Ricardo Leitão | Publicado em 26/07/2025, às 11h53 - Atualizado às 12h05
Por Ricardo Leitão, em artigo enviado ao site Jamildo.com
“Se quiser fechar o Supremo Tribunal Federal, sabe o que faz? Não manda um jipe, manda um cabo e um soldado. O que é o Supremo Tribunal Federal? Tira a caneta da mão de um ministro e você acha que vai ter manifestação popular a favor dele? Milhões nas ruas?”
O comentário para estudantes de Brasília, em 2018, no início do governo de Jair Bolsonaro, foi de seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, hoje refugiado nos Estados Unidos. Marcou a sua estreia na mídia nacional e sinalizou o tom conflituoso com que o clã pretendia tratar, e tratou, os outros poderes da República.
Eduardo Bolsonaro – que se diz um exilado político – mantém, no exterior, a mesma verve ameaçadora: “Glória a Deus pela arrogância de meus adversários. Enquanto me tratavam como um desqualificado, nós fazíamos o impossível. E anotem aí, porque está apenas começando”.
O começo, no caso, foi a carta pública de Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, ao presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, denunciando, sem provas, ser o ex-presidente Bolsonaro alvo de “caça às bruxas”. E, na mesma correspondência, impondo sobretaxa de 50% aos produtos brasileiros exportados para o país, a partir de 1 de agosto próximo.
Em seguida, oito dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal tiveram cancelados seus vistos de entrada nos EUA. Entre eles, o ministro Alexandre de Moraes, relator de processos contra o pai e o filho, que podem redundar na prisão do ex-presidente por tentativa de golpe de Estado.
As digitais do filho refugiado estão nessas decisões de Trump.
Logo depois da vitória eleitoral do republicano, Eduardo Bolsonaro anunciou que aumentava a possibilidade de ser barrada a entrada do ministro Moraes nos Estados Unidos. Recebeu o apoio de Steven Bannon, expoente da extrema direita norte-americana e assessor nas campanhas de Trump.
À dupla se agregaram Paulo Figueiredo, neto do general João Figueiredo, último presidente da ditadura militar, e Jason Miller, ex-assessor sênior de Trump – todos trabalhando pelas sanções ao Brasil.
Ao mesmo tempo, na Câmara dos Deputados, avançava a pressão dos parlamentares de direita pela aprovação de um projeto de lei que anistia os condenados pelos ataques golpistas, em Brasília, em 8 de janeiro de 2023.
A direita quer modificar o projeto: incluir também na anistia quem participou de atos preparatórios do golpe – o que beneficiaria o ex-presidente – e outros, tratados pelo bolsonarismo como exilados, entre os quais o próprio Eduardo Bolsonaro.
As ações nos Estados Unidos do filho fugido, contra a soberania e os interesses do Brasil, estão sendo investigadas pela Polícia Federal, por determinação da Procuradoria-Geral da República.
Por apoiá-las e financiá-las, Jair Bolsonaro foi punido pelo ministro Alexandre de Moraes que, entre outras restrições, determinou o uso de tornozeleira eletrônica pelo ex-presidente, equipamento normalmente mais usado por condenados de baixo coturno.
Com o silêncio de Bolsonaro, os ataques do clã contra os entendimentos que sustem ou extingam o tarifaço passaram à liderança de Eduardo, que com esse papel se transformou em porta-voz da direita norte-americana.
Caso fracassem as negociações, que envolvem representantes do Brasil e dos Estados Unidos desde maio, a possibilidade de uma crise nas exportações brasileiras é real. O tarifaço asfixia mais da metade das exportações de cinco setores: pedras, aeronaves, armas e munições, peixes e crustáceos, ferro e aço.
Dos 27 estados que exportam para os Estados Unidos, o Ceará é o mais atingido: 44,9% de suas vendas externas se destinam ao mercado norte-americano. Os dados são do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio.
O tarifaço vai gerar inflação e desestabilizar os negócios de 9.500 empresas exportadoras, também segundo o Governo Federal.
A retomada do desenvolvimento vai estancar, sem que se veja normalização a curto prazo. Estima-se que cerca de 100 mil trabalhadores fiquem desempregados, principalmente na agropecuária.
Tal realidade pode interessar, politicamente, aos Bolsonaros, contudo não à grande maioria dos empresários. Durante os quatro anos do bolsonarismo no poder, eles conviveram com o clã e seus agregados como “um mal necessário” para conter a esquerda.
No entanto, o custo agora ficou muito alto.
A proteção de Trump, via tarifaço, para “defender” o ex-presidente pode tornar o Brasil um país imprevisível no comércio internacional e a instabilidade – como ensinam os compêndios capitalistas – é o pior dos ambientes para se produzir lucros.
Usufruindo das benesses do berço do capitalismo, enquanto conspira contra o Brasil, Eduardo Bolsonaro conhece as regras, contudo arrisca. Sabe, como o pai, que o clã não vencerá de novo em 2026 dentro das regras; portanto o caminho é misturar as pedras e derrubar o tabuleiro, como foi tentado no golpe.
Na trama que culminou no 8 de janeiro faltaram adesão militar, empresarial e apoio popular.
E agora?
O ex-presidente deve ser condenado por tentativa de golpe de Estado, carrega uma tornozeleira eletrônica na perna esquerda e está inelegível até 2030, por declarações mentirosas contra o sistema eleitoral brasileiro.
Os militares perderam protagonismo político e recuaram para os quartéis. Rareiam e perdem força os atos de rua em favor do ex-presidente. Restam os empresários. Todas as lideranças já se pronunciaram contra o tarifaço de Trump; nenhuma a favor de Bolsonaro.
Para este seleto grupo do dinheiro grosso e seus parceiros internacionais, o clã se tornou um estorvo a ser descartado o quanto antes. Jair Bolsonaro foi financiado em 2018 para vencer a esquerda e dar aos financiadores o desmonte de políticas públicas sociais; a devastação ambiental; a militarização da administração civil; a privatização de infraestruturas estratégicas e a anarquia do combate à Covid 19, que deixou o rastro infame de 700 mil mortos e outras centenas de milhares de sequelados.
Na tentativa de repetir a vitória em 2022, o clã falhou e agora será substituído em 2026. A decisão fria e calculista não assanhará um fio da loura cabeleira de Donald Trump, nem desfazer o nó elegante da gravata de nenhum banqueiro de São Paulo.
São as regras canibais do cruel jogo político. O capitão reformado do Exército vai espernear. Sabe que sem o seu apoio explícito nenhum candidato da direita passará para o segundo turno. Tem ainda força nas ruas e liderança no Congresso.
No entanto, deve ter consciência de que perdeu sustança – como se diz no Nordeste - e não mais reage às outras candidaturas de direita que começam a surgir no seu campo, algumas estribadas no empresariado que o apoiou em 2018 e 2022.
Dos Estados Unidos, Eduardo Bolsonaro observa o horizonte turvo e pensa no futuro. Seu plano de substituir o pai como candidato se evaporou. Papai é a Pátria! – talvez ainda insista. Ele, com certeza, não será a Pátria. Se nada der certo, o filho fugido pode trabalhar como guia turístico. Acha que tem um bom inglês coloquial, apurado quando fritava hambúrgueres nas calçadas de Chicago.
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