dino destacou, em seu voto na Medida Cautelar na ADI 7.737/PE, que “ao antecipar excessivamente as eleições, desconsidera-se o princípio de que cada mandato deve ser legitimado por um processo eleitoral próprio e contemporâneo ao período de sua vigência”, destacando, ainda, que o período da eleição deve se dar em data aproximada à posse, afirmando que, ao se antecipar as eleições de forma tão açodada, “promove-se uma desvinculação da eleição do contexto político que deveria influenciá-la, podendo levar a uma desconexão entre a direção da Casa Legislativa e a realidade política vigente no momento do exercício do mandato”.

Ainda, sobre tal ponto, o Ministro Gilmar Mendes, no bojo da ADI 7.733/DF, destacou que “a antecipação desarrazoada dessas eleições tende a favorecer grupos políticos majoritários e influentes no momento da votação, que não refletirá, necessariamente, o anseio predominante ao início do novo biênio”.

É evidente que ao estabelecer eleições bienais, foi interesse do Legislador viabilizar a alternância de poder dentro da casa legislativa, pois é autorizado a qualquer vereador a mudança de posicionamento, o que é possível apenas quando refletido sem as amarras de uma decisão tomada prematuramente e contra a qual não se pode mais se insurgir.

É que no decorrer do primeiro biênio muitas coisas podem afetar a dinâmica política do país, do Estado ou do próprio Município, influenciando os contornos de poder internos da casa legislativa, de forma que a suspensão dos efeitos de uma eleição tão prematura serve de garantia aos próprios componentes da mesa, os quais poderão exercer suas funções sem interferências internas ou externas. Ao que se nota, a reeleição prematura, conforme vista nos autos, visa claramente conferir um tipo de estabilidade na função ocupada que não é acolhida pelo ordenamento jurídico. O Ministro Dias Toffoli, relator da ADI 7.350/TO, asseverou que “acaba-se por privilegiar o grupo político majoritário ou de maior influência no momento do pleito, o qual muito facilmente pode garantir dois mandatos consecutivos”.

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