Em um mundo cada vez mais digital, a economia da atenção usa algoritmos para escalar conteúdo nas redes sociais, definindo quem é mais relevante ou não
por Jamildo Melo
Publicado em 24/08/2024, às 08h01
Antes de começar a campanha eleitoral, setores da esquerda se perguntavam se o ex-coach e influenciador digital Pablo Marçal (PRTB) seria capaz de transformar em votos os milhares de seguidores virtuais.
Ao que parece, o influenciador começou a mostrar que tem capacidade de transferir votos do mundo virtual para o real.
Se em 2018, operando ao que se sabe apenas grupos de WhatsApp, Bolsonaro deu um banho nos candidatos da esquerda, é de se imaginar o que Marçal pode fazer operando uma máquina mais moderna.
O influenciador, desacreditado pelos grandes jornais e intelectuais, já escalou para o segundo lugar na disputa eleitoral da capital paulistana.
Nesta sexta=-feira, saiu mais uma pesquisa do Datafolha, sobre as eleições na capital de São Paulo.
Boulos aparece na liderança, com 23% e Pablo Marçal aparece já em segundo, com 21% (vindo de um patamar de 14%).
Um desidratado Ricardo Nunes tem 19%, criando um inédito empate técnico triplo, mas Marçal tem viés de alta, Nunes, não. E olha que Ricardo Nunes tem 57% de aprovação e apenas 38,8% de desaprovação.
Há quem acredite que finalmente Boulos chegou à liderança, deixando Nunes para trás, justamente por conta da polarização com Marçal, que ajudou a evidenciar que ele era o candidato de Lula.
Com a divisão de votos à direita, Datena agora aparece com 10% (caiu de 14%) e Tábata passou de 7% para 8%.
Tendo enriquecido pela internet (ao menos é o que propaga) e vivendo na internet, Marçal domina o meio como nenhum dos seus concorrentes.
A diferença é que ele agora não quer vender seus cursos, mas quer ganhar o voto do eleitor de São Paulo. Pela própria internet, antes de ser candidato, Marçal já havia contado que pagava adolescentes para que eles cortassem e colocassem nas redes os cortes de suas falas mais polêmicas.
Vindo deste universo paralelo, o candidato tem atordoado os concorrentes do mundo real, que se recusam a ir aos debates de tv "para não dar palco a maluco".
Chamam-no de novo Tiririca, bobo da corte e representante do voto de protesto. Ele vai continuar indo aos debates na TV porque isto gera os cortes que ele precisa para manter a roda da chamada nova 'economia da atenção' girando.
Alguns números da mais recente pesquisa do Instituto Paraná podem ser uma chave para entender parte do processo em São Paulo. Marçal atinge os mais jovens.
Em um dos cenários pesquisados, de confronto direto entre Boulos e Marçal, a pesquisa mostra que a maior parte das intenções de voto do influenciador, de 44,9%, está situada na faixa de público de 16 a 24 anos.
O jornalista Ricardo Koctho, ex-secretário de comunicação de Lula, com atuação nacional, mas morador de São Paulo, em uma live no programa Segunda Chamada, do canal My News, admitiu o fenômeno do envelhecimento do segmento, ao verificar a quantidade de cabelos brancos nas plenárias do PT.
No caso de Marçal, seria só pela lacração? Algo do tipo como 'exorcisar' o psolista Boulos com uma carteira de trabalho? Logo Boulos que estava acostumado ao papel de provocar os políticos mais à direita?
Tamanha exposição também tem ajudado Marçal a elevar seu grau de conhecimento, que era de 62% dos entrevistados e agora já soma 67%. Para sorte dos adversários, também cresceu a rejeição dele.
Boulos é o candidato com maior rejeição na disputa (37%), seguido justamente por Marçal (de 30% para 34%). Nunes tem 25% e Tabata tem uma taxa de 18% de rejeição, a mais baixa dos candidatos competitivos.
Agora Marçal está no primeiro pelotão, vai ser alvejado com muito mais frequência. Antes era poupado por não representar ameaça. Vai se mostrar coberto por teflon, como Lula ou Bolsonaro?
Trabalhando nesta linha de ataque ao "laMarçal", de modo a evitar que o influenciador cresça mais e se consolide no patamar principal, a candidata do PSB, Tabata Amaral, lançou um vídeo bastante duro, associado Pablo Marçal ao PCC.
Os dois já protagonizaram embates públicos. Marçal falou do pai dela para ataca-la. Nas esquerdas, é fato que o que se imaginava é que ele buscaria uma polarização com Tabata, passando ao largo da polarização posta pelos jornalões - entre Nunes e Boulos.
No entanto, pode ter sido irresistível buscar a polarização com o PSOL e o PT, afinal Boulos é o candidato declarado de Lula e 2026 é logo na esquina. Com Boulos, Marçal pode estabelecer a polarização criada por Bolsonaro e Lula desde as eleições de 2018. Junto com João Campos, que busca a reeleição no Recife, o candidato do PSOL em São Paulo é uma das apostas da renovação da esquerda nacional.
Até este ponto, o que se ouvia nos bastidores da política é que Marçal era uma espécie de agente de Bolsonaro para minar Nunes e então atropelar os acordos partidários de Valdemar da Costa Neto.
O bate boca pelas redes sociais entre Marçal e o clã Bolsonaro embaralha essa visão, mas esta desavença casual pode ser apenas jogo de cena, cortina de fumaça que os estrategistas sabem necessário para iludir os inimigos no campo de batalha. Depois do fato consumado, bem podem se recompor... quem não lembra da saída indignada do ex-ministro Sérgio Moro do governo Bolsonaro, para logo depois aparecer ao lado do então presidente nos estúdios da Globo, no debate presidencial das eleições de 2022?
Muita gente na política não acompanhava, mas Marçal esteve em um podcast conservador há duas semanas e disse com todas as letras que poderia mudar o Brasil ao chegar à Presidência da República e para isto pedia apenas uma chance, ser eleito em São Paulo! Somente.
Com uma presença nas redes, é fato que Marçal poderia ter vida independentemente de Bolsonaro. Diferentemente do governador Tarcício de Freitas, eleito sob Bolsonaro, Marçal parece não querer ser subordinado, mas um novo sócio no clube da estrema direita. Se for verdade a guerra, o candidato do PRTB será posto na mesma máquina de moer dos políticos que desafiaram Bolsonaro, como João Dória, em São Paulo.
O leitor do site Jamildo.com pode assistir a live do programa Segunda Chamada, do Canal My News, com participação do colunista Jamildo Melo, no link abaixo. O episódio teve apresentação do jornalista Afonso Marangoni e a participação da jornalista Vanda Célia e do cientista político Yuri Sanches, da Atlas Intel.
No domingo, a Justiça Eleitoral de São Paulo determinou a suspensão temporária dos perfis em redes sociais de Pablo Marçal, candidato à Prefeitura de São Paulo pelo PRTB, usados para monetização. Cabe recurso ao Tribunal Regional Eleitoral-SP e o candidato disse que irá recorrer.
Com ironia, ele disse que iria ser pior. "Eu vou aparecer até na geladeira deles", afirmou.
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@blogdojamildo