A desobediência civil e os governos do Brasil

Paulo Roberto Cannizzaro | Publicado em 08/11/2024, às 13h11

Escritor defende que o voto da sociedade brasileira, mais do que sufrágio, deve ser de uma abolição à nossa escravidão civil - Foto: Isaac Fontana / CJPRESS / Estadão Conteúdo
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Por Paulo Roberto Cannizzaro, em artigo enviado ao site Jamildo.com

Henry David Thoreau (1817-1862), o grande fundador do anarquismo, no seu ensaio “A desobediência civil”, equivale ao livro do Gênesis, e ele diz: “ O melhor governo é o que governa menos”.

A despeito do aparente exagero da expressão, ele tem razão em dizer que o governo “não é mais do que uma conveniência, embora as maiores de suas ações, são inconvenientes”.

Mas o Estado brasileiro onde entra nessa história? É vergonhoso ver nosso comportamento como nação. Todos os nossos governos são, indistintamente, péssimos. O país merece muito mais do que um Lula, ou Bolsonaro. O Estado brasileiro é anárquico, e depravado.

Um governo nada mais é, em si, a maneira que o seu povo escolheu para executar a sua vontade e representatividade, mas temos sido sujeitos ao abuso e a uma perversão constante. Há uma algazarra permanente, no Legislativo, no Executivo, e faz pena ver o comportamento comprometido e patético de grande parte do Judiciário, desde juízes singulares até na casa maior constitucional.

Desembargadores agora também são quadrilheiros, mas isso é normal. Temos na mão um Estado que não nos mantêm mais como país livre, o selo de democracia é mentiroso. Um Estado que, ao contrário de cumprir a sua função de proteger e educar, é fonte em deseducar.

Clama-se, como diz Thoreau, não por governo nenhum, mas imediatamente, por um governo melhor. A lei sozinha jamais tornou uma sociedade justa. A justiça brasileira tem sido comandada por agentes da injustiça, também é normal?

Devolver dinheiro, depois da Lava Jato teatral, prender uns, soltar depois os mesmos, invadir contas, tomar bens, achar genericamente que tudo é lavagem de dinheiro, destruir empresas, a honra de pessoas, sem processo legal, tem sido parte das tragédias cotidianas.

As peças de teatro são variadas, tira-se Presidente, depois volta Presidente, CPI’s, impeachment, candidatos em simples eleição espalham agressões, cadeiras voam pelo ar nos debates, tudo é espetáculo.

Até os deuses na Grécia riem de inveja, não seriam capazes de produzir textos iguais. Empresários, na grande maioria, são comumente tratados como inimigos da nação. O Estado persegue empresas.

Mas tudo agora é possível, cercear direitos também é “normal”. O Ministério Público, concebido originalmente para cuidar da prestação jurisdicional, agora é poder autônomo, pode tudo, sem limites, e uma Constituição é letra morta de prateleira?

Mas tudo bem, é normal, até que você seja a vítima do Estado, aí sim, vai sentir na própria pele os exageros de um Estado doente. Os entes tributantes acham lindo protestar empresas, colocar restrições das mesmas para não ter acesso ao crédito, enquanto administradoras de cartão de crédito, instituições bancárias podem tudo, os grandes proprietários de nossa dívida pública, mas é normal também.

Enfim, um Estado incapaz de oferecer incentivo às empresas nacionais, que se estabeleçam, progridam, que pequenos empresários empreendam, e possibilidades vão sendo restringidas. Qualquer sistema tributário é propulsor de atividade econômica, ou freio de desenvolvimento.

O nosso, nada inventivo, além de inibidor, é destruidor imoral de empresas, excessivamente declaratório e deixam empresas à mingua. Milhares de contribuintes estão à margem do mercado, repletos de restrições de crédito, maculados em registros de Serasa, para não ter acesso ao mundo do consumo.

Também é normal. É vontade de Deus que um governo estipulado seja obedecido irrestritamente? O aumento grau de abstinência nas eleições recentes, é um aviso de nossa indiferença à corrupção das nossas instituições, e de um Estado em crise permanente.

Votar em favor do direito, mesmo que seja importante, não é necessariamente fazer alguma coisa por ele. O voto da sociedade brasileira, mais do que sufrágio, deve ser de uma abolição à nossa escravidão civil. A cidadania tem sido escrava.

Brasil, provavelmente, é uma das sociedades mais apáticas e despreparadas politicamente, fútil, submissa, inculta, continua achando que deve ser assim, desse jeito. Mas não é.

Devemos dar o nosso voto, mais muito mais a nossa influência sobre ele. Temos sido súditos demais, e protagonistas de menos do nosso destino, em cumprir o papel da grande nação que somos. Há um sangue do povo escorrendo na sociedade brasileira, silenciosamente, sem a revolução da consciência coletiva.

Paulo Roberto Cannizzaro é escritor

Justiça Governos desobediência civil

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